Do impeachment à tributação ao investidor: o que esperar da volta do recesso parlamentar?

Início dos trabalhos no Congresso conta com ida pessoal da presidente para a entrega da mensagem do governo; Dilma defenderá ajuste fiscal, reforma na Previdência, aprovação da CPMF e guerra contra o Zika vírus

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A terça-feira (2) marca o fim de um recesso que quase não foi percebido na política, em meio a tanta notícia nos bastidores de Brasília. O novo ano no Congresso tem início oficial às 15h (horário de Brasília), com representantes dos poderes Executivo — no caso, a própria presidente Dilma Rousseff — e Judiciário — Ricardo Lewandowski — entregando as mensagens dos respectivos poderes ao parlamento. Os textos, a serem lidos após pronunciamento dos presidentes da Câmara (Eduardo Cunha, PMDB-RJ) e do Senado (Renan Calheiros PMDB-AL), dão mais pistas à sociedade sobre o que esperar como prioridades de cada poder da República para o ano que se inicia oficialmente na política com a volta aos trabalhos de deputados e senadores.

A ideia de a presidente ir pessoalmente ao Congresso entregar a mensagem do governo após dias de indefinição sobre quem representaria o Executivo marca um movimento no sentido de Dilma recuperar o protagonismo político e defender as reformas necessárias. É esperado que a petista ressalte a necessidade do ajuste fiscal, da reforma na Previdência e da volta da CPMF, além da declaração de guerra ao Zika vírus, que ontem recebeu o status de emergência mundial da Organização Mundial de Saúde. Será a primeira vez que Dilma irá ao parlamento pessoalmente entregar a carta com as diretrizes para 2016. Normalmente quem cumpre a função é o ministro da Casa Civil. Até poucos dias atrás, acreditava-se que Jaques Wagner seria escalado, mantendo a tradição.

Aliado da presidente no Congresso, o presidente do parlamento, Renan Calheiros, viu com bons olhos o gesto, conforme noticiou O Estado de S. Paulo. “Significa uma mudança de patamar na relação”, teria dito. “Ela demonstra que quer conversar e o papel do Congresso Nacional é preservar o interesse do País. É sobretudo uma oportunidade para que possamos discutir os rumos do Brasil, que, nesse ano, apresenta as mesmas dificuldades do ano que passou”. O ano que começa no parlamento traz de volta questões como a ampla fragmentação partidária, a perda de apoio do governo, a maior autonomia do Legislativo no espectro político e seu jogo com o Judiciário. Representando a complexidade do cenário, aparece a decisão sobre o impeachment presidencial, hoje em tramitação na Câmara. O processo está em etapa preliminar, e ainda depende da indicação dos nomes para a comissão especial, que dará o pontapé inicial da pauta na casa.

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Existe a possibilidade de as atividades começarem a pleno vapor no Legislativo, caso o Colégio de Líderes decida colocar votações pendentes em pauta antes mesmo do feriado do Carnaval. O presidente da Câmara, por exemplo, defende sessão extraordinária já para as 17h de amanhã, limpando a pauta de Medidas Provisórias que trancam a atividade parlamentar em plenário. São três as MPs que já se encontram com esse status: a 692, que eleva Imposto de Renda para Pessoa Física sobre o ganho de capital; a 695 , que autoriza a loteria instantânea Lotex a também explorar comercialmente eventos de apelo popular e licenciamentos de marcas e de personagens; e a 696, que modifica a estrutura e as competências de ministros e órgãos da presidência da República — pauta que se insere no contexto do pacote da reforma ministerial.

No entanto, boa parte da oposição defende a obstrução dos trabalhos até que o impeachment seja votado, ao passo que o Senado segue sendo o foco de apoio de Dilma neste momento. Embora defende a desobstrução da pauta com a votação de MPs, Cunha não quer ver nenhuma comissão temática elegendo presidente, o que prejudica a tramitação de pautas de interesse do Executivo. A morosidade é estratégia para se manter vivo no cargo de presidente da Câmara, visto que um processo que pode culminar na cassação de seu mandato também tramita na casa e já passou pelo Conselho de Ética. Também trancam a pauta outros dois projetos de lei. Um cria regras para o cálculo do teto salarial de servidores públicos, mirando a redução de gastos com supersalários, enquanto outro define o crime de terrorismo, considerada pauta importante, que tem como pano de fundo as Olimpíadas deste ano, a serem realizadas no Rio de Janeiro.

Do lado do Planalto, o foco está em dois projetos essenciais para o cumprimento da difícil meta de superávit fiscal, fixada em 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto). São eles a DRU (Desvinculação de Receitas da União) — mecanismo criado para garantir maior maleabilidade ao governo na alocação de recursos orçamentários — e a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) — o famoso imposto do cheque, que voltou ao debate após ser extinto durante o governo Lula, contanto inclusive com a habilidade política do atual presidente da Câmara para tal.

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Ao prever desvinculação de parte das receitas federais de sua destinação original por meio da a DRU, o governo tem mais liberdade para alocá-las em outras áreas de sua preferência. O texto enviado ao parlamento eleva de 20% para 30% a flexibilização sobre as receitas a serem destinadas pelo governo no Orçamento. Conforme informaram fontes do governo, a regra não incide sobre os pisos estabelecidos para educação, saúde ou até mesmo repasses a estados e municípios. O mecanismo foi criado em 1994, durante a criação do Plano Real e prorrogado ao longo de diversas gestões. Com o recente quadro de desajuste fiscal, o governo vê como extrema necessidade a aprovação desse projeto que tira algumas amarras do mercado. Trata-se de uma ferramenta importante para o compromisso de encerrar o ano o mais próximo possível da meta estabelecida.

A pauta do Legislativo também tem projeto que mexe sensivelmente sobre os interesses dos investidores. É o caso da MP 694, inicialmente editada pelo governo federal para reduzir benefícios fiscais concedidos na distribuição de juros sobre o capital próprio e também a empresas que investiram em desenvolvimento tecnológico e a empresas do setor petroquímico. O texto original foi mudado na versão do relatório para o projeto de lei de conversão, função atribuída ao experiente senador Romero Jucá (PMDB-RR). Enquanto a original tinha quatro artigos, a nova ficou com mais de 40, que passaram a prever aumento de IR cobrado sobre o lucro com operações com títulos de renda fixa, fundos imobiliários, fundos de investimentos e ações.

Outro projeto que vai dar o que falar é a MP 703, mais conhecido como “MP da leniência”. O texto veio em um contexto inusitado, quando um projeto de igual teor já tramitava na Câmara, após aprovação no Senado — a casa de origem da pauta, de autoria de Ricardo Ferraço (sem partido), recentemente desfiliado do PMDB. Como se isso não bastasse, o conteúdo do projeto é bastante polêmico, ao estabelecer regras para o firmamento de acordos de leniência entre as empresas que decidirem colaborar com investigações em troca de a possibilidade de voltar a firmar contratos com o Estado, além de uma redução na multa. O texto ainda coloca um ponto de interrogação sobre o papel do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público no processo, ao superestimar as atividades da Advocacia-Geral da União e da Controladoria-Geral da União.

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Como se pode perceber, o risco de paralisia do parlamento não ocorre por falta de pauta. Se o impasse político se estenderá ou se deputados e senadores apresentarão disposição em tratar dos assuntos postos na mesa, ainda não se sabe. A única certeza é de mais dias tensos em Brasília em 2016, em uma continuidade do que foi o ano anterior.

(com Agência Câmara)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.