CPI da Pandemia elege Omar Aziz presidente e Randolfe Rodrigues vice; Renan Calheiros é indicado relator

Com maioria crítica a Bolsonaro, comissão investigará ações e omissões do governo federal no enfrentamento à Covid-19 e repasses a estados

Marcos Mortari

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia durante sessão inaugural (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

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SÃO PAULO – Os senadores membros da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia elegeram, nesta terça-feira (27), Omar Aziz (PSD-AM) como presidente do colegiado com 8 votos. Ele superou o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que recebeu 3 votos.

Também foi eleito o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) como vice-presidente da comissão, com 7 votos. O opositor é autor de um dos requerimentos que culminou na criação do colegiado para apurar a conduta de autoridades no enfrentamento à Covid-19.

Seguindo acordo firmado entre os parlamentares, o presidente do colegiado indicou Renan Calheiros (MDB-AL) para o cargo de relator, à revelia de esforços do governo federal no sentido contrário.

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Conforme exposto em ato assinado pelo presidente da casa legislativa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a comissão terá como objetivo apurar, no prazo de 90 dias, as ações e omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia da Covid-19 no Brasil e, em especial, no agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para os pacientes internados.

Também fazem parte do escopo das investigações possíveis irregularidades cometidas por administradores públicos estaduais e municipais – neste caso, limitadas à fiscalização de repasses de recursos federais aos entes subnacionais no combate à crise sanitária, excluindo matérias de competência constitucional atribuídas aos legislativos locais.

Nas últimas semanas, o governo federal tentou costurar com os parlamentares alternativas ao nome de Calheiros. O principal nome ventilado nesse sentido foi o do senador Marcos Rogério (DEM-RO). Um dos argumentos lançado foi de que o emedebista não poderia ser relator da comissão pelo fato de ser pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB).

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Ontem (26), o juiz Charles Renaud Frazão de Moraes, da 2ª Vara Federal do Distrito Federal, concedeu decisão liminar (provisória) para impedir que Renan Calheiro possa ser nomeado para a função de relator na comissão. A ação popular foi movida pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), uma das principais aliadas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Pelas redes sociais, Calheiros disse que a decisão não tem precedentes na história do país e representa uma “interferência indevida que subtrai a liberdade de atuação do Senado”. Já Pacheco afirmou que seria “antirregimental” interferir no processo de escolha do relator da CPI da Pandemia e que uma decisão judicial não pode obrigá-lo a “tomar decisão ilegal”.

A sessão inaugural foi aberta com a possibilidade de a liminar não ser cumprida. Os senadores ignorariam o despacho amparados no regimento interno da casa, que diz que não há votação para relator nas comissões. A escolha cabe ao presidente do respectivo colegiado.

Mas ainda nesta manhã, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) cassou a liminar proferida em primeira instância, atendendo a recurso apresentado pela advocacia da casa legislativa.

A maioria dos escolhidos para a comissão integra as alas opositora ou independente ao governo Jair Bolsonaro, o que deixará a atual administração em posição vulnerável no colegiado ‒ sobretudo em meio ao pior momento da pandemia no país, que já matou 392.204 pessoas desde seu início.

Em seu primeiro discurso como presidente da CPI, Omar Aziz disse que “não haverá prejulgamentos” de sua parte e que a comissão deve oferecer “decisões equilibradas, coerentes e que possam ajudar o Brasil” no enfrentamento à crise sanitária.

“Não dá para a gente discutir questões políticas em cima de quase 400 mil mortos. Eu não me permito fazer isso. Eu não me permito porque infelizmente perdi um irmão há 50 dias. E eu não viria a uma CPI dessa querendo puxar um lado contra outro”, disse.

“Essa CPI não pode servir para se vingar de absolutamente ninguém, essa CPI tem que fazer justiça a milhares de órfãos que a Covid está deixando”, complementou.

O senador disse, ainda, que os congressistas não podem proteger ninguém que tenha falhado na condução do enfrentamento à pandemia e que o colegiado poderá dar importante contribuição no debate sobre tratamentos, obtenção de insumos e na elucidação de falhas ao longo do processo.

“Essa CPI não é de 11 senadores e 7 suplentes, essa CPI está no lar de cada brasileiro neste momento. 86% da população brasileira conhece alguém ou é parente de alguém que faleceu de Covid. Não há nada igual na história do Brasil”, afirmou.

“Ninguém de nós conseguirá fazer milagre, mas podemos dar um norte ao tratamento e ter um protocolo nacional, descobrir coisas que deixaram de ser feitas e por quem se deixou de fazer, seja ele ministro, assessor, governador ou prefeito deste país”, concluiu.

Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), eleito vide-presidente da comissão, disse que nenhuma CPI na história do país tratou de fatos tão relacionados à vida e à morte de brasileiros.

“Essa CPI não será de governo, não será de oposição. Essa CPI tem que buscar os fatos que nos levaram a uma situação que é indubitável: nós somos o segundo país no planeta que mais mata pessoas por Covid-19. Na média, por milhão, somos os que mais matamos nas três Américas. Há duas semanas, de cada dez humanos que morreram de Covid-19 no planeta, três foram brasileiros. Um país que corresponde a 2,7% da população do globo foi responsável, há duas semanas, por 30% das mortes. Não me parece que é um dado à toa, parece que tivemos responsabilidades para chegar até aqui. E é isso que aqui temos que aqui trabalhar e investigar”, disse.

“Talvez essa CPI não traga uma dose de vacina a mais – e eu acho até que trará. Mas essa CPI tem a obrigação de investigar por que ainda não temos essas vacinas. Por que não temos as vacinas necessárias desde dezembro ou janeiro. Essa CPI não recuperará as vidas que foram perdidas, mas tem que investigar se mortes poderiam ter sido evitadas”, complementou.

