Eleições no Congresso são primeiro grande teste para Lula no Legislativo desde a posse; mas qual o real impacto da disputa para o mercado?

Governo aposta em recondução de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco em busca de melhores condições de governabilidade; placar será importante indicador

Marcos Mortari

Bruno Spada/Câmara dos Deputados

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As eleições para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nesta quarta-feira (1º), são o primeiro grande teste de governabilidade para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) depois de sua posse um mês atrás.

O evento também oferece uma oportunidade para uma avaliação inicial sobre quanto a distribuição de espaços de poder na Esplanada dos Ministérios a partidos aliados rendeu de apoio efetivo no Congresso Nacional e quais podem ser os ajustes necessários para o futuro.

Não é surpresa para ninguém que Lula optou por apoiar a reeleição de Arthur Lira (PP-AL) na Câmara dos Deputados. O parlamentar foi aliado próximo de seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), mas, desde o resultado das urnas em outubro de 2022, deu sinais de colaboração com a nova gestão – como a aprovação da PEC da Transição ainda antes da troca de administração.

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A algumas horas da disputa, Lira reúne apoio de 20 partidos, que somam 496 deputados: PL (99), federação PT-PV-PCdoB (81), União Brasil (59), PP (47), MDB (42), PSD (42), Republicanos (40), federação PSDB-Cidadania (18), PDT (17), PSB (14), Podemos (12), Avante (7), PSC (6), Patriota (4), Solidariedade (4), PROS (3) e PTB (1).

O voto secreto reduz o controle prévio sobre os apoios. Mesmo assim, nos bastidores não há muitas dúvidas sobre o êxito de Lira. O principal ponto em observação será o tamanho da provável vitória, que será um indicativo relevante de força do parlamentar, poder de agenda e capacidade de ditar os rumos da casa legislativa.

Para Lula, também será mais uma pista do perfil da nova configuração da casa legislativa nesta legislatura e da organização do poder em torno do comandante.

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Na avaliação dos analistas políticos da consultoria Arko Advice, o perfil mais conservador de boa parte dos deputados federais que assumem hoje reforça a importância de Lira para o governo.

“A nova Câmara tem um perfil mais conservador, de centro e de centro-direita. [Lira] será, portanto, fundamental na construção de diálogo entre o novo governo e essas legendas”, escreveram em relatório a clientes.

A analista política Júnia Gama, da XP Investimentos, acredita que Lula contratou um início de governo menos tumultuado ao compor com Lira em vez de enfrentá-lo – a despeito de todas as diferenças entre os dois.

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“Lula fez uma jogada pragmática [ao apoiar a reeleição de Lira], muito inteligente do ponto de vista da construção da governabilidade, e que à primeira vista serve para o governo ter um primeiro ano mais suave”, observa.

No cenário base da XP, Lira deve ser reconduzido ao comando da Câmara dos Deputados quase que por aclamação, “sem concorrentes que tenham a mínima chance de lhe fazer frente”.

Leia também: Novo Congresso toma posse nesta quarta-feira e define comando das Mesas Diretoras para os próximos 2 anos; saiba tudo

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Já no Senado Federal, o governo Lula apoia a reeleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em uma eleição bem mais incerta do que a da outra casa legislativa.

O parlamentar, ainda visto como favorito, conta com o apoio de sete partidos: PSD (14), MDB (10), PT (9), PDT (3), PSB (2), Cidadania (1) e Rede Sustentabilidade (1), que somam 40 dos 81 assentos na próxima legislatura. São necessários 41 votos para vencer a disputa, mas dentro das próprias legendas que declaram apoio a Pacheco já há manifestas defecções.

Ontem à noite, três senadores do próprio PSD – Nelsinho Trad (MS), Lucas Barreto (AP) e Samuel Araújo (RO) − anunciaram voto em seu principal adversário, o senador eleito Rogério Marinho (PL-RN), ex-ministro do Desenvolvimento Regional no governo de Jair Bolsonaro (PL).

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O opositor conta com o apoio formal de três siglas que fizeram parte da espinha dorsal de sustentação ao governo anterior: PL (13), PP (6) e Republicanos (4), com 23 representantes. O confronto é visto no meio político como um nova disputa entre Lula e Bolsonaro. Inclusive, mesmo dos Estados Unidos, o ex-presidente tem buscado votos ao aliado.

Apesar das dissidências, aliados de Pacheco estimam vitória com algo entre 45 e 50 votos. Mas o acirramento da disputa acendeu um sinal de alerta no Palácio do Planalto, e o governo Lula passou a trabalhar mais ativamente pelo êxito do aliado – contrariando a “regra não escrita” de evitar interferência sobre processo eleitoral em outra casa legislativa.

