CPI da Pandemia: com governo acuado, senadores iniciam os trabalhos em comissão

Com maioria crítica a Bolsonaro, colegiado investigará ações e omissões do governo federal no enfrentamento à Covid-19 e repasses a estados

Marcos Mortari

O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello discursa em cerimônia no Palácio do Planalto (Foto: Isac Nóbrega/PR)

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SÃO PAULO – A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, que vai investigar ações e omissões do governo federal no enfrentamento à Covid-19 e o uso de verbas federais durante a crise sanitária, reúne-se pela primeira vez nesta terça-feira (27).

A sessão de instalação, prevista para as 10h (horário de Brasília), deve marcar a eleição de presidente e vice-presidente e a escolha do relator no colegiado formado por 11 titulares e 7 suplentes. O encontro ocorre de forma semipresencial.

Pelo acordo entre as bancadas, Omar Aziz (PSD-AM) deve ser o eleito, com Randolfe Rodrigues (Rede-AP) na vice-presidência. A relatoria tende a ficar com Renan Calheiros (MDB-AL), a despeito dos esforços do governo federal em reverter o acerto.

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Ao longo dos últimos dias, o governo federal tentou costurar com os parlamentares alternativas ao nome do emedebista. Um dos argumentos lançado foi de que Calheiros não poderia ser relator da comissão pelo fato de ser pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB).

Tal linha foi usada pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) em ação popular apresentada junto à Justiça Federal de Brasília. O juiz Charles Renaud Frazão de Moraes acatou pedido em decisão liminar e determinou que o parlamentar não poderia ocupar o cargo no colegiado.

Pelas redes sociais, Calheiros disse que a decisão não tem precedentes na história do país e representa uma “interferência indevida que subtrai a liberdade de atuação do Senado”. O parlamentar informou que entrou com recurso.

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O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que seria “antirregimental” interferir no processo de escolha do relator da CPI da Pandemia e que uma decisão judicial não pode obrigá-lo a “tomar decisão ilegal”.

Com isso, abre-se caminho para a liminar não ser cumprida. Os senadores ignorariam a decisão do juiz amparados no regimento interno da casa legislativa, que diz que não há votação para relator nas comissões. A escolha cabe ao presidente do respectivo colegiado.

A maioria dos indicados pelos partidos para a comissão integra as alas opositora ou independente ao governo Jair Bolsonaro, o que deixará a atual administração em posição vulnerável ‒ sobretudo em meio ao pior momento da pandemia no país, que já matou 392.204 pessoas desde seu início.

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“A composição da comissão é desfavorável ao governo, que tem apenas três representantes, mesmo número de senadores da oposição. O viés mais ou menos governista dependerá do comportamento dos chamados independentes, que contam com seis cadeiras”, apontam os analistas da consultoria Arko Advice.

A avaliação de analistas políticos é que a confirmação de Omar Aziz na presidência e, principalmente, de Renan Calheiros como relator traria riscos relevantes ao governo federal.

Embora Aziz seja de partido considerado independente, ele tem adotado postura crítica em relação a Bolsonaro. Vale lembrar que o parlamentar representa o Amazonas, estado que sofreu fortes impactos da crise sanitária, inclusive com falta de oxigênio para pacientes em hospitais.

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Já Calheiros tem apontado claramente erros do governo federal no enfrentamento à pandemia, além de ser um dos entusiastas da possível candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Palácio do Planalto em 2022.

Logo no início do mandato de Bolsonaro, Calheiros sofreu uma de suas maiores derrotas políticas, ao não conseguir a recondução ao cargo de presidente do Senado Federal em disputa contra o à época “azarão” Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Na ocasião, o envolvimento direto de Onyx Lorenzoni, então ministro da Casa Civil, no pleito foi decisivo para o desfecho observado.

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Os cargos de presidente e relator são estratégicos em uma CPI. Ao primeiro cabe ditar o ritmo das sessões e das próprias investigações, inclusive tendo papel decisivo na definição das autoridades que serão convocadas para prestar depoimento.

Já o segundo, além de ter posição privilegiada nas audiências para fazer indagações aos convidados, é o responsável por encaminhar as conclusões da comissão, como pedidos de indiciamento junto ao Ministério Público Federal.

Nos bastidores, Aziz tem dito que o cronograma ainda será discutido entre os membros, mas todos os atores relevantes do governo federal envolvidos em fatos analisados pela comissão serão chamados em audiências.

