Da “nova CPMF” ao imposto sobre dividendos: a participação de Paulo Guedes na comissão da reforma tributária

Encontro virtual marcou a retomada das atividades na comissão e uma mistura de acenos e defesas ríspidas do ministro

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O ministro Paulo Guedes (Economia) buscou adotar um tom de harmonia e cooperação entre o governo federal e o Congresso Nacional durante boa parte de suas intervenções em audiência pública realizada na última quarta-feira (5) na comissão mista que trata da reforma tributária.

Segundo ele, há sintonia entre o plano do governo e as duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que já tramitavam nas duas casas legislativas. Mas as ponderações e críticas apresentadas por diversos deputados e senadores durante a sessão mostram que o caminho para um entendimento sobre o assunto ainda é longo. Assista aos destaques do debate pelo vídeo acima.

Embora a proposta que apresentou duas semanas atrás trate apenas da unificação de dois impostos federais (PIS e Cofins), Guedes reiterou o apoio do governo à ampliação das discussões e à inclusão de tributos estaduais (ICMS) e municipais (ISS) no movimento – desde que por iniciativa do próprio Poder Legislativo e com a anuência dos gestores locais.

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O ministro disse que o projeto de lei (PL 3.887/2020) reforça comportamento construtivo adotado pelo governo Jair Bolsonaro no debate tributário, evitando conflitos com outros caminhos discutidos pelos legisladores e permitindo a integração das ideias.

“Nós retomamos a reforma com espírito completamente construtivo. Em vez de mandarmos uma PEC que pudesse colidir com duas outras PECs que já estão no Congresso, (…) nós vamos mandando as nossas propostas para que sejam analisadas pela comissão mista e sejam ou modificadas, melhoradas ou encaixadas”, disse.

De acordo com o ministro, o plano do governo primeiro dialogará com a PEC 45/2019, de autoria do deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), baseada nos estudos do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), que inclui no processo de simplificação o ICMS e o ISS, permitindo que governadores e prefeitos possam fixar as alíquotas dos seus “sub impostos”, desde que de forma geral para os diversos setores.

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Na etapa seguinte, a ideia é “dialogar” com a PEC 110/2019, que tramita no Senado Federal e se baseia em uma proposta mais antiga do ex-deputado Luiz Carlos Hauly. Neste caso, os avanços ocorreria na direção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e na configuração de impostos seletivos.

Durante sua exposição, Paulo Guedes negou qualquer possibilidade de elevação de carga tributária e disse que a alíquota de 12% apresentada para a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – o novo imposto que substituiria o PIS e a Cofins – foi determinada por cálculos da Receita Federal e que, se for constatado aumento de carga tributária, o percentual será reduzido. Ele estima que, caso a unificação prevista na PEC 45 ocorra, a alíquota poderia superar 30% para manter o atual nível de arrecadação.

“O povo brasileiro já paga impostos demais. Nós saímos de 18% do PIB há 30 ou 40 anos atrás, estamos hoje em 36% do PIB. É muito acima da média dos países em desenvolvimento, e não há uma contrapartida eficiente de prestação de serviço. Então nós não vamos elevar a carga tributária. Estamos em um programa de simplificação e redução de impostos. A carga tributária pode ser a mesma, mas nós vamos substituir 10, 15, 20 impostos por um. Mais três por um”, afirmou.

Guedes chamou o atual sistema brasileiro de “manicômio tributário”, com uma série de regimes especiais que, na sua avaliação, tornam “inóspito” o ambiente empresarial no país.

Ele também defendeu o imposto sobre transações digitais (embora sem explicar a natureza do novo tributo e sua finalidade), que o governo estuda apresentar nas próximas fases da reforma tributária. A ideia, associada por críticos à extinta CPMF, foi duramente criticada pelos parlamentares durante a sessão. Em alguns momentos, abandonou o tom mais cordial, ironizando o próprio relator da proposta de reforma tributária, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).

“O Aguinaldo cometeu certo excesso. Ele falou que o imposto sobre transação digital é um imposto medieval, então parece que já existia tudo isso na Idade Média. Os bispos, padres, nas catedrais góticas já usavam Netflix, Google, Waze”, afirmou. O tom gerou incômodo e reações durante a sessão.

“Indo em defesa ao nosso querido relator, ministro, o que havia no período medieval não era Google nem Netflix, mas o absolutismo. E nem esse parlamento muito menos o governo que o senhor representa querem uma postura absolutista perante um assunto que precisa, antes de tudo, anuência do pagador de imposto. Tenho certeza que essa agenda, a criação de um imposto que pese mais no pobre, uma vez que ele é injusto – como a CPMF ou algo parecido – é uma agenda superada”, afirmou o deputado federal João Roma (Republicanos-BA).

Após o recado, o ministro recuou e buscou desfazer o desgaste elogiando o encontro que teve com Aguinaldo na semana anterior e ressaltando pontos de convergência entre ambos, mas não deixou de defender enfaticamente o novo imposto.

“Se eu falar que é alinhamento com imposto sobre movimentação financeira, Deus me livre. Já caiu secretário de Receita, cai todo mundo que fala disso. Parece que é um imposto interditado. Parece que tem muita gente que não quer deixar as digitais em suas transações reconhecidas, escondido atrás do pobre. Não dá para o rico se esconder atrás do pobre dizendo que esse imposto é regressivo se você fizer um aumento no Bolsa Família”, disse.

Nas falas dos parlamentares, além da ideia do novo imposto sobre transações digitais, o ministro recebeu críticas pelo fatiamento e pela falta de clareza do plano geral do governo para a reforma tributária e por prejuízos que empresas do setor de serviços teriam.

O ministro decidiu iniciar o debate por temas de consenso, segurando a discussão sobre a “nova CPMF”. Mas não evitou as críticas de quem é contra o tributo e ainda passou a ser atacado pelo setor de serviços (principal beneficiário pelo novo tributo, que viabilizaria a desoneração da folha de salários), preocupado com o risco de apenas a primeira fase passar.

Na avaliação dos analistas políticos da XP Investimentos, o tom adotado por Guedes no início de sua fala poderia distensionar o ambiente político, mas a falta de respostas sobre os próximos passos e a postura de transferir responsabilidades ao Congresso Nacional atrapalham o avanço de uma proposta ampla de reforma.

Os especialistas também chamaram atenção para as críticas aos cálculos feitos para a definição de alíquota na PEC 45 (principal proposta em discussão no parlamento hoje) e a ironia com o relator. Isso somado ao calendário apertado, a profusão de propostas na mesa e o desejo do governo em insistir em um novo imposto deve dificultar o caminho para um entendimento.

Entenda os principais pontos em discussão na reforma tributária:

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.