Escalado por Lula, Haddad diz que reforma tributária será prioridade em 2023, mas evita PEC da Transição

Em evento da Febraban, Haddad diz que governo eleito conduzirá reforma em duas etapas, começando por proposta que trata impostos indiretos

Marcos Mortari

Lula e Fernando Haddad visitam a Unicamp, em Campinas, e conversam com estudantes (Foto: Ricardo Stuckert)

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Cotado para ocupar o Ministério da Fazenda no próximo governo, Fernando Haddad (PT) afirmou, nesta sexta-feira (25), que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dará “prioridade total” à agenda da reforma tributária logo no início de seu terceiro mandato.

“A determinação clara do presidente Lula é que nós possamos dar, logo no início do próximo governo, uma prioridade total à reforma tributária”, disse Haddad em evento promovido pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em São Paulo.

Segundo ele, a reforma tributária teria dois eixos. Inicialmente, há um interesse em aproveitar a discussão em curso no Congresso Nacional, sobretudo a partir da PEC 45, idealizada pelo economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), que trata fundamentalmente da incidência de impostos sobre o consumo.

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Depois, haveria uma reformulação do sistema na ótica de renda e patrimônio, de modo a trazer maior progressividade à cobrança de impostos no Brasil.

“O presidente Lula dará uma prioridade, no ano que vem, à aprovação dessa primeira etapa da reforma tributária, que diz respeito a alguns tributos. Mas, na sequência, pretende encaminhar uma proposta de reformulação dos impostos sobre renda e patrimônio para completar o ciclo de reforma dos tributos no Brasil, que, qualquer advogado tributarista consultado vai dizer que é um verdadeiro caos o que estamos vivendo, que afugenta investimentos”, afirmou.

“É um compromisso do presidente [eleito] com a agenda de realizar, em 2023, a reforma tributária − e conta com o apoio da sociedade, inclusive do setor bancário, para que a gente tenha êxito em fazer uma reforma que é essencial”, enfatizou.

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Haddad, que já foi prefeito de São Paulo por quatro anos e o mais longevo ministro da Educação do país, é visto como favorito para comandar o Ministério da Fazenda de Lula. Ele foi indicado pelo presidente eleito para representá-lo no evento com o setor financeiro – inclusive, abriu seu discurso dizendo falar em nome de Lula, para evitar “frustração”.

“Fui convidado pelo presidente da Febraban para estar nesse evento em um convite pessoal e eu declinei na terça-feira. Mas ontem recebi um pedido do presidente Lula para representá-lo neste evento. Portanto, minha vida de terça para ontem mudou muito, porque vou estar falando em nome dele”, disse.

Lula está em recuperação de cirurgia realizada na garganta há quase uma semana. Depois do evento da Febraban, no Itaim Bibi, Haddad tinha encontro marcado com o presidente eleito. O objetivo seria ficar a par do que foi tratado em reunião pela manhã sobre a PEC da Transição – pauta não tratada em sua fala aos representantes do setor bancário.

Durante sua fala, Haddad criticou o que chamou de piora na qualidade dos gastos públicos ao longo dos últimos anos, mal que, segundo ele, o teto de gastos – regra fiscal que trazia como princípio a eficiência no debate público – não teria sido capaz de evitar.

“É consenso, entre os economistas que se dedicam à avaliação da qualidade da despesa, de que a qualidade da despesa pública no Brasil piorou muito. Nós hoje temos um Orçamento com muita dificuldade de atingir qualquer objetivo programado, seja na ciência e tecnologia, seja na educação, seja no meio ambiente, seja na saúde. Temos a desorganização de muitos programas estruturados há décadas, que vêm perdendo funcionalidade ao longo dos anos”, disse.

Segundo ele, o Orçamento público precisa ser “reconfigurado”, de modo a repensar despesas contratadas com algumas políticas públicas pouco focalizadas e gastos represados em outros campos tidos como fundamentais para o desenvolvimento do país.

“Temos uma tarefa enorme de reconfigurar o Orçamento e dar a ele mais transparência, sem tirar protagonismo do Congresso” defendeu.

“O Bolsa Família acabou com a fome nesse país com transferência de renda da ordem de menos de 0,5% do PIB. Hoje, temos um programa de mais de 1,5% do PIB que não resolveu o problema. Alguma coisa de muito errado está acontecendo no desenho e na execução do programa”, disse.

“Estamos com um investimento na educação básica, como proporção do PIB, em um patamar relativamente adequado em relação aos países da OCDE, mas a gestão desses recursos, sobretudo no último período, não está sendo feito de maneira adequada”, ressaltou.

“Se há dinheiro na educação básica, o fato é que nossa ciência e tecnologia sofreu um problema drástico no Brasil. O Brasil está investindo cada vez menos nesse setor, com uma janela de oportunidade como há muito tempo não se vê”, continuou.