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Já Calheiros classificou a gestão Bolsonaro na crise como “terrível”. Na avaliação do senador, o governo “errou, se omitiu e minimizou a doença”, conduta que teria sido decisiva para as consequências observadas em número de casos e vidas perdidas ao longo da crise sanitária.

“Nos próximos 90 dias, o governo terá de trabalhar intensamente para apagar incêndios e blindar o próprio presidente”, observam os analistas da XP Política.

“O mundo da política vai girar mais em torno de convocações, convites, documentos e depoimentos do que de qualquer outro assunto. Não se trata de paralisia, mas de uma agenda mais congestionada e do Planalto mais frágil em negociações com o Congresso”, avaliam.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem intensificado falas em defesa de ações tomadas pelo governo no enfrentamento à crise sanitária e retomado ações para a agradar seu público mais fiel. Os movimentos são vistos como preparo da tropa para a pressão que virá do colegiado majoritariamente crítico à sua gestão.

Na semana passada, Bolsonaro foi a Manaus (AM) para inaugurar um centro de convenções e receber título de Cidadão Amazonense, concedido pela Assembleia Legislativa do Estado. O evento acabou usado por ele para ato em desagravo do ex-ministro Eduardo Pazuello (Saúde). Em discurso, Bolsonaro disse ser “testemunha da luta” do general “pela erradicação da doença”.

Pazuello é um dos mais esperados alvos das investigações promovidas pela comissão. Nas palavras de Calheiros, a atuação do general à frente da pasta foi “desastrosa”.

“O Brasil deixou de fazer pré-contratos quando vacinas eram oferecidas, de comprar de outros produtores. Pazuello foi muito mal, muito mal… Com todo o respeito, estou há muito tempo em Brasília e nunca convivi com um ministro tão medíocre quanto Pazuello. Espero estar enganado”, disse em entrevista ao jornal O Globo.

Pazuello também foi alvo de Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação da Presidência, que, à revista Veja, disse que houve “incompetência e ineficiência” do Ministério da Saúde na compra de vacinas e que Bolsonaro “era abastecido com informações erradas” sobre a pandemia. Senadores já articulam a convocação do ex-chefe da Secom para audiência na CPI.

Atento aos riscos impostos pela CPI da Pandemia, Bolsonaro busca blindar Pazuello (e, assim, a si próprio). Além das falas em defesa da atuação do general no enfrentamento à Covid-19, especula-se sobre a possibilidade de Bolsonaro remanejá-lo para cargo no Palácio do Planalto.

Em outro flanco, o presidente volta a carga aos governadores. Na semana passada, ele mais uma vez ameaçou lançar mão do Exército para pôr fim à “covardia do toque de recolher”.

Dois membros da CPI são pais de governadores: Renan Calheiros (MDB-AL), do governador Renan Filho; e Jader Barbalho (MDB-PA), do governador Helder Barbalho.

Os chefes do Poder Executivo nos estados foram os alvos usados pelo presidente para tentar minimizar os impactos negativos provocados pela criação da comissão. A estratégia, ao incluir o repasse de verbas federais aos entes subnacionais nas investigações do colegiado, foi dividir o foco dos parlamentares e reduzir a exposição do Palácio do Planalto.

O governo também está montando uma “sala de guerra” para acompanhar as movimentações da CPI da Pandemia. De acordo com reportagem do jornal Valor Econômico, o grupo informal envolverá servidores da Casa Civil, que faz a articulação entre os ministérios; da Secretaria de Governo, responsável pela articulação política; e da Advocacia-Geral da União (AGU).

A Casa Civil passou a abrigar o ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, coronel Élcio Franco, em um cargo de assessor especial do ministro Luiz Eduardo Ramos, para ajudar a preparar a defesa do governo. Na Saúde passava pelas mãos dele decisões-chave para a pasta, como todas as negociações para aquisição de vacinas.

Na semana passada, a Casa Civil enviou a 13 ministérios um documento listando 23 possíveis acusações esperadas na CPI da Pandemia e pediu subsídios para fazer frente aos esperados questionamentos.

O material vazou e acabou criticado dentro do próprio governo como um roteiro ainda pior para o governo do que aquele que integrantes da CPI vinham discutindo.

