Flávio Bolsonaro: como as investigações sobre o filho afetam o governo do pai?

Quebra dos sigilos bancário e fiscal do senador e outros 94 alvos se soma à lista de fatores de instabilidade e preocupa o Palácio do Planalto

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Após enfrentar a primeira manifestação popular de grandes proporções desde que assumiu o mandato e em meio a dificuldades enfrentadas entre aliados e no Congresso Nacional, o presidente Jair Bolsonaro vê um antigo fantasma voltar a rondar seu governo. A quebra dos sigilos bancário e fiscal de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), e novos vazamentos sobre o caso se somam à lista de fatores de instabilidade e preocupam o Palácio do Planalto.

A autorização de quebra de sigilo, assinada pelo juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, atinge uma lista de 86 pessoas e 9 empresas e indica um novo passo das investigações após relatório ter apontado movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta bancária de Fabrício Queiroz, policial militar aposentado e que era uma espécie de chefe de gabinete do parlamentar na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro).

A decisão atinge ao menos 5 assessores que trabalharam tanto no gabinete de Flávio, como no de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, ao longo do período que engloba o período da quebra dos sigilos, de janeiro de 2007 a dezembro de 2018. Uma delas, Nathalia Queiroz, filha do policial militar aposentado. Após virar alvo da investigação, ela admitiu que recebia parte dos valores dos salários de colegas de gabinete na Alerj e disse que usava os recursos para remunerar “assessores informais” do então deputado estadual sem conhecimento dele.

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Segundo reportagem da revista Veja, no pedido de quebra de sigilo, o Ministério Público do Rio de Janeiro apontou indícios de que Flávio Bolsonaro tenha utilizado a compra e venda de imóveis para lavar dinheiro. Segundo os promotores, entre 2010 e 2017, o então deputado estadual lucrou R$ 3,089 milhões em transações imobiliárias em que “há suspeitas de subfaturamento nas compras e superfaturamento nas vendas”.

O senador critica os vazamentos e alega que seu sigilo já havia sido quebrado anteriormente e que os investigadores “tentam uma manobra para esquentar informações ilícitas”. Ele nega os valores e diz não ter feito nada de errado. Flávio afirma, ainda, que o MP não conseguirá usá-lo “para atingir o governo de Jair Bolsonaro”.

O tom usado pelo presidente para responder a questionamentos sobre o caso foi o mesmo. Durante sua viagem aos Estados Unidos na quinta-feira, Bolsonaro disse que as investigações são feitas para atingi-lo. O pesselista colocou seu sigilo bancário à disposição das autoridades e disse que as apurações estão “fazendo um esculacho” em cima de Flávio para prejudicar seu governo. “Façam justiça! Querem me atingir? Venham para cima de mim! Querem quebrar meu sigilo, eu sei que tem que ter um fato, mas eu abro o meu sigilo. Não vão me pegar”, afirmou.

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A quebra de sigilo de 95 alvos ampliou possíveis desdobramentos para as investigações. Reportagem do jornal Folha de S.Paulo indica possibilidade de se avançar para investigações sobre milícias, a condução do PSL no Rio (sob comando do senador), a primeira-dama Michele Bolsonaro (que recebeu transferência de R$ 24 mil feita por Queiroz) e até a ex-mulher do presidente.

Para analistas políticos, o caso volta a trazer para dentro do Palácio do Planalto um fantasma que atormentou Bolsonaro antes de tomar posse. A tendência é que o ambiente político fique ainda mais hostil no curto prazo, o que pode prejudicar a agenda de reformas econômicas no parlamento, onde o presidente ainda não conseguiu construir uma base de apoio.

“Talvez seja a agenda com maior potencial para gerar instabilidade na administração Bolsonaro e reforçar uma tendência marcante dessa primeira etapa que é a corrosão do capital político, especialmente diante do peso que os filhos possuem na gestão. Em boa medida, uma parcela das crises políticas na atual administração tiveram origem em algum comportamento desse núcleo familiar”, observa o analista político Rafael Cortez.

Para a equipe de análise polícia da XP Investimentos, não se pode desconsiderar a possibilidade de novos vazamentos sobre o caso afetarem diretamente o governo Bolsonaro. “Independente do mérito, ruídos com os filhos do presidente atrapalham a articulação política em Brasília”, avaliam. “Mesmo com sigilo das informações enviadas pelos bancos, é razoável imaginar a possibilidade de novos vazamentos pontuais de informações nesse caso, gerando ruídos para o governo”.

Para Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores, além do caso envolvendo o filho do presidente, há dois fatores que tendem a agravar a situação do governo: 1) o desempenho decepcionante da economia; 2) e a necessidade de o governo conseguir aprovar projeto de lei de complementação orçamentária de R$ 244 bilhões para evitar o descumprimento da chamada regra de ouro fiscal.

“O governo Bolsonaro vem perdendo capital político de maneira acelerada. A rápida dissolução do capital político de um governo que mal se instalou no poder suscita preocupações quanto aos próximos três anos e meio desta administração. Já se especula sobre a possibilidade de Bolsonaro não completar o primeiro mandato. É uma possibilidade, por enquanto, tão efêmera que nem pode ser levada em conta para a construção de cenários políticos e econômicos. Contudo, um cenário de paralisia decisória é palpável”, pontua.

Para Cortez, as sucessivas crises produzidas pelo próprio governo já começam a afetar sua credibilidade em menos de 5 meses de gestão. “Assim, segue um governo que, mais do que a simples perda popularidade, perde credibilidade. Isso o torna mais sensível à conjuntura política, diante da ausência de uma coalizão formal. Se imaginarmos que esse quadro de perda de legitimidade e capital político afeta a capacidade de o governo implementar a agenda econômica, potencialmente teremos um cenário ainda mais desafiador. A economia, cada vez mais, é uma tábua de salvação importante”, analisa.

“Claro que ainda existe um eleitorado bastante mobilizado em torno da agenda e da figura do presidente, mas, quando imaginamos que ainda existe um longo período de mandato pela frente e que ponto de partida era bastante positivo em termos de ambiente político, vemos o potencial que a agenda negativa pode gerar, especialmente se houver maiores desdobramentos a partir dessas investigações”, conclui o especialista.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.