Em meio à ressaca da “nova política”, RenovaBR aposta na formação de líderes à distância

Em 2 anos, instituição aumenta em mais de 13 vezes número de alunos, com processo de digitalização, e ocupa espaço estratégico no tabuleiro político

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Nenhuma sociedade tem como prosperar com uma classe política desacreditada. É o que diz Eduardo Mufarej, fundador do RenovaBR, iniciativa voltada à formação de novas lideranças para cargos de destaque na administração pública brasileira. Empresário com experiência no mercado financeiro e no setor educacional, ele tem se aventurado no mundo da política pelo menos desde 2017.

Para Mufarej, a reabilitação da classe política junto aos eleitores passa necessariamente por um melhor preparo dos incumbentes para as funções que deverão desempenhar após eleitos. E é exatamente este o espaço que vem tentando ocupar a instituição, que, juntamente com outros movimentos de renovação política, tem sacudido o sistema partidário nacional.

“Quando lançamos o Renova, nossa aposta era fazer com que a política fosse um lugar atraente para gente preparada, com foco na missão e competente, porque não há democracia no mundo que seja uma sociedade avançada com uma classe política completamente desacreditada”, afirma.

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“Ajudamos a colocar um pouco mais o olho na qualificação e formação política. Se você não tem gente no topo do funil, as pessoas que compõem os quadros vão envelhecendo e os próprios partidos perdem força e relevância pela falta de capacidade de atrair novos quadros”, complementa.

No ano passado, o RenovaBR, que prefere o rótulo de escola a movimento político, comemorou três anos de existência e seu primeiro ciclo eleitoral completo, participando na formação de candidatos para os últimos pleitos gerais (2018) e municipais (2020).

O caminho, no entanto, não foi tranquilo. Se, por um lado, a instituição era vista por muitos como uma garantia de mais portas abertas a novatos na política, por outro, não foram poucas as manifestações de desconfiança em relação aos interesses dos fundadores e de doadores envolvidos no projeto, além de episódios de atritos com outros partidos.

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“No Brasil, infelizmente tem muita gente que é fã do imobilismo e outros que acham que tudo tem alguém que vai se beneficiar. Basta pensar republicanamente para entender que uma boa política favorece a construção de uma boa sociedade”, diz o empresário.

Na estreia em 2018, o RenovaBR teve 133 alunos, dentre os quais 117 lançaram candidatura e 17 foram eleitos: 1 senador, 9 deputados federais e 7 deputados estaduais. Ao todo, foram 4.536.111 votos recebidos por alunos da instituição, sendo 1.871.653 votos daqueles que saíram vencedores das urnas.

O pleito foi marcado por um profundo desejo de renovação por parcela expressiva do eleitorado, o que contribuiu para dar fôlego às candidaturas de primeira viagem de alunos do programa. Desconhecidos de fora da política tiveram preferência entre muitos eleitores.

A demanda, porém, mudou nas eleições de 2020, pleito fortemente impactado pelos efeitos sanitários, sociais e econômicos da pandemia do novo coronavírus. Para analistas políticos, o saldo daquela disputa foi mais favorável a nomes mais tradicionais da política, em uma postura mais conservadora e pragmática dos eleitores diante do cenário de crise.

Apesar de as condições não parecerem tão favoráveis, o RenovaBR apostou em expansão, aumentando em mais de 13 vezes o contingente de alunos, para 1.820 – movimento que só foi possível com a completa digitalização das atividades. Deste total, 1.032 lançaram candidatura e 151 foram eleitos: 137 vereadores, 12 prefeitos e 2 vice-prefeitos, mantendo a taxa de êxito de 15% do pleito anterior.

Os eleitos estão distribuídos em 25 partidos políticos e presentes em 123 cidades de 20 estados de todas as regiões do país. A maior parte é filiada ao Novo (15) e ao PP (15), seguida por Cidadania (14), PSD (11) e DEM (10). Entre as siglas de oposição, as com mais representantes entre os alunos eleitos são PDT (7) e PSB (7). Quatro bolsistas foram eleitos pelo PT, metade do número do PSDB.