As primeiras questões são acusações recorrentes feitas ao governo, como ter sido negligente com a aquisição de vacinas, especialmente com a CoronaVac; ter minimizado a gravidade da epidemia e não ter incentivado a adoção de medidas restritivas; e ainda o fato de promover tratamento precoce sem evidências científicas.

A visão da Casa Civil, entretanto, vai além e inclui, por exemplo, uma acusação de “genocídio” de indígenas e que o governo teria criado e disseminado notícias falsas sobre a pandemia através do “gabinete do ódio” do Planalto.

O movimento foi visto como claro sinal das preocupações do Palácio do Planalto com o andamento dos trabalhos na comissão. Em nota, a Casa Civil disse ser natural a reunião de dados e números fornecidos por ministérios neste contexto.

“Obviamente, diante da CPI da Covid-19 no Senado Federal, nada mais natural que a Casa Civil reunir todos os dados e números de maneira a esclarecer qualquer questionamento feito no âmbito da comissão, além de se preparar para desmentir narrativas mentirosas que visem apenas atingir e desacreditar o Governo Federal”, afirmou.

Como se costuma repetir em Brasília, todos sabem como uma CPI começa, mas é impossível antever como irá terminar. Na avaliação de atores políticos, as investigações podem não apenas interferir no andamento da agenda legislativa dos próximos meses, como impactar na própria corrida eleitoral do ano que vem.

“A questão da CPI é especialmente importante para o governo. Mais que interferir na agenda legislativa do Executivo, poderá criar ainda mais dificuldades para o projeto de reeleição em 2022 acalentado pelo presidente Jair Bolsonaro”, pontuam os analistas da Arko.

Movimentações

Antes mesmo da instalação da comissão parlamentar de inquérito, os senadores já se debruçavam sobre estratégias para os trabalhos.

Dos possíveis nomes a serem convocados, além de Pazuello, aparecem os ministros Marcelo Queiroga (Saúde) e Paulo Guedes (Economia). Também são citados Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, os dois primeiros a comandar a Saúde na gestão Bolsonaro.

Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Eduardo Girão (Podemos-CE), autores dos requerimentos que deram origem à CPI, propõem que o colegiado ouça Wajngarten, mas por motivos distintos.

O primeiro, opositor ao governo, quer que o ex-secretário esclareça declarações recentes à imprensa, segundo as quais o Ministério da Saúde, na gestão de Pazuello, teria interferido para impedir a aquisição de vacinas pelo governo federal em 2020.

Já o segundo, governista, quer que Wajngarten fale sobre as campanhas de publicidade do governo contra a pandemia e a aplicação de recursos federais em ações de comunicação pública.

Girão e o senador Humberto Costa (PT-PE) também querem ouvir representantes do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre medidas sanitárias de prevenção e combate ao vírus. Em ambos os casos, o que motiva a convocação é o chamado “tratamento precoce”, o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19 em pacientes com os primeiros sintomas. Os dois querem discutir “autoridade” e o “poder de escolha” dos médicos para receitarem esses remédios.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), por sua vez, requereu que a CPI atue em coordenação com a Comissão Temporária da Covid-19 do Senado, que acompanha ações de saúde pública relacionadas à pandemia. Ela solicita que a comissão compartilhe documentos e informações com a CPI e que sejam realizadas audiências públicas conjuntas, quando isso for conveniente.

Outra medida em análise é o acesso da CPI a documentos sigilosos já obtidos pela CPI Mista das Fake News, caso eles sejam relevantes para a investigação. A CPMI já se debruçou sobre denúncias de notícias falsas a respeito da eficácia da vacinação, por exemplo.

Para que esse compartilhamento aconteça, a CPI da Pandemia deverá aprovar requerimentos específicos para cada documento de interesse, com fundamentação para cada um. Após a aprovação, caberá ao presidente da CPI das Fale News, senador Angelo Coronel (PSD-BA), autorizar ou não a liberação dos documentos em questão.

Segundo o Regimento Interno do Senado, documentos sigilosos recebidos pelas comissões não podem ser transcritos e devem ser apreciados em sessão secreta. Caso eles sejam encaminhados para a instrução de alguma matéria, ficarão em envelope lacrado e sua tramitação será acompanhada sempre pelo presidente da comissão.

Além de solicitarem documentos de órgãos públicos, CPIs podem requerer quebras de sigilos fiscal, bancário e de dados. Essas informações dependem de atos fundamentados e devem ser mantidas em sigilo pela comissão.

(com Agência Senado e Reuters)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.