Em carta aos evangélicos, Lula promete respeitar liberdade religiosa e diz que não usará fé “para fins políticos”

Candidato do PT à Presidência se diz pessoalmente contra o aborto e afirma ter sido alvo de “mentiras”

Fábio Matos

Luiz Inácio Lula da Silva (Andressa Anholete/Getty Images)

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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato ao PT ao Palácio do Planalto, divulgou, nesta quarta-feira (19), uma carta à população evangélica do Brasil, em um ato em São Paulo que reuniu diversas lideranças políticas, religiosas e integrantes de igrejas pentecostais.

No documento, o petista afirma que respeitará “a liberdade de culto e de religião em todo o país” e rebate as acusações de que supostamente teria intenção de fechar igrejas ou perseguir pastores.

O encontro contou com a presença de várias lideranças religiosas e políticas, entre as quais a deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP), a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) e a vereadora de Goiânia Aava Santiago (PSDB-GO). As quatro são evangélicas.

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O candidato a vice na chapa de Lula, Geraldo Alckmin (PSB), e o candidato do PT ao governo de São Paulo, Fernando Haddad, também marcaram presença.

O texto divulgado nesta quarta foi elaborado pelo núcleo evangélico do PT e por partidos aliados, além de políticos com boa interlocução com os evangélicos. A carta foi lida pelo ex-ministro Gilberto Carvalho.

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, vêm acusando Lula de planejar o fechamento de igrejas e uma suposta perseguição aos cristãos caso seja eleito, o que é falso. No debate da TV Bandeirantes, no domingo (16), o próprio Bolsonaro citou o exemplo do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, cujo regime fechou igrejas e prendeu padres e líderes religiosos no país. Ortega foi apontado por Bolsonaro como aliado de Lula e do PT.

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O documento destaca que, durante seu governo, Lula assinou a Lei da Liberdade Religiosa e nunca fechou igrejas ou templos. O texto também ressalta que temas como a descriminalização do aborto devem ser debatidos no Congresso Nacional e não estão sob a órbita do Palácio do Planalto em uma eventual gestão petista.

“Desde que criamos o PT, a gente vive tendo que se explicar. Não é a primeira vez que nós fazemos carta aos evangélicos. Toda eleição há uma grande quantidade de mentiras neste país, e nós precisamos fazer carta”, disse Lula em pronunciamento após a leitura do documento. “A dúvida que se coloca sobre a gente é uma das armas para evitar que a gente possa ganhar as eleições.”

Segundo o ex-presidente, “os evangélicos exercem um trabalho excepcional”. “Tem muita gente séria que exerce a função de pastor para tratar da espiritualidade e da fé das pessoas”, afirmou. “Se um pastor ou padre quiser fazer política, que saia da igreja vá para a rua fazer política”, completou o petista.

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Sem exploração da fé e contra o aborto

No texto divulgado nesta quarta, Lula se compromete com o livre funcionamento de igrejas e templos religiosos. “Foi no nosso governo que as Igrejas mais cresceram, principalmente as evangélicas, sem qualquer impedimento, e até tiveram condições de enviar missionários para outros países”, afirma. “Não há por que acreditar que agora seria diferente. Posso lhes assegurar, portanto, que meu governo não adotará quaisquer atitudes que firam a liberdade de culto e de pregação ou criem obstáculos ao livre funcionamento dos templos.”

Na carta, Lula critica ainda “o uso da fé para fins eleitorais”. “Assumo com vocês este compromisso: meu governo jamais vai usar símbolos de sua fé para fins político-partidários, respeitando as leis e as tradições que separam o Estado da Igreja, para que não haja interferência política na prática da fé”, escreveu o ex-presidente.

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No documento, Lula se diz pessoalmente contra o aborto, mas ressalta a prerrogativa do Congresso Nacional para tratar do tema. “Nosso projeto de governo tem compromisso com a vida plena em todas as suas fases. Para mim a vida é sagrada, obra das mãos do Criador e meu compromisso sempre foi e será com sua proteção”, diz. “Sou pessoalmente contra o aborto e lembro a todos e todas que este não é um tema a ser decidido pelo Presidente da República e sim pelo Congresso Nacional.”