Na terça-feira (31), a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB-MS), que encerrou seu mandato como senadora, disse estar trabalhando diretamente na reeleição de Pacheco. “Nosso governo está apoiando a reeleição do presidente Pacheco. Entendemos que é fundamental para o fortalecimento da democracia”, afirmou.

A ministra, que disputou a Presidência da República nas últimas eleições em vez de tentar um novo mandato na casa legislativa, associou a candidatura de Marinho a Bolsonaro e aos atos golpistas realizados em 8 de janeiro, que culminaram na invasão do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Como contraponto, Marinho costuma usar como arma para fragilizar a candidatura de Pacheco a relação do atual presidente do Senado Federal com o Supremo – que tem sido cada vez mais contestado por alguns parlamentares em exercício e outros eleitos para a nova legislatura.

O candidato opositor também reclama da redução do uso de comissões e de um possível excesso de acordos de cúpula na casa. E se vende como garantidor de maior independência do Senado Federal em relação ao Palácio do Planalto. As chances de Marinho na disputa podem crescer caso ele consiga convencer o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) desistir de concorrer.

Além da própria vitória de Pacheco, interessa aos aliados de Lula o próprio placar da disputa, visto como um indicador de resistência ao atual governo. Integrantes da casa legislativa têm se queixado da distribuição dos ministérios, que teria priorizado a Câmara dos Deputados e aliados de Rodrigo Pacheco – como o ex-senador Alexandre Silveira (PSD), que ficou com o Ministério de Minas e Energia – e de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que emplacou o ex-governador Waldez Góes (PDT) no comando do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional.

Para o analista político Thomas Traumann, Pacheco hoje está menor do que da última vez que disputou a presidência do Senado Federal, em 2020, quando derrotou Simone Tebet por 57 votos a 21. Mas segue favorito, também por contar com o apoio da máquina do governo.

“Pacheco é o favorito porque tem, além do governo, um track-record de eficiência para obter verbas. Quando o Supremo Tribunal Federal considerou o Orçamento Secreto inconstitucional, Pacheco articulou a saída das emendas individuais impositivas e negociou uma vantagem financeira aos senadores. No orçamento deste ano, os deputados vão poder decidir sobre o destino de R$ 32,1 milhões em emendas. Cada senador, R$ 59 milhões”, disse.

Para o especialista, todos os sinais indicam maiores dificuldades para Lula no Senado Federal do que na Câmara dos Deputados ao longo de seu mandato, já que a primeira casa concentra um percentual maior de parlamentares conservadores e aliados de primeira hora de Bolsonaro.

Como consequência, ele espera dificuldades na tramitação de proposições que exijam quórum qualificado – como projetos de lei complementar, que demandam maioria absoluta, ou mesmo Propostas de Emenda à Constituição, que depende de apoio de 3/5 em dois turnos no plenário. Ao contrário do que se observou com a aprovação da PEC da Transição em dezembro de 2022.

“O governo Lula terá dificuldades para aprovar mudanças constitucionais no novo Senado e dependerá ainda mais de Arthur Lira na Câmara dos Deputados”, observou em relatório distribuído a clientes.

“A posse e as eleições das novas direções das duas Casas devem confirmar a reeleição de Arthur Lira e de Rodrigo Pacheco, mas a diferença da vitória de cada um ditará a facilidade do governo Lula em aprovar a sua agenda. No caso da PEC da Reforma Tributária, a principal pauta econômica de 2023, os resultados no Senado devem indicar que o governo vai operar na zona da incerteza”, prosseguiu.

O desfecho das eleições para o comando do Congresso Nacional também será indicativo relevante para o mercado sobre os rumos das casas legislativas, do perfil das gestões e de pautas que podem prosperar ou não ao longo dos próximos dois anos.

“A continuidade nos comandos das duas casas pode contribuir para uma certa estabilidade, em que pautas ideológicas devem ficar em segundo plano”, observaram analistas da XP Política em relatório recentemente distribuído a clientes.

“Mas, apesar da (recente) aproximação entre Lula e Lira, e do reforço da relação com Pacheco, não vemos um cenário de absoluto conforto para o novo governo. Matérias de maior impacto, como reforma tributária e âncora fiscal, irão requerer intensos esforços de negociação para formação de maiorias, que podem se formar e desfazer conforme o tema tratado”, concluem.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.