Eleição na Colômbia marca nova onda esquerdista na América do Sul; países têm desafio em comum

Velhos problemas da região, como pobreza e desigualdade, aumentaram nos últimos anos: como combatê-los sem perder o controle de fatores econômicos?

Anderson Figo

Gustavo Petro (Foto: Instagram/Gustavo Petro)

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Os colombianos elegeram, no último domingo (19), o economista e ex-guerrilheiro Gustavo Petro como presidente. É a primeira vez que o país tem um chefe de Estado de esquerda, corroborando uma nova onda de governos desse espectro político na América Sul.

Em 2019, Alberto Fernández venceu Mauricio Macri na Argentina. Em 2021, no Peru, o professor rural Pedro Castillo venceu Keiko Fujimôri, filha do ex-presidente Alberto Fujimori. Também no ano passado, no Chile, o deputado e ex-líder estudantil Gabriel Boric venceu o advogado José Antonio Kast. Todos esses países eram governados pela direita.

O Brasil pode ampliar a lista. Até o momento, as pesquisas de intenção de voto para as eleições 2022 indicam vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, sobre o atual chefe do Executivo Jair Bolsonaro, do PL. A votação acontece em outubro.

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O ponto em comum nas vitórias esquerdistas da região são as promessas sociais. Velhos problemas, como a pobreza e a desigualdade, aumentaram nos últimos anos em um contexto de crise global. E o maior desafio será conseguir a melhora de indicadores sociais sem perder o controle de fatores econômicos — especialmente a inflação.

“O grande desafio é compatibilizar essa agenda de aceno aos mais pobres, aos mais desvalidos, com um ambiente econômico desfavorável neste momento. Naquela primeira onda de esquerda, a gente tinha o boom de commodities, tinha um ambiente favorável do ponto de vista da economia global como um todo, coisa que a gente não está enxergando neste momento”, disse Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper.

“Estamos no pós-pandemia. Pegando aqui pelo Brasil, a gente tem uma crise bastante complicada do ponto de vista da inflação e dos juros altos. Compatibilizar esse desafio de ser uma administração generosa com os mais pobres e ao mesmo tempo manter a responsabilidade fiscal e a economia nos eixos é o maior desafio que as economias latino-americanas têm”, completou.

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Característica de governos de esquerda, Petro propôs uma redistribuição de renda na Colômbia. Ele busca uma reforma tributária para aumentar significativamente a arrecadação fiscal, revisar o sistema previdenciário e transformar a matriz energética. Na política fiscal, o plano de Petro é ampliar os gastos sociais aumentando as receitas fiscais em 5% do PIB por ano.

Seu programa considera maior arrecadação tributária com sistema tributário mais progressivo, eliminação de benefícios fiscais e menor evasão fiscal. Os dividendos seriam tributados e o IVA (imposto único sobre produtos e serviços) não seria estendido aos produtos básicos. As reformas do código tributário priorizariam a transparência, a eficiência, tornando o sistema mais equânime e mais simples.

A maior parte da receita adicional da reforma tributária viria de maiores impostos pessoais — a equipe de Petro argumenta que esses impostos atualmente aumentam apenas 5% do PIB e devem chegar a 10% do PIB. A eliminação dos gastos tributários seria fundamental, o que elevaria aproximadamente 2% a 3% do PIB.

Separadamente, a legislação tributária deve contribuir para separar o patrimônio das pessoas jurídicas que não estejam relacionadas com a atividade principal e defini-lo como patrimônio individual, de forma a garantir que sejam tributados corretamente.

Petro propõe ainda uma reforma que prevê o uso de poupanças previdenciárias em fundos privados para ajudar a financiar pensões no sistema público e pagar bônus a cerca de 3 milhões de pessoas que não têm o suficiente para a aposentadoria. Petro se comprometeu também a autorizar novos projetos de exploração de petróleo, aumentando as dúvidas sobre o financiamento das contas externas do país e a geração de receitas fiscais.

Importância do ‘centrão’

O relacionamento dos novos presidentes esquerdistas com os políticos de centro, segundo Consentino, é a chave para os governos que querem cumprir mais promessas. “Em alguns países, as forças de direita podem vir crescendo. A gente tem alguns testes importantes para as democracias nos próximos anos, e a gente vai ter que ver como que os líderes desses países mais à esquerda se relacionarão tanto com seus pares quanto eventualmente com lideranças que não aceitem esse padrão ideológico.”

