Cunha na oposição pode ser muito bom para recomeço de Dilma, observa analista político

O cenário a despontar no horizonte a partir dos próximos dias ou meses pode ser um de maior equilíbrio na correlação de forças entre Executivo e Legislativo

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O anúncio da ruptura da base aliada do governo e a mudança para a oposição, anunciado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), nesta sexta-feira (17), dá continuidade a um processo que se desenhava muito antes em Brasília, mas mesmo assim pegou políticos, jornalistas e cidadãos de surpresa. A decisão do deputado foi tomada poucas horas após a divulgação do conteúdo de nova delação premiada de Júlio Camargo, da Toyo Setal, pela Operação Lava Jato, na qual foi dito que ele teria exigido pagamento de US$ 5 milhões sob a forma de propina.

Para o analista político e professor de Relações Internacionais e Economia das Faculdades de Campinas (FACAMP) e das Faculdades Integradas Rio Branco, Pedro Costa Júnior, não são esperadas grandes alterações no padrão de comportamento de Cunha. “Ele já fazia oposição franca ao governo. Por isso, vai continuar atuando exatamente como atuava”, afirmou. O especialista sugere outra linha de raciocínio para compreender o anúncio relâmpago do parlamentar como forma de se produzir um factoide e lançar fumaça sobre as embaralhadas cartas do jogo político. “Ele é uma raposa. Cria esse fato novo para desviar o foco da propina. Se observarmos sua trajetória política, percebemos que ele sempre usou como defesa o ataque. Agora que está nas cordas não é diferente”, explica Costa Júnior.

O cenário a despontar no horizonte a partir dos próximos dias ou meses pode ser um de maior equilíbrio na correlação de forças entre Executivo e Legislativo. Desde o começo do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, nota-se uma clara sobreposição do Congresso sobre a agenda política do país. Ao contexto de queda abrupta da popularidade do governo ocorre simultâneo movimento de ascensão da figura de Cunha na Câmara dos Deputados. O parlamentar, visto como uma das lideranças mais revoltadas dentro da base do governo nos últimos anos costurou relacionamentos e cresceu até se tornar uma espécie de referência a membros do baixo clero. Para as más línguas, ele personifica como poucos o fisiologismo dentro da casa.

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Todo esse processo se consolidou com a segura vitória nas eleições pela presidência da Câmara e os sucessivos enfrentamentos aos interesses do Planalto. O amplo conhecimento sobre cada parágrafo do Regimento Interno, a personalidade, além de sua influência sobre grande bancada renderam a Cunha grandes vitórias – mesmo que muitas amplamente contestadas por opositores. Para Costa Júnior e muitos colegas, é uma espécie de encarnação de Ulysses Guimarães às avessas tamanha habilidade política, mas uso de autoridade em prol de suas convicções. Hoje, corre nos bastidores da capital federal, inclusive, que há desgastes na relação de Cunha com seus pares. De qualquer forma, ele ainda é visto como grande alternativa para se recorrer em casos de descontentamento pela liberação de verbas para emendas por parte do governo.

Eduardo Cunha perde forças com Lava Jato
É neste pano de fundo que se insere o novo episódio da ruptura. Cristiano Noronha, cientista político da Arko Advice, espera mais complicações para o governo com Cunha na oposição. “O relacionamento de Dilma Rousseff e de Eduardo Cunha já era de rompimento não-declarado e, agora, ele foi declarado. Isso torna a situação ainda mais complicada para o governo, com ainda mais dificuldades na Câmara dos Deputados”, disse. As expectativas dele são de que o terceiro na linha sucessória presidencial adote postura mais independente, inclusive podendo dar prosseguimento aos pedidos de impeachment, como o que recebeu pelos integrantes do Movimento Brasil Livre. Vale ressaltar, no entanto, que o processo pode não ser interessante ao PMDB como legenda, enquanto Michel Temer mantém posição de importância no governo. E caso a iniciativa fosse tomada nos dois primeiros anos do mandato e também atingisse o vice – o que poderia acontecer no caso de o impeachment se dar por irregularidade nas contas eleitorais, em análise do TSE -, novas eleições seriam convocadas.

Já o professor Costa Júnior entende o momento como de grande oportunidade para recomeço do governo Dilma em meio a tantas complicações geradas pela crise econômica e os remédios adotados, que vão de encontro às promessas de campanha pela reeleição. “Cunha perdeu forças. Para o governo, pode ser muito bom. Agora é hora de tocar a trombeta para as forças progressistas [em aceno alternativo às acusações de ‘estelionato eleitoral’], que fazem forte oposição ao peemedebista”, afirmou. Na avaliação do professor, as ações de Cunha já estão desenhadas e não deverão fugir muito do que ele faz. No entanto, com ele na oposição, o governo poderá promover mais ataques e enquadrá-lo como figura conservadora, fruto de um tradicionalismo político que se deseja combater – retórica de provável nível de aceitação elevado em meio a apelos por reforma política, menos fisiologismo e “achaques”.

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Não se deve subestimar Cunha, mas oportunidade é do governo
O afastamento de Cunha do governo exigirá grandes esforços de Cunha para evitar isolamento dentro do PMDB, já que o partido segue na base aliada, com Renan Calheiros, apesar de episódios de desavenças, mantém relacionamento com o Planalto, e Michel Temer segue como articulador político – e dispõe de legião seguidores na Câmara, da época em que tinha atuação influente na casa. “Agora, Cunha vai com todas as forças para poder potencializar a força que tinha contra o governo. É um ato de vingança. No entanto, precisa lembrar que ele não é o dono da casa”, observou. “O mais importante é ele conseguir sobreviver às delações e investigações. De todo modo, ele não pode ser subestimado nunca”, disse em resposta sobre comentários que já surgem substituindo a comparação com Ulysses Guimarães para Severino Cavalcanti.

“A bola sobrou alta na área. Resta saber se o governo saberá aproveitar”, concluiu Costa Júnior. Para ele, boa parte desse cenário depende de como Dilma Rousseff irá se comportar daqui para frente. Uma das maiores incógnitas no momento recai sobre o próprio Michel Temer, personagem que poderá ganhar poder com o enfraquecimento do presidente da Câmara em meio à ruptura e o avançar das investigações da Operação Lava Jato, além de fatores que dificultam a maior participação do ex-presidente Lula no processo de juntar os cacos do primeiro semestre de Dilma II, como a abertura de inquérito para investigá-lo por suposta prática de tráfico de influência. O que se sabe até o momento é que, após um primeiro tempo intenso, a temperatura, em vez de arrefecer, chegou a níveis altíssimos já no começo do intervalo marcado pelo “recesso branco” dos parlamentares.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.