Elizabeth Warren, a candidata que assusta Wall Street, desponta como favorita no debate dos democratas

Elizabeth Warren foi quem mais falou no debate - e não foi à toa

Sérgio Teixeira Jr.

(Shutterstock)

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NOVA YORK – Em tempos normais, um debate entre pré-candidatos à Presidência realizado mais de um ano antes da eleição despertaria nada além de interesse passageiro na maioria dos eleitores americanos. Mas os tempos não são nada normais nos Estados Unidos.

O embate da noite de ontem, o primeiro desde o início da investigação do Congresso sobre eventuais delitos cometidos por Donald Trump, abriu uma nova fase da campanha eleitoral que promete ser a mais tumultuada da história do país.

 Com 12 postulantes à candidatura do Partido Democrata dividindo o palco – o maior debate da história das primárias americanas –, foi difícil estabelecer vencedores ou perdedores claros. As primárias ainda vão longe: a primeira delas, em Iowa, acontece apenas em fevereiro, e o cenário só deve ficar mais claro a partir de março ou abril.

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Mas já é possível tirar algumas conclusões sobre o novo equilíbrio de forças entre os favoritos, os pontos que devem dominar a campanha do ano que vem e as diferenças fundamentais entre os candidatos.

O objetivo maior do partido, é claro, é escolher o candidato que tem mais chances de derrotar Donald Trump no ano que vem. Por enquanto, a senadora Elizabeth Warren parece ter uma pequena vantagem.

 Veja a seguir os principais destaques do debate de ontem.

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 O impeachment

A primeira pergunta dos moderadores foi sobre a investigação do impeachment. Não houve surpresa: todos concordaram que o presidente deve ser investigado pelo Congresso por supostamente condicionar um pacote de ajuda militar à Ucrânia em troca de informações que pudessem prejudicar a campanha de Joe Biden, ex-vice-presidente de Barack Obama e um dos favoritos na disputa interna dos democratas.

O socialista Bernie Sanders disse que Trump é o presidente “mais corrupto da história dos Estados Unidos”. A ex-procuradora e senadora Kamala Harris disse que o presidente cometeu um crime “às claras”. Mas o risco de enfatizar demais a questão do impeachment durante a campanha – e consequentemente permitir que Trump explore a narrativa da caça às bruxas – pairava no ar.

“Quando falamos dele [Trump], estamos perdendo”, disse o empreendedor Andrew Yang, uma das surpresas da campanha até aqui. A senadora Amy Klobuchar afirmou que os democratas são capazes de “fazer duas coisas ao mesmo tempo”, ou seja, tocar a investigação e também fazer uma campanha que trate dos interesses dos eleitores.

Todos contra Warren

Pelas contas do The New York Times, que promoveu o debate em parceria com a CNN, a senadora Elizabeth Warren foi quem mais falou. Não foi à toa.

Warren, uma das candidatas mais à esquerda de um grupo de pré-candidatos notavelmente distantes de posições centristas, vem crescendo nas pesquisas de opinião e também na arrecadação de fundos, um indicador essencial nas caras e longas campanhas americanas.

 Uma das perguntas feitas a todos os candidatos foi justamente sobre um dos pontos controversos do programa de Warren: quebrar em negócios separados as gigantes da tecnologia. Ela comparou o poder do Walmart, que detém menos de 10% das vendas no varejo tradicional, com o da Amazon, que domina quase metade do comércio eletrônico nos Estados Unidos. “Não estou disposta a desistir e a deixar que um punhado de monopolistas dominem nossa economia e nossa democracia”.

A postura aguerrida de Warren, que mencionou diversas vezes “as grandes corporações”, encontra eco entre os democratas – e enche Wall Street de terror. Mas, se eles concordam com o diagnóstico, a solução não é unanimidade. Yang, em um dos momentos mais engraçados do debate, disse a quebra das empresas não é necessariamente a melhor resposta. “Existe uma explicação para ninguém usar o Bing”, disse Yang, sobre a dominância do Google nas buscas na internet. “Me desculpe, Microsoft.” O texano Beto O’Rourke, numa alfinetada em Warren, disse que os candidatos não deveriam apontar o dedo para companhias individuais.

A senadora também foi atacada pelos adversários que querem competir com Joe Biden pela posição mais centrista do grupo de pré-candidatos. Peter Buttigieg, prefeito da pequena cidade de South Bend, criticou a proposta de Warren de cobertura de saúde universal para todos os americanos, dizendo que a única maneira de pagar a conta será aumentar os impostos da classe média.

Os ataques contra Warren foram uma novidade. Nos debates anteriores, Biden era o alvo predileto dos candidatos de menor expressão – que agora estão sob pressão para aparecer a qualquer custo, pois quem não figurar bem nas pesquisas pode ficar de fora do próximo debate.

