Foro privilegiado: O jogo de interesses por trás da nova guerra entre Supremo e Congresso

Discussão sobre o fim do foro privilegiado coloca Poderes da República em nova rota de colisão

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Com a imagem arranhada por conta da profunda divisão entre seus membros, das idas e vindas em decisões por vezes contraditórias, o Supremo Tribunal Federal volta a discutir uma proposta de apelo popular nesta quinta-feira (23). Os ministros deverão consolidar maioria em torno da restrição do alcance do foro privilegiado para políticos, em um aceno à opinião pública, naquilo que se transformou comportamento recorrente da corte nos últimos tempos.

A ideia no caso seria manter no STF apenas casos criminais de parlamentares e ministros investigados por práticas vinculadas ao exercício do cargo, sendo todo o restante levado à primeira instância. Com isso, haveria uma importante redução no excesso de processos sob o guarda-chuva dos magistrados da corte — um dos pontos frequentemente apontados entre as possíveis causas da impunidade de figurões poderosos devido aos maiores riscos de prescrição. As expectativas são de que o volume de processos e investigações criminais na instância máxima do Judiciário do país cairiam em até 90%.

Até o momento, o ministro Luís Roberto Barroso sustentou que a atual regra leva à prescrição uma série de processos e que a prática “não realiza adequadamente princípios constitucionais estruturantes”. Também votaram favoravelmente à restrição os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Cármen Lúcia. O julgamento foi interrompido por pedido de vista feito pelo ministro Alexandre de Moraes. Na volta de hoje, espera-se que uma maioria em torno da mudança nas regras seja formada. Contudo, há grandes chances de um novo pedido de vista, tendo em vista o próprio abalo político que a decisão poderia provocar.

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Em paralelo com o que está em discussão no Supremo, avança no parlamento a PEC 333/17, que põe fim à prerrogativa de foro especial para autoridades. Pelo texto, a regra vale para crimes cometidos por deputados, senadores, ministros de estado, governadores, prefeitos, ministros de tribunais superiores, desembargadores, embaixadores, comandantes das Forças Armadas, integrantes de tribunais regionais federais, juízes federais, membros do Ministério Público, procurador-geral da República e membros dos conselhos de Justiça e do Ministério Público. Continuariam com foro especial apenas o presidente e o vice-presidente da República, o chefe do Judiciário, e os presidentes da Câmara e do Senado. A proposta também proíbe que constituições estaduais criem novos casos, como ocorre hoje.

A PEC, já aprovada pelos senadores, teve sua admissibilidade aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara na última quarta-feira (22). Apesar da coincidência das agendas de STF e Câmara, o presidente da CCJ, deputado Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), lembrou que o acordo para colocar a PEC em votação tem mais de um mês, e foi a presidente do Supremo, ministra Carmem Lúcia, quem pautou a discussão para a mesma data.

Para o deputado relator da proposta na Câmara, o deputado Efraim Filho (DEM-PB), a discussão no STF não atrapalha a discussão na Câmara, porque não são conflitantes. O Supremo se restringe ao foro privilegiado para agentes políticos, e a proposta da Câmara atinge todas as autoridades e demais poderes. “A Câmara não pode responder com omissão e inércia porque esse vazio seria ocupado por uma decisão do Supremo. Agindo como estamos agindo aqui hoje, acreditamos que damos a resposta para a que a competência de definir o fim da prerrogativa de foro caiba ao Congresso Nacional”, disse.

Todos os deputados foram favoráveis à medida, mas alguns lembraram que isso não representa por si só o fim da impunidade, porque o foro especial pode fazer processos demorarem mais, mas geralmente são bem analisados, o que pode não acontecer em todos os juizados.

“Se determinado processo for julgado em uma instância inicial e o juiz for amigo do político ou de quem detém o foro privilegiado, ele acaba com o processo. Da mesma forma, se ele for inimigo, ele acaba também sendo processado. E isso vai ser visto na comissão especial”, ponderou o deputado Júlio Delgado (PSB-MG). A proposta será analisada por comissão especial, depois passará por votação em dois turnos em plenário.

Por trás da coincidência, há mais um episódio de queda de braço entre os poderes. O Supremo tenta, mais uma vez, transpor limites de sua função de julgador para assumir papel legislativo, com o intuito de acenar para a sociedade. Por outro lado, os parlamentares, temerosos de perderem o foro privilegiado em um momento tão delicado de avanço de investigações, “pedem 6” neste jogo de truco e ameaçam derrubar a prerrogativa de diversas categorias, inclusive os magistrados, em outro jogo de cena com a sociedade, que, no fundo, carrega um interesse corporativista de autopreservação.

A quem duvida de uma crise institucional em curso no Brasil, uma nova reflexão pode suscitar novas conclusões.

(com Agência Câmara)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.