Se o RenovaBR fosse um partido político, teria uma bancada com 9 assentos na Câmara dos Deputados e seria maior que Avante (8), Novo (8), Cidadania (7), PCdoB (7) , Patriota (6), PV (4) e Rede (1). No Senado Federal, onde tem um aluno eleito, o tamanho seria o mesmo de PSB e PSC.

Considerando apenas os eleitos para cargos no Poder Executivo, a instituição superaria PRTB (6), Rede (5), PSOL (5), PMB (1), DC (1), PTC (1) e Novo (1) nas prefeituras. Em população governada, seriam 2.388.036 cidadãos ou 1.602.189 eleitores, mais que siglas como Patriota, PSOL, PV, Pros, PCdoB e Novo, e pouco menos que o PSL.

Apesar da demonstração de força, Mufarej evita a imagem do RenovaBR como ator político. “Os números são legais, mas, para nós, do ponto de vista de representação, não dizem nada. Não temos nenhuma influência ou interferência sobre essas pessoas ou candidaturas”, responde.

“Quando tenho que pensar no que une esse pessoal, acho que seria a vontade de desafiar o status quo e fazer uma política diferente, baseada em evidências, em diálogo. Para onde isso vai nos levar? Certamente para a consolidação do Renova como uma atividade de formação. Tenho certeza de que, se o político brasileiro for mais bem formado, independentemente da ideologia, o Brasil vai estar em um lugar bem melhor”, aponta.

Desde novembro do ano passado, a organização tem oferecido curso sobre gestão de mandatos municipais a prefeitos, vice-prefeitos e vereadores eleitos no último pleito. Dividido em seis módulos e com duração até junho, o programa tem como objetivo auxiliar na transição e primeiros passos dos mandatos, além de debater exemplos de gestões sólidas e transparentes.

Leia os destaques da entrevista:

InfoMoney – Dois anos atrás, o senhor dizia que o sistema partidário brasileiro era muito fechado para novas figuras e que o RenovaBR nascia com o objetivo de facilitar o acesso. Depois de um ciclo eleitoral completo, como o senhor enxerga o ambiente político em que a organização atua e o que foi conquistado até o momento?

Eduardo Mufarej – Quando lançamos o Renova, nossa aposta era fazer com que a política fosse um lugar atraente para gente preparada, com foco na missão e competente, porque não há democracia no mundo que seja uma sociedade avançada com uma classe política completamente desacreditada.

Sabíamos que havia um movimento de gente que estava se colocando a serviço da sociedade para disputar essas eleições ou potencialmente entrar na política, mas não sabia como. Buscamos facilitar esse processo. Isso pressupõe estudo sobre a temática e preparo para eventualmente ser um candidato.

O trabalho do Renova é incentivar os cidadãos que entendem que a política é um lugar de transformação e que veem que o Brasil pode ser um país melhor para se viver através da transformação da política, e atuar na capacitação delas para que avancem em uma próxima etapa, de postular a candidatura.

Nossas métricas são quantas pessoas treinamos e capacitamos e que no final poderão ser candidatas, não necessariamente naquela eleição imediata, mas até em uma eleição futura. No último ano, o Renova tornou-se completamente digital. Foi um grande ganho, que nos permitiu aumentar a turma em 15 vezes.

IM – Do lado do sistema partidário, o ambiente mudou? O senhor diria que o Renova conseguiu abrir uma janela nos partidos para novidades?

EM – O Renova talvez tenha sido uma das primeiras instituições do Brasil a levantar a bandeira de que política é lugar de gente preparada, que tem o coração no lugar certo e que está no atrás de uma missão.

Se o desejo da sociedade de melhora de quadros e práticas não vier com qualificação, vai virar frustração. Vários partidos se movimentaram a partir do Renova. Muitos nos procuraram para abrir o conteúdo oferecido aos alunos.