Especificamente sobre a Colômbia, Vittorio Peretti e Carolina Monzón, do Itaú, avaliam que “o novo governo enfrentará desafios significativos na implementação da política econômica porque terá que negociar com um Congresso dividido e fragmentado”.

“Petro tem o apoio de pouco mais de um terço do Congresso. O novo presidente toma posse para seu mandato de quatro anos em 7 de agosto de 2022. Tendo chegado ao segundo turno, [Rodolfo] Hernández [que perdeu a eleição presidencial para Petro] recebe uma cadeira no Senado e seu companheiro de chapa, Marelen Castillo, seria colocado na Câmara dos Deputados”, enfatizaram.

A vitória de Petro marca a conclusão de alguns anos turbulentos na Colômbia e o início de um novo capítulo da política colombiana, afirmou Sol Azcune, analista de política da XP. “Sua eleição trará uma transformação significativa para o país em questões que vão desde a política verde, saúde, tarifas, pensões e reforma tributária.”

“A nosso ver, essas questões devem provocar atritos com os atores tradicionais da política colombiana, e a chave estará em saber se Petro vai escolher passar por isso através do diálogo ou choque. Nosso cenário base considera que haverá alguma turbulência pela frente, mas a força das instituições locais prevalecerá”, completou.

Escolha da equipe certa

A escolha da equipe, especialmente de quem vai ocupar o cargo de ministro das Finanças, Economia ou Fazenda, é crucial para os novos líderes esquerdistas da região. A função dele é acalmar os mercados e os investidores, que costumam ficar receosos com governos de esquerda e o discurso de taxação de grandes fortunas.

No caso da Colômbia, Petro ainda não nomeou seu ministro das Finanças. Há alguns candidatos para o cargo: o ex-ministro da Saúde Alejandro Gaviria, o ex-ministro das Finanças Rudolf Hommes Rodríguez, o professor de Columbia e ex-subsecretário-geral da ONU para assuntos econômicos e sociais José Antonio Ocampo, o ex-secretário de finanças de Bogotá Ricardo Bonilla e o professor da Universidad Externado Jorge Iván González.

“Nos últimos anos temos observado uma leve moderação nas posturas de Petro e mais vontade de dialogar com outros setores, incluindo o setor político. A nosso ver, ele estará aberto a discutir propostas com o setor privado e os mercados até certo ponto, a fim de evitar duras reações, bem como com o Congresso para aprovar propostas”, disse Sol, da XP.

“Dito isto, sua personalidade obstinada e crença fervorosa em seu programa podem complicar as negociações às vezes. Será fundamental observar com quem ele se cerca e quanta autonomia é dada a esses aliados, pois Petro tem uma tendência a concentrar o poder. A escolha de um economista experiente com uma sólida formação, como o ex-ministro das Finanças Rudolf Hommes, provavelmente contribuirá muito para diminuir os temores sobre o curso que o governo planeja tomar”, concluiu.

Relação com o Brasil

Para Pedro Brites, professor da Escola de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getulio Vargas), uma eventual vitória de Lula nas eleições de outubro abre espaço para avanço nas relações do país com a Colômbia. “Tendo como parâmetro os antigos governos do ex-presidente Lula, com certeza podemos afirmar que existe espaço para diálogo.”

“Principalmente pela postura de querer construir um diálogo com os vizinhos, além de um diálogo interno, num governo ‘da paz’, como ele mesmo chamou. Será uma diplomacia mais integrada, como o ex-presidente Lula conduzia em seus antigos governos, buscando se aproximar dos demais países da região. Eles têm agendas similares e abordagens um pouco parecidas em termos sociais”, disse.

“Apesar de terem uma fronteira relevante, Brasil e Colômbia nunca tiveram um relacionamento tão próximo quanto poderiam ter historicamente. Na época do Lula, o governo brasileiro já tinha um bom relacionamento com a Colômbia, mesmo ela tendo um presidente de direita. Com uma certa convergência [à esquerda], isso abre espaço para uma relação mais aprofundada. A Colômbia é um país fundamental para o contexto sul-americano”, completou.

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Anderson Figo

Editor de Minhas Finanças do InfoMoney, cobre temas como consumo, tecnologia, negócios e investimentos.