O segmento evangélico é considerado um dos focos de alerta e preocupação pela campanha de Lula. Segundo pesquisa do Ipec (instituto criado por executivos do extinto Ibope Inteligência) divulgada nesta semana, a vantagem de Bolsonaro sobre o petista neste grupo é de 28 pontos percentuais (60% a 32%). Já entre os católicos, Lula aparece à frente, com 56% da preferência, ante 38% do candidato à reeleição.

Leia a íntegra da carta de Lula aos evangélicos:

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Meus Amigos e Minhas Amigas, nesta reta final do segundo turno, decidi escrever esta Carta Pública ao Povo Evangélico.

A grande maioria dos brasileiros e brasileiras que viveram os oito anos em que fui Presidente da República, sabe que mantive o mais absoluto respeito pelas liberdades coletivas e individuais, particularmente pela Liberdade Religiosa.

Como todos devem se lembrar, no período de meu governo, tivemos a honra de assinar leis e decretos que reforçaram a plena liberdade religiosa. Destaco a Reforma do Código Civil assegurando a Liberdade Religiosa no Brasil, o Decreto que criou o dia dedicado à Marcha para Jesus e ainda o Dia Nacional dos Evangélicos. Mantenho o mesmo respeito e o mesmo compromisso que me motivou a apoiar essas conquistas do povo evangélico.

E o nosso Povo sabe também que cuidei, com especial carinho, dos mais pobres e injustiçados e assim, sob as Bênçãos de Deus, meu governo contribuiu para melhorar a vida de milhões de famílias brasileiras. Sempre penso, neste sentido, no trecho bíblico que diz: “a verdadeira religião é cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades…” (Tiago, 1,27)

Vivemos, entretanto, um período em que mentiras passaram a ser usadas intensamente com o objetivo de provocar medo nas pessoas de boa fé, e afastá-las do apoio a uma Candidatura que justamente mais as defende.

Por isso senti a necessidade de reafirmar meu compromisso com a liberdade de culto e de religião em nosso País. Todos sabem que nunca houve qualquer risco ao funcionamento das Igrejas enquanto fui Presidente. Pelo contrário! Com a prosperidade que ajudamos a construir, foi no nosso Governo que as Igrejas mais cresceram, principalmente as Evangélicas, sem qualquer impedimento e até tiveram condições de enviar missionários para outros países.

Não há por que acreditar que agora seria diferente. Posso lhes assegurar, portanto, que meu Governo não adotará quaisquer atitudes que firam a liberdade de Culto e de Pregação ou criem obstáculos ao livre funcionamento dos Templos.

Envio-lhes esta mensagem, portanto, em respeito à Verdade e ao apreço que tenho a esse Povo crente no Verdadeiro Deus da Misericórdia e a seus dedicados pastores e pastoras.

Se Deus e o povo brasileiro permitirem que eu seja eleito, além de manter esses direitos, vou estimular sempre mais a parceria com as Igrejas no cuidado com a vida das pessoas e famílias brasileiras.

Sei muito bem que em todas as regiões do Brasil há Igrejas com Irmãos e Irmãs que trabalham ativamente nas suas comunidades com a propagação do Evangelho e com o cuidado do povo, dedicando-se a tornar mais leve os fardos espiritual e social de milhões de pessoas.

Declaro meu respeito e minha admiração pela fé, dedicação e amor com que os evangélicos realizam sua missão, seja na área da difusão do evangelho, seja na área da assistência social, proteção da infância, da juventude, das mulheres, dos idosos e das pessoas com deficiência. Da mesma forma é bem-vinda a participação de Evangélicos nas diversas formas de participação social no Governo, como Conselhos Setoriais e Conferências Públicas. Em meio a este triste escândalo do uso da Fé para fins eleitorais, assumo com vocês este compromisso: meu Governo jamais vai usar símbolos de sua Fé para fins político-partidários, respeitando as leis e as tradições que separam o Estado da Igreja, para que não haja interferência política na prática da Fé.