Acho que ajudamos a colocar um pouco mais o olho na qualificação e formação política. Se você não tem gente no topo do funil, as pessoas que compõem os quadros vão envelhecendo e os próprios partidos perdem força e relevância pela falta de capacidade de atrair novos quadros.

IM – Temos visto o protagonismo de alunos do RenovaBR eleitos em 2018. Qual é a sensação ao observar o comportamento de parlamentares que vocês ajudaram a formar?

EM – Não tinha nenhuma dúvida de que, do ponto de vista de competência e formação, eles tinham toda a capacidade de desempenhar bem o papel. Houve uma troca grande no Congresso, e isso abre espaço para que as pautas possam ser ocupadas por outras pessoas. Adicionalmente, eles trabalham muito duro e têm foco onde querem atuar. Como representantes de primeiro mandato, é impressionante o tipo de vitória que conseguiram trazer. Isso só reforça o ponto de que a renovação qualificada tem um superlugar.

IM – Se o RenovaBR fosse um partido, teria, na Câmara dos Deputados, uma bancada superior à de legendas como Avante (8), Cidadania (8), Novo (8), Patriota (6) e PV (4). Nas prefeituras, superaria PRTB (6), Rede (5) e PSOL (5). Em população governada, seriam 2.388.036 cidadãos. Quais são os planos para o futuro?

EM – Os números são legais, mas, para nós, do ponto de vista de representação, não dizem nada. Não temos nenhuma influência ou interferência sobre essas pessoas ou candidaturas. O político deve satisfação a três grupos: seus eleitores, seu partido e sua consciência. O Renova não se inclui em nenhum deles.

Estamos em um momento interessante de enxergar o que vai acontecer com a consolidação partidária, por conta da cláusula de desempenho. A pergunta é: qual vai ser o partido que, do ponto de vista de formulação e ideologia, vai ser o mais atrativo para essa turma que não tem um histórico na política, mas resolveu se candidatar? Isso ainda não está claro.

Não gosto de observar o Renova como força política. Não somos, porque nossa força política não está constituída e nem temos a intenção de transformar o grupo nisso. Até porque eles são muito diversos. Há representação, diversidade geográfica, diversidade de raça e gênero e diversidade ideológica. É muito difícil achar que vai colocar todo mundo no mesmo saco.

Quando tenho que pensar no que une esse pessoal, acho que seria a vontade de desafiar o status quo e fazer uma política diferente, baseada em evidências, em diálogo. Para onde isso vai nos levar? Certamente para a consolidação do Renova como uma atividade de formação. Tenho certeza de que, se o político brasileiro for mais bem formado, independentemente da ideologia, o Brasil vai estar em um lugar bem melhor.

IM – Muitos interpretaram a última eleição municipal como pleito mais favorável para políticos já conhecidos e com experiência de gestão. Figuras novas não tiveram o mesmo espaço de 2018. Como o senhor avalia a mensagem do eleitor e o que isso pode indicar para o futuro? Como isso afeta os planos do RenovaBR?

EM – Nosso foco é preparar gente boa para entrar na política. Do ponto de vista de planejamento, os ciclos eleitorais não nos afetam, porque nosso principal objetivo é fazer com que as pessoas se coloquem, sintam-se acolhidas e preparadas para poder eventualmente disputar uma eleição algum dia na vida delas.

Eleição municipal não é indicador de tendência, o Brasil é muito diverso. Em 2016, o PSDB teve um resultado incrível. E em 2018, um resultado pífio. Depende muito do que é a questão presente naquele momento. 2020 foi um ano de pandemia, como teriam sido [as eleições] sem isso? O que sei é que foi um ano em que, dada a realidade que o financiamento público ganhou uma relevância muito grande, os partidos que fizeram boas escolhas foram os que tiveram melhores resultados.

