FirstMile: “Abin paralela” usou programa secreto para monitorar alvos, diz PF

Investigações mostraram que, por meio do software, foram exploradas falhas no sistema de telefonia do Brasil para identificar a localização de celulares

Agência O Globo

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Errata: Diferentemente do informado em versão anterior deste texto, o ex-presidente Jair Bolsonaro não está entre os indiciados pela Polícia Federal (PF) no relatório sobre a chamada “Abin paralela”, encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A PF apontou a participação de Bolsonaro no esquema de espionagem ilegal da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), mas o ex-presidente não foi relacionado na lista de indiciados porque já responde pela mesma acusação no STF na ação da trama golpista.

No relatório final da investigação do caso, a PF apontou indícios da participação de Jair Bolsonaro na rede de espionagem ilegal da agência de inteligência. Segundo investigadores, o ex-presidente tinha conhecimento do esquema e era o principal beneficiário dele.

Mas a corporação entendeu que caberá à Procuradoria-Geral da República (PGR) avaliar se o ex-presidente deverá responder pelo crime de organização criminosa em dois inquéritos diferentes, o da Abin paralela e o da trama golpista.

O texto foi corrigido para refletir com precisão as informações do relatório. Publicações anteriores que indicavam erroneamente o indiciamento de Bolsonaro foram atualizadas às 01h16 da quarta-feira, 18 de junho de 2025.

As investigações da Polícia Federal mostraram que servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) utilizaram um programa secreto para monitorar desafetos durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O inquérito apontou que a ferramenta, chamada FirstMile, permitiu que fossem exploradas falhas no sistema de telefonia do Brasil para identificar a localização dos celulares de alvos previamente selecionados. Ao concluir a apuração, a PF afirma que o ex-presidente e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) participaram de uma organização criminosa.

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Tanto Ramagem como o ex-presidente não comentaram as conclusões da PF. Em ocasiões anteriores, eles negaram a existência de estrutura paralela na agência e a participação em espionagens ilegais. A Abin, por sua vez, tem afirmado estar “à disposição das autoridades” e ressaltou que os fatos investigados ocorreram em “gestões passadas”.

A utilização do software foi revelada pelo GLOBO em março do ano passado. Desde então, o inquérito instaurado pela PF revelou que membros da cúpula do Judiciário, da Câmara dos Deputados, além de jornalistas, foram vítimas do maior escândalo de espionagem da história do país.

Em audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal (PF) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) explicaram que o FirstMile, desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint), obtinha, por meio das antenas de telefonia, dados dos aparelhos celulares e coordenadas contendo a localização do equipamento.

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As antenas são chamadas tecnicamente de Estação Rádio Base (ERB). O sistema permite saber com qual antena aquele celular está se conectando e, assim, apontar a localização.

“Veja a gravidade disso: uma empresa estrangeira, no caso de Israel, acessa a nossa infraestrutura crítica de telefonia e com isso ela simula uma antena, uma ERB que vai possibilitar acessar o aparelho do cidadão inclusive inserindo agentes espiões para ter acesso a todos os dados do aparelho”, afirmou o diretor de inteligência da Polícia Federal, Rodrigo Morais Fernandes, no encontro convocado pelo ministro Cristiano Zanin.

Em laudo da PF compartilhado com a Corte, os peritos descrevem que, ao selecionar determinado alvo, “a localização é posicionada no mapa com base nas coordenadas, juntamente com raio de precisão”. A ferramenta israelense se valia principalmente de vulnerabilidades de redes móveis que oferecem suporte às tecnologias 2G e 3G que utilizam um sistema de roteamento de chamadas e envio de mensagens chamado “Sistemas de Sinalização nº 7”, segundo a PF.

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Esse protocolo é usado para fazer a comunicação de chamadas tanto entre as mesmas operadoras quanto de empresas diferentes. O laudo da PF destaca que esse sistema, usado em praticamente toda a rede móvel do Brasil, não verifica a legitimidade de um pedido. Ou seja, “responde” com dados do celular para tanto a operadora tradicional de telefonia quanto para outros sistemas.

“Há um consenso sobre a existência de diversas vulnerabilidades de segurança em redes móveis as quais fazem uso do SS7”, diz o laudo, completando que esse sistema ainda é amplamente usado mesmo com as novas tecnologias de comunicação (4G e 5G).

Na mesma audiência, o superintendente de Controle de Obrigações (SCO) da Anatel, Gustavo Santana Borges, disse que autorizar o uso de softwares comerciais, especialmente de estrangeiros, é um incentivo à exploração de vulnerabilidade e a realização de ataques às redes de telefonia, mesmo com ordem judicial.

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A complexidade da rede de telefonia no Brasil é apontada pelos investigadores como um dos principais desafios para sanar as vulnerabilidades. Ao todo, 15.000 prestadoras de serviço de telecomunicações atuam no país.

“E mesmo com adoção rigorosa de padrões de segurança por essas empresas, não é possível garantir que não existam vulnerabilidades”, disse o superintendente. “Hoje nós estamos totalmente conectados e dependentes do celular e daqui a pouco não só nós, as pessoas, mas também as coisas, os carros, o trânsito, tudo encaminha para um ambiente muito mais digital, inserido aí questões de Inteligência artificial.”