Esse é um ensinamento que a própria Bíblia nos dá: andar pelo caminho da Paz com todos. Jesus nos mostra que a casa dividida não prospera. A religião é para ser respeitada e vivida de acordo com a livre escolha de cada pessoa.

Portanto, a tentativa de uso político da fé para dividir os brasileiros não ajuda ninguém, nem ao Estado, nem às igrejas, porque afasta as Pessoas da mensagem do Evangelho. Jesus Cristo nos ensinou Liberdade e paz, respeito e união, disso precisamos. E os cristãos evangélicos têm dado mostras, ao longo da História, de seu compromisso com a paz, seguindo o que Jesus ensinou: “Dai a César o que é de César, dai a Deus o que é de Deus” (Mateus, 22,21).

Outro compromisso que assumo: fortalecer as famílias para que os nossos jovens sejam mantidos longe das drogas. Nós queremos nossa Juventude na escola, na iniciação profissional, realizando atividades esportivas e culturais para que tenham mais oportunidades e exerçam cidadania de forma produtiva, saudável e plena.

O respeito à família sempre foi um valor central na minha vida, que se reflete no profundo amor que dedico à minha esposa, aos meus filhos e netos. Por isso compreendo o lugar central que a família ocupa na fé cristã.

Também entendo que o lar e a orientação dos pais são fundamentais na educação de seus filhos, cabendo à escola apoiá-los dialogando e respeitando os valores das famílias, em a interferência do Estado.

A preocupação com as Famílias Brasileiras deve ser integral. O povo brasileiro está numa condição de desespero, e precisaremos muito da ajuda das Igrejas para, o quanto antes, reverter esta situação. De nada adianta se dizer defensor da Família e ao mesmo tempo destruí-las pela miséria, pelo desemprego, pelo corte das políticas sociais e de moradia popular. Queremos dar às famílias, prosperidade e segurança. O Lar é a garantia de proteção. É inaceitável que milhões de brasileiros e brasileiras não tenham um teto. Por isso, vamos retomar o vitorioso programa Minha Casa Minha Vida, com toda intensidade, para que todas as Famílias brasileiras tenham uma casa onde possam viver com segurança e dignidade.

Nosso governo implementará políticas públicas consistentes para que nenhuma família brasileira enfrente o flagelo da fome. Sobretudo, não pouparei esforços para que possam adquirir os necessários e suficientes meios, para viver dignamente por seu trabalho, sem ter que depender da ajuda do Estado.

Nosso Projeto de Governo tem compromisso com a Vida plena em todas as suas fases. Para mim a vida é sagrada, obra das mãos do Criador e meu compromisso sempre foi e será com sua proteção. Sou pessoalmente contra o aborto e lembro a todos e todas que este não é um tema a ser decidido pelo Presidente da República e sim pelo Congresso Nacional.

Meus Queridos e Minhas Queridas, peço que recebam essas palavras como uma demonstração de meu desejo sincero de servir, de ajudar e trabalhar pelo bem de nosso país. E estejam certos de minha estima e meu compromisso com todo o povo cristão de nosso país. Reitero meu compromisso, que é o mesmo de vocês: paz, união e fraternidade entre todos os brasileiros e brasileiras.

Com as bênçãos de Deus, haveremos de honrar nossa dupla condição, de cidadãos e cristãos, pois não há contradição entre elas quando o propósito é servir, buscando a paz e o entendimento.

E digo tudo isso com muito amor pelo nosso querido Brasil e pelo Povo Brasileiro: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes Amor uns pelos outros!” (João,13,35).

JUNTOS PELO BRASIL!

Luiz Inácio Lula da Silva
São Paulo, 19 de outubro de 2022.

Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Além do InfoMoney, teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”.