Decepção? Poucos perceberam o que estava por trás do discurso de Levy

Mas, afinal, por que a entrevista coletiva foi convocada se nenhuma novidade foi anunciada e pouco se falou do episódio que culminou na perda do grau de investimento pela Standard & Poor's?

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Compromisso com ajuste fiscal, necessidade de organizar as contas, cortes de despesas e novas fontes de recursos… Poucas novidades foram vistas na fala do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em coletiva de imprensa realizada há poucos instantes, na tarde desta quinta-feira (10). Em meio aos rumores de que ele anunciaria cortes no Orçamento durante o pronunciamento convocado, o mercado se decepcionou com a ausência da sinalização esperada – até previamente confirmada por alguns veículos da imprensa, inclusive mexendo com os preços na Bovespa.

Mas, afinal, por que essa entrevista coletiva foi convocada se nenhuma novidade foi anunciada e pouco se falou do episódio que culminou na perda do grau de investimento pela agência de classificação de risco Standard & Poor’s da véspera? Qual seria o significado por trás da decisão de Joaquim Levy, um workaholic incontestável, interromper seus trabalhos durante uma tarde para dar notícias velhas? Muito além de decepcionar a tropa de repórteres que a postos esperava por aquela notícia bombástica que traria novos movimentos à cena política nacional, a atitude do ministro pode fazer grande sentido. No entanto, o grande xis da questão pode ter passado despercebido pela grande maioria daqueles que acompanham as notícias do Planalto.

Os enfrentamentos ideológicos internos no governo foram um dos principais fatores a influenciar na decisão da S&P por rebaixar a nota de crédito brasileira de BBB- para BB+ com perspectiva negativa. A mesma guerra de discursos nas salas de reunião do Executivo certamente tem sido um dos grandes ingredientes que contribuíram para a recente perda de forças de Levy em comparação com outros ministros – caso de Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Nelson Barbosa (Planejamento), estes mais favoráveis à heterodoxia do desenvolvimentismo do que o ex-diretor do Bradesco. É este o pano de fundo necessário para que seja compreendida a mais recente ação de Levy, após a exposição combinada de última hora no Jornal da Globo de ontem.

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Em meio às dúvidas de qual seria a liberdade que o ministro da Fazenda teria para conduzir as medidas que defende no campo da política econômica, ele percebeu que o corte de rating pela S&P pode representar uma boa oportunidade de afirmação política própria após sucessivas derrotas. “Levy tem uma condição de mostrar no debate interno que é necessário o governo concluir o ajuste fiscal, porque, se seguir como está hoje, a tendência é piorar. Ele ganhou mais argumentos para fortalecer sua posição”, observou o analista político Carlos Eduardo Borenstein, da consultoria Arko Advice. “Não é só tentativa por parte de Levy, mas todos os acontecimentos mostram que o governo está obrigado a seguir a linha do ajuste”, completou.

Na contramão de algumas leituras que apontam para o enfraquecimento de Levy no Executivo com a perda do investment grade, Borenstein espera uma maior afirmação do ministro na coordenação da política econômica do governo. De qualquer forma, ele ainda acredita que não passe de mera especulação o possível enfraquecimento de Mercadante em meio à disputa por espaços com Levy. Ele lembra que os boatos vêm de antes, reforçado por alas contrárias à sua presença em uma pasta da importância da Casa Civil. Resta saber se as ações de Levy serão suficientes para sua recuperação de relevância.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.