Eleições atrapalham Reforma da Previdência? Estudo derruba mito que assombra deputados e governo

Se for seguido o exemplo de 1998, parlamentares que apoiarem medidas impopulares poderão dormir tranquilos

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Quanto mais próximo das eleições o mundo político chega, mais difícil e custoso é para um governo conseguir apoio para aprovar medidas impopulares. O filme já é bem conhecido em Brasília e hoje impacta na dinâmica da reforma da Previdência. Embora os trabalhos na Câmara dos Deputados tenham se concentrado nos últimos dias na segunda denúncia contra o presidente Michel Temer e na necessidade de conclusão das votações da reforma política, as expectativas são de que a agenda econômica continue enfrentando dificuldades para avançar mesmo depois de a última flechada lançada por Rodrigo Janot ser bloqueada pelos parlamentares.

A lógica da ação coletiva indica que parlamentares com voto favorável a reformas com baixa adesão popular tendem a enfrentar maiores dificuldades na reeleição, colhendo o que se chama de “ônus” das medidas, mas não seu “bônus”, na avaliação de quem entende que não há caminho fora delas. Seria o famoso “quem votar não volta”, que tanto atormenta deputados e senadores, receosos de serem cobrados pelas atitudes tomadas durante o mandato e impedidos de continuarem no cargo por falta de votos. E os parlamentares têm motivos para se se preocuparem com a reeleição: a taxa de renovação da Câmara dos Deputados costuma atingir a casa dos 40%.

Contudo, a despeito do medo que os deputados têm manifestado de apoiar a reforma da Previdência às vésperas das eleições, o economista Pedro Nery, que atua como consultor legislativo do Senado Federal na área de Economia do Trabalho, Renda e Previdência, preparou um estudo que mostra que a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) defendida pelo governo pode não provocar resultados negativos aos parlamentares na corrida eleitoral — ao menos se for seguido o exemplo do que aconteceu em 1998 quando foram aprovadas mudanças nas regras para aposentadoria, às vésperas de eleições gerais.

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Usando como referência os trabalhos dos cientistas políticos Carlos Pereira e Lucio Rennó, o economista diz que há outros fatores que pesam muito mais sobre o desempenho dos candidatos. Seriam eles: os gastos de campanha, a proporção dos recursos de emendas de cada deputado executadas pelo governo, o pertencimento a um partido da base aliada, a participação de um cargo da mesa diretora na legislatura, os votos conquistados nas eleições anteriores, a concentração espacial dos votos no estado, o número de mudanças de partido e a participação em comissões especiais. Neste grupo, as emendas parlamentares seriam a variável mais importante, com uma execução de 100% podendo elevar em 25% as chances de êxito do candidato.

Avaliação similar foi feita pelo cientista político Danilo Cersosimo, diretor da Ipsos Public Affairs, em entrevista ao programa Conexão Brasília, da InfoMoneyTV. Para o especialista, além de o presidente Michel Temer não ter nada a perder, tendo em vista o baixíssimo índice de aprovação, do lado dos congressistas, a pressão da sociedade e exposição de suas figuras em redes sociais e espaços públicos por conta do apoio a medidas impopulares tende a ter efeitos reduzidos em comparação com o quanto se pode ganhar em termos de capital político com recursos liberados pelo governo para emendas e cargos conquistados em áreas estratégicas. “Isso é sempre muito mais percebido. Estamos falando de um país com pouco senso de coletivo. É muito possível que os parlamentares que podem se sair melhor na próxima eleição, do ponto de vista de permanência, de reeleição, sejam queles que tenham mais associação e benfeitorias que você percebe no curto prazo e para si mesmo”, observou o analista. Além disso, o distanciamento da sociedade em relação à política também pode beneficiá-los, uma vez que a maioria dos eleitores não lembra em quem votou para deputado federal.

O que mostram as estatísticas?

No estudo sobre o que aconteceu em 1998, intitulado “Se votar, volta? Voto a favor da reforma da Previdência e eleição de deputados em 1998”, Pedro Nery primeiro mostra que a proporção dos deputados que tentaram a reeleição e conseguiram foi maior entre aqueles que votaram a favor da reforma do que entre os que votaram contra. “Dentre os que votaram a favor do Substitutivo no 1º turno, 69% se elegeram, taxa superior à dos que votaram contra, de apenas 50%”, observa.

O economista chamou também atenção para outro episódio ocorrido no mesmo período. Desta vez, a tentativa frustrada de se criar uma idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição no RGPS (Regime Geral de Previdência Social), votada em maio de 1998 — ainda mais próximo do pleito de outubro. “O texto teve 307 votos a favor da idade mínima, 148 contrários e 11 abstenções, totalizando 466 votos. Destes, 406 se candidataram nas eleições. Novamente, a proporção de eleitos foi maior entre os que votaram a favor da reforma do que entre os que votaram contra. Dentre os que votaram a favor da idade mínima 72% se elegeram, frente a 50% dos que votaram contra”, conta o consultor legislativo.

Para ir além das coincidências, o economista utilizou-se da estimação de modelos econométricos, tentando observar a relação entre o desempenho eleitoral e a posição dos parlamentares nas votações das duas medidas. Foram usadas nove variáveis explicativas, dentre elas: o percentual de votos nas eleições anteriores; o pertencimento a um partido da coligação vencedora na eleição para presidente e para governador; migrações partidárias; gastos de campanha; e votos do partido do deputado. O objetivo da pesquisa era verificar se de fato existe correlação negativa e estatisticamente significativa entre o voto na reforma da Previdência e a probabilidade de reeleição no pleito realizado logo após a votação das medidas.

Nos exercícios que consideraram as duas votações, observou-se que os posicionamentos favoráveis às medidas impopulares apresentaram coeficiente positivo, mas estatisticamente não diferente de zero. “Isso indica que não há evidências de que o voto a favor da reforma da Previdência tenha afetado positiva ou negativamente o desempenho eleitoral dos deputados, contrariando a ideia de que ‘quem votar não volta'”, diz Nery em seu estudo. De acordo com sua pesquisa, as variáveis que afetam positivamente a reeleição seriam: o pertencimento a um partido da coligação vencedora na eleição para presidente e o financiamento de campanha. Do lado negativo, ganham destaque as variáveis: o fato de o deputado ser suplente e o lançamento de candidatura a cargos superiores (governos estaduais ou Senado).

“O resultado que obtivemos foi de que não há correlação estatística entre o voto na reforma e o desempenho eleitoral posterior”, concluiu o consultor legislativo em seu estudo. Esta pode ser uma boa carta na manga do presidente Michel Temer, se quiser fazer sua agenda de reformas avançar.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.