Imediatamente após o embate, os analistas afirmaram que Elizabeth Warren estava na mira dos adversários porque é quem mais desperta medo.

A saúde de Bernie Sanders

Sanders mal esperou a conclusão da pergunta da âncora da CNN Erin Burnett para responder: “Estou bem de saúde. Estou me sentindo muito bem.”

O senador do estado de Vermont tem 78 anos e sofreu um ataque do coração há duas semanas. Ele disse que vai fazer uma campanha “vigorosa” e demonstrou energia e entusiasmo durante as três horas do debate.

Os outros dois líderes das pesquisas também já passaram dos 70. Biden, 76, disse que está na disputa por causa de sua idade e sua experiência — e prometeu divulgar seu histórico médico.

Quando questionada sobre o assunto, Warren, 70, tergiversou. A idade avançada dos três grandes favoritos nas primárias democratas está em evidência desde o infarto de Sanders. Uma pesquisa recente apontou que 40% dos eleitores acreditam que um democrata com menos de 70 anos teria mais chances de derrotar Trump no ano que vem.

 A crise na Síria

Outra bola que os democratas estavam esperando para cortar dizia respeito à política externa de Trump, em especial o fiasco da situação na Síria.

Trump surpreendeu o mundo ao anunciar pelo Twitter que não protegeria mais os combatentes curdos que ajudaram os americanos a derrotar o Estado Islâmico, ou ISIS. (Os curdos são considerados terroristas pela Turquia e estão sendo atacados ferozmente depois de abandonados por Trump.)

Além das consequências imprevisíveis para o jogo de forças no Oriente Médio, a trapalhada de Trump na Síria tem tudo para se tornar uma das grandes vulnerabilidades do presidente na eleição de 2020.

A decisão foi tomada às pressas, depois de uma conversa telefônica com o presidente turco. Até mesmo republicanos defensores ferrenhos de Trump reagiram à notícia com incredulidade e indignação.

A decisão de Trump também colocou em xeque o valor da palavra dos Estados Unidos. Peter Buttigieg, veterano da guerra do Afeganistão, disse que os militares estão com vergonha da decisão de Trump de abandonar os aliados à própria sorte. “Nossa credibilidade está em cacos.”

Julián Castro usou uma das imagens mais contundentes da noite. “Este presidente está enjaulando crianças na fronteira e colocando em liberdade os prisioneiros do ISIS.”

A desigualdade

Uma pergunta direcionada a Bernie Sanders deixou clara a guinada à esquerda do Partido Democrata:  “deveriam existir bilionários?”

Sanders não respondeu a pergunta diretamente, mas aproveitou a deixa para lançar sua tradicional diatribe contra a concentração excessiva de renda. Ele disse que o fato de que os três americanos mais ricos tenham uma fortuna maior que metade do país inteiro é um “ultraje mora e econômico”.

Quem respondeu na sequência foi Tom Steyer – um bilionário. Steyer, que fez fortuna com fundos de hedge, criticou os cortes de impostos para os mais ricos e o poder excessivo das empresas. “Há 40 anos as empresas vêm comprando o governo deste país. É uma vergonha.” Ele defendeu tributação mais pesada para quem tem alta renda e mais poder para os sindicatos.

A senadora Klobuchar emendou um comentário que provocou risadas da plateia: “Ninguém quer proteger os bilionários. Nem o bilionário”.

Para Joe Biden, porém, não era hora de fazer piada. O tema da concentração de renda foi uma oportunidade para reforçar suas credenciais centristas. Ele afirmou que não quer demonizar os ricos, mas sim “fazer [coisas no governo]”.

Quem consegue derrotar Trump?

 A despeito das diferenças programáticas e ideológicas entre os candidatos, a pergunta que não quer calar entre os democratas é só uma: quem tem as melhores chances de impedir a reeleição de Donald Trump. Biden repetiu um dos seus mantras: experiência. “Sou a única pessoa neste palco que fez coisas grandes”. O ex-vice de Obama quer transmitir a ideia de competência executiva, contrastando seus oito anos no executivo com as ideias “vagas” oferecidas por Sanders e Warren.

Biden aposta tudo na ideia de que ele as armas necessárias para fazer frente à retórica populista de Trump – com a moderação necessária para atrair os republicanos desiludidos com o presidente.

Mas os ataques sofridos por Warren indicam que o momento atual é mais favorável à senadora, que oferece um contraste mais nítido com o atual ocupante da Casa Branca. A disputa ainda está nos rounds iniciais – ainda vem muita troca de golpes por aí.

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Sérgio Teixeira Jr.

Jornalista colaborador do InfoMoney, radicado em Nova York