Em sua fala, Haddad também chamou atenção para a adoção de medidas para baratear o crédito para a população, tornando-o uma “alavanca de desenvolvimento sustentável”, valendo-se do aprendizado acumulado e da tecnologia desenvolvida pelo setor financeiro nos últimos anos.

“A questão da intermediação do Estado no que diz respeito ao Orçamento público se completa com a intermediação financeira a partir de um sistema de crédito robusto, mais acessível, com menos spread, mais racional”, afirmou.

Porta-voz de Lula no evento, o ex-ministro destacou o nível elevado de inadimplência das famílias brasileiras – sobretudo aquelas com renda mensal de até dois salários mínimos. Durante a campanha eleitoral, o presidente eleito prometeu um programa de renegociação de dívidas, algo que já vinha sendo proposto por Ciro Gomes (PDT) desde 2018.

“A agenda de adimplência, de crédito, de acesso ao sistema bancário, é uma tarefa essencial, porque é outro pilar de sustentação do desenvolvimento econômico no Brasil e que nós estamos dispostos, em colaboração com o setor bancário, com o Banco Central, auxiliar”, pontuou.

Outro pilar tratado por Haddad em sua fala foi a relação entre os Três Poderes e a gestão do pacto federativo. “Nós precisamos virar a página da guerra que se estabeleceu entre Presidência da República e governos estaduais, e entre Presidência da República e demais Poderes. Precisamos recuperar a institucionalidade do Brasil, trazer um pouco de paz para esse país”.

“Nós temos três esferas de Poder e temos que saber conviver com elas. Não é cooptando, não é constrangendo que vamos conseguir os resultados que a gestão dos recursos públicos exige de cada um de nós”, salientou.

Haddad destacou que a construção política de Lula se dará por meio do diálogo com as instituições e com a sociedade e em busca de uma trajetória de crescimento mais robusta e sustentável para a economia brasileira. “Lula é um democrata. É um homem que nasceu em uma mesa de negociação”, disse. “Ele não fará nada que não passe pelos Poderes constituídos”.

“Nós vamos tomar a decisão, enquanto sociedade, do caminho a ser seguido para atingir um patamar de prosperidade que a gente já experimentou e sabe que é possível. O que não é possível é continuar crescendo 0,5% ao ano. Não há conflito distributivo superável crescendo 0,5% ao ano. Nós não vamos [nos] entender com esse crescimento, as tensões tendem a piorar”, concluiu.

PEC da Transição

Diante do impasse enfrentado pela equipe de Lula para avançar com a PEC da Transição no Congresso Nacional, Haddad reconheceu, em seu discurso, a existência de problemas, mas não se referiu diretamente às dificuldades com a matéria.

Segundo ele, parte deles se dá pela “consequência antipedagógica” da PEC dos Auxílios (conhecida no mercado como PEC Kamikaze), que garantiu espaço fora do teto de gastos para o presidente Jair Bolsonaro (PL) expandir programas sociais às vésperas das eleições.

“Aquilo deseducou. Nós precisamos recolocar nos trilhos como se gere o Estado”, disse.

Banqueiros presentes sentiram falta de uma sinalização mais clara do novo governo no campo fiscal. “Sem meta, sem planos, sem nomes. Nada de concreto”, resumiu o presidente de um banco ao Broadcast, serviço de notícias do Grupo Estado.

O presidente de outra instituição classificou o discurso como “protocolar”. Um terceiro dirigente de banco considerou a ausência de planos concretos como algo esperado neste momento, especialmente porque Haddad ainda compareceu ao evento da Febraban como representante de Lula.

“A impressão que ficou é que não se falou muito claramente da trajetória das contas públicas e também não se deu pista concreta a respeito dos próximos passos da política fiscal, que é o que todo mundo quer saber. A falta de notícias sobre isso gera ainda mais incerteza”, disse Apolo Duarte, sócio e head da mesa de renda variável da AVG Capital, ao InfoMoney.

Ao final do evento, Haddad foi cobrado por jornalistas por uma posição sobre as discussões acerca da PEC da Transição − tida como fundamental para garantir o pagamento do Bolsa Família (programa que será retomado no lugar do Auxílio Brasil) em R$ 600,00 e o adicional de R$ 150,00 a famílias com crianças de até seis anos, além de outras promessas feitas pelo presidente eleito durante a campanha.

“Eu não vim aqui discutir a PEC porque não estou no governo de transição e o presidente designou os negociadores do governo eleito para discutir com o Congresso Nacional. O objetivo aqui foi dar um recado de que o governo Lula, como sempre aconteceu, vai negociar com a sociedade, com os setores e com o Congresso Nacional, um caminho para a sua aprovação”, disse.

“O presidente Lula é um homem de diálogo, que nunca opôs responsabilidade fiscal e responsabilidade social. Compatibilizou, ao longo dos seus oito anos, as finanças públicas e o atendimento à população com crescimento robusto. Diminuição da dívida pública, superávit primária: essa é a história do presidente Lula”, argumentou.