Em seu discurso, o parlamentar homenageou as vítimas famílias enlutadas em razão da pandemia do novo coronavírus e lembrou dos três senadores que morreram por conta da doença: Arolde de Oliveira (PSD-RJ), José Maranhão (MDB-PB) e Major Olimpio (PSL-SP).

O relator Renan Calheiros (MDB-AL), por sua vez, disse que se pautará “pela isenção e imparcialidade que a função impõe” e prometeu uma investigação “técnica, profunda, focada no objeto que justificou a CPI e despolitizada”.

“A CPI não é uma sigla de comissão parlamentar de inquisição, é de investigação. Nenhum expediente tenebroso das catacumbas do Santo Ofício será utilizado. A CPI, alojada em uma instituição secular e democrática, que é o Senado da República, tampouco será um cadafalso com sentenças prefixadas ou alvos selecionados. Não somos discípulos nem de Deltan Dallagnol, nem de Sergio Moro. Não arquitetaremos teses sem provas ou power points contra quem quer que seja. Não desenharemos o algo para depois disparar flecha”, disse.

Em uma sinalização de que o ex-ministro Eduardo Pazuello deverá ser um dos alvos das investigações, Calheiros disse que, neste caso, “não será o Exército brasileiro que estará sob análise”. O relator também deu uma série de recados ao governo. Nas palavras do parlamentar, o Ministério da Saúde “foi entregue a um não-especialista”, o que teria resultado em mais mortes.

“Guerras se enfrentam com especialistas, sejam elas guerras bélicas ou guerras sanitárias. A diretriz é clara: militar nos quartéis e médicos na Saúde. Quando se inverte, a morte é certa. E foi isso que lamentavelmente parece ter acontecido. Temos que explicar por que isso ocorreu”, afirmou.

O senador também disse que o colegiado contará com a colaboração de órgãos como a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, o Tribunal de Contas da União e a consultoria da casa legislativa. “A comissão será um santuário da ciência, do conhecimento, e uma antítese diária e estridente ao obscurantismo negacionista e sepulcral responsável por uma desoladora necrópole que se expande diante da incúria e do escárnio desumano”, pontuou.

“Nossa cruzada será contra a agenda da morte, contrapor o caos social, a fome, o descalabro institucional, o morticínio, a ruína econômica, o negacionismo. Não é uma predileção ideológica ou filosófica, é uma obrigação democrática, moral e humana. Os inimigos desta relatoria são a pandemia e aqueles que, por ação ou omissão, incompetência, desídia ou malversação, se aliaram ao vírus e colaboraram, de uma forma ou de outra, com esse morticínio”, declarou.

Calheiros chegou a falar em “crime contra a humanidade” e apontar a apuração dos fatos como um dever do país para se “conectar com o planeta”. “Não podemos virar as costas para a nação, há uma ameaça real de virarmos um apartheid sanitário mundial”, disse. “Há responsáveis, há culpados por ação, omissão, desídia ou incompetência. E eles, em se comprovando, serão responsabilizados. Essa será a resposta para nos conectarmos com o planeta. Os crimes contra a humanidade não prescrevem jamais e são transnacionais”, concluiu.

Obstrução governista

A reunião foi aberta pouco depois das 10h de forma semipresencial, com parte dos senadores participando de forma remota. Durante as duas primeiras horas da sessão, parlamentares discursaram e apresentaram questionamentos ao senador Otto Alencar (PSD-BA), que, como mais idoso da comissão, presidia os trabalhos.

Aliados do governo questionaram a possibilidade de Renan Calheiros ser escolhido relator, mantendo os esforços do Palácio do Planalto em evitar ter um adversário em posição de destaque do colegiado.

O senador Jorginho Mello (PL-SC) argumentou haver possível conflito de interesse na indicação do relator, que é pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB). Calheiros, por sua vez, já disse que não votará temas ligados ao seu estado.

Já o senador Marcos Rogério (DEM-RO), vice-líder do governo na casa, defendeu que a comissão não poderia desconsiderar decisão judicial que impediu a indicação de Calheiros para a relatoria ‒ durante a própria sessão, contudo, a liminar foi derrubada.

O senador Ciro Nogueira (PP-PI), por sua vez, tentou suspender os trabalhos ao afirmar haver “vício insuperado” pelo fato de alguns parlamentares serem titulares em mais de uma CPI ‒ o que é vedado pelo regimento interno da casa.

Alguns parlamentares chegaram a argumentar que outras comissões estavam com atividades suspensas, mas posteriormente optaram por renunciar aos cargos ocupados nos demais colegiados – caso da CPMI das Fake News e da CPI da Chapecoense.

Entre os membros titulares, pediram desligamento de outras comissões de inquérito os senadores Eduardo Braga (MDB-AM), Humberto Costa (PT-PE), Jorginho Mello (PL-SC), Otto Alencar e Renan Calheiros (MDB-AL).

Logo após ser eleito, Aziz indeferiu questão de ordem do senador Jorginho de Mello e informou que indicará o emedebista como relator.

“Não existe senador pela metade. Essa discussão já está muito madura em relação à sociedade. Estamos aqui malhando em ferro frio. O senador Renan votou pela ajuda para Estados e municípios. Se ele é suspeito, não deveria ter votado, mas é o papel dele. Vou indicar o senador como relator, sim. Não entendo qual o medo? É medo da CPI ou medo do senador Calheiros?”, questionou.

Plano de trabalho

O relator Renan Calheiros (MDB-AL) apresentou eixos iniciais do planejamento para os trabalhos e abriu prazo de 24 horas para que os parlamentares pudesse fazer sugestões sobre linhas da investigação.

Eis as propostas previamente lidas:

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.