O que fez a diferença? O conservadorismo do eleitor, campanha curta, sem uma atenção da sociedade fora das grandes capitais. Essa foi uma eleição que quem estava no cargo, se não tivesse cometido nenhum grande erro, tinha um favoritismo muito grande. O segundo ponto foi acesso a recurso. Isso fez uma diferença gigante.

IM – Como está organizado o curso para prefeitos e vereadores, considerando a realidade dos municípios? Como tratar de desafios que envolvem cidades tão diferentes?

EM – Há determinadas coisas que unem essas realidades, que são os problemas das cidades brasileiras. E podemos enumerar diversos eixos: finanças municipais, lei de responsabilidade fiscal, formação de equipes, governo de transição. São coisas universais.

IM – Quais seriam os principais desafios em comum para os prefeitos em 2021?

EM – Com certeza, a parte de finanças municipais. Muito do orçamento municipal está atrelado à folha de servidor e baixíssima capacidade de investimento.

IM – Mesmo evitando o rótulo de força política, o RenovaBR exerce papel importante na formação e no desenvolvimento de figuras políticas. Como o senhor lida com essa responsabilidade?

EM – Não gosto de assumir essa responsabilidade, até porque todos são adultos e é importante que a gente também entenda nossa limitação. O Renova não tem nenhum tipo de influência sobre os mandatários e o trabalho que fazem. Nem queremos ter essa influência, é cada vez mais inadministrável, é muita gente.

É como se você fosse pensar: duas pessoas estudaram na Kennedy School, uma virou governador da Guatemala e outra, secretário nos EUA. O que vão fazer é do livre arbítrio de cada um. O que tentamos fazer é criar um sentimento de comunidade, de rede, para que eles possam se enxergar como parte de um movimento de ética, de preparação, de competência na política.

IM – O RenovaBR firmou algum termo de compromisso com alunos eleitos?

EM – O Renova nunca assinou um acordo como este porque é um movimento político, é uma escola de formação de lideranças, uma escola de democracia.

IM – Há uma crítica comum na política a eleitos que não concluem seus mandatos e já disputam eleições para outros cargos. Isso chegou a acontecer com alunos do RenovaBR no último pleito. Qual é sua avaliação sobre esse tipo de comportamento?

EM – Não vejo problema nenhum de a pessoa querer abandonar o cargo, mas acho que deveria renunciar, porque o problema é quando sai de um cargo, disputa outro, deixa a cadeira esquentando em um lugar para fazer outra coisa. Isso enfraquece o modelo de representação democrática.

IM – Como está a relação com partidos políticos? Quando o RenovaBR foi lançado, alguns questionaram sua legitimidade, o modelo de financiamento e a influência na política. O senhor vê a questão como superada? Muitos dos alunos eleitos se destacam em seus partidos como os menos fiéis às orientações da bancada. O que o senhor diria a respeito disso?

EM – No Brasil, infelizmente tem muita gente que é fã do imobilismo e outros que acham que tudo tem alguém que vai se beneficiar. Basta pensar republicanamente para entender que uma boa política favorece a construção de uma boa sociedade. A inovação do Renova é justamente ajudar as pessoas na jornada de preparação e não demandar nada em troca. Isso não entendem, porque estão acostumados a ajudar e pedir algo em troca.

Tem muita gente no país com vontade e intenção de contribuir com a sociedade, e nosso papel é, acima de tudo, contribuir com um processo de formação e qualificação para esses indivíduos, que estão em todos os espectros ideológicos.

Temos relação muito boa com quase todos os partidos. Até porque, se o partido tem como foco atração de quadros e o fortalecimento da sua base de participantes, o Renova pode ser uma fonte de alimentação.

Preparamos as pessoas para entrarem na política. Hoje, no Brasil, você só pode participar da política eleitoral através de um partido. Então, inexoravelmente, as pessoas que passarem pelo Renova que se quiserem se candidatar vão ter que procurar um partido. E aí a questão é qual o partido mais alinhado com a visão de mundo da pessoa e que melhor acolhe aquele indivíduo.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.