Haddad disse que buscou convencer os presentes de que a agenda de reformas planejada para o futuro tem impacto muito mais amplo do que o montante discutido na PEC da Transição.

“É exatamente o que tentei transmitir. Temos um problema conjuntural, que é encontrar um número adequado para fazer a transição, mas as reformas estruturais têm um impacto muito mais duradouro sobre o crescimento. É isso que vai fazer o país crescer”, frisou.

Integrantes do mercado têm cobrado de Lula uma posição mais clara sobre o novo arcabouço fiscal e que essa discussão seja feita de forma concomitante à do espaço fiscal da PEC que excepcionaliza recursos do teto de gastos. Haddad, no entanto, disse ver como mais “prudente” adiar a discussão para 2023.

Teste para a Fazenda

Nos bastidores, a participação no evento da Febraban era vista como um teste para Haddad antes da possível nomeação para o Ministério da Fazenda. Desde que viajou com Lula para o Egito, onde participou da COP 27 – a conferência do clima das Nações Unidas –, e para Portugal, o nome de Haddad ganhou ainda mais força nos bancos de apostas para o cargo.

Haddad não é o predileto de agentes econômicos, sobretudo do mercado financeiro, mas conta com ampla confiança de Lula. Inclusive, é visto por muitos como a face do futuro do PT, embora com menor conexão às raízes sindicais do partido.

Além disso, ele se enquadra no perfil político, e não de figura eminentemente técnica, desejado por Lula para o comando da Fazenda – embora no mundo político também haja ceticismo sobre sua capacidade de articulação no Congresso Nacional.

Nos últimos dias, surgiram especulações sobre uma possível “dobradinha” no próximo governo, com Haddad ocupando a Fazenda e Pérsio Arida, ex-presidente do Banco Central e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Caso o cenário se confirme, uma ideia que circula seria de anunciar os dois nomes ao mesmo tempo, de modo a evitar uma reação do mercado financeiro, já que Pérsio Arida guarda estima entre investidores e gestores pelo perfil fiscalista e o por carregar no currículo o título de um dos pais do Plano Real.

Arida foi trazido pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) para o grupo de trabalho da Economia da equipe de transição. Os trabalhos são divididos com os economistas André Lara Resende, Guilherme Mello e Nelson Barbosa.

Questionado por jornalistas, Haddad classificou Arida como um “grande economista brasileiro” e disse que sua relação com ele “é ótima desde sempre”. “Conheço Pérsio como estudante de economia na Faculdade de Economia da USP na época em que eu era mestrando”, comentou.

O discurso de Haddad na Febraban gerou reações distintas – inclusive no meio político, conforme apurou o InfoMoney. “Ele saiu pela tangente”, resumiu um político vinculado ao partido e que mantém conexões com Lula.

Em condição de anonimato, essa fonte disse que, apesar de Haddad ser hoje visto como o favorito para a posição, o martelo ainda não foi batido por Lula.

Segundo ele, o encontro com o setor bancário serviu como um teste para Haddad e que Lula ainda estaria à procura do nome ideal: um economista heterodoxo que não assuste o mercado.

Na avaliação deste político, as dificuldades com a PEC da Transição pressionam Lula a anunciar os nomes da equipe econômica de seu governo. Mas ele acredita que é possível que um “plano B” para a proposta ganhe força nos próximos dias, como a postergação da votação do Orçamento e da própria discussão da PEC para o ano que vem.

Ontem (24), o senador Jaques Wagner (PT-BA), nome de confiança de Lula, escalado para auxiliar nas negociações em torno da PEC da Transição, afirmou que a definição de um nome para o Ministério da Fazenda para o próximo governo poderia ajudar no avanço da matéria. A fala gerou controvérsia no PT.

A fala foi lembrada pelo deputado Alexandre Padilha (PT-SP), também presente no evento da Febraban. “Quando alguém como Jaques Wagner fala alguma coisa, todo mundo tem que ouvir com muito carinho e atenção”, disse a jornalistas, exaltando a experiência e força política do parlamentar.

Padilha chamou atenção para os discursos de Isaac Sidney, Roberto Campos Neto e Haddad. No caso do companheiro de partido, o deputado destacou que a fala demonstrou o nível de confiança de Lula no designado, que também o substituiu na disputa pela Presidência da República, em 2018.

Para ele, a principal mensagem de Haddad foi que Lula saberá respeitar o princípio da responsabilidade fiscal. O deputado também ressaltou os temas abordados pelo ex-prefeito, segundo ele muito conectados com as pautas do setor financeiro.

Na sua avaliação, a recepção ao discurso pelos banqueiros presentes foi “a melhor possível”. “O clima mudou no país”, disse.

Já o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), líder do PT na Câmara dos Deputados, viu como favoráveis as falas de Haddad e a receptividade dos representantes do setor financeiro, mas evitou classificar o evento como uma “prova” ao ex-prefeito na disputa pelo comando da Fazenda.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.