Compromisso de responsabilidade fiscal de Lula tem de ir além da “carta”, dizem analistas

Um desafio que está colocado é a negociação do novo arcabouço fiscal, em meio à construção de uma nova relação com o Congresso

Roberto de Lira

(Divulgação - Flicker - Lula Oficial/Ricardo Stuckert)

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Com uma crise fiscal já contratada para 2023, a linha da política econômica a ser adotada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva é a grande incógnita a ser desvendada nas próximas semanas, afirmam economistas entrevistados pelo Info Money. A “Carta para o Brasil do Amanhã”, documento divulgado na última quinta-feira (27) e no qual prometeu fazer um governo que combine responsabilidade fiscal e políticas sociais, ainda é considerada vaga e pouco explicativa.

“No documento, coube tudo. Tinha coisas do primeiro governo Lula, da Dilma, tinha o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), uma espécie de ‘déjà vu’, comentou Simão Silber, economista e professor da FEA-USP.

Rodrigo Cohen, analista de investimentos e um dos fundadores da Escola de Investimentos, disse que a carta divulgada por Lula a investidores passou zero credibilidade, na sua visão. “Ter compromisso de teto de gastos mostra que você é um irresponsável e isso abre brecha na minha opinião pra ele gastar o quanto quiser”, criticou.

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Para Marcus Labarthe, sócio-fundador da GT Capital, a incógnita sobre essa linha a ser adotada e os nomes a serem escolhidos na equipe deixam um “um ponto de interrogação” grande e isso, nos primeiros dias, pode trazer traz um viés pessimista para o mercado em geral.

“Nesta semana mesmo deve ser escolhida a equipe econômica, porém sabemos que o pensamento da esquerda é de não às privatizações. São visões de mundo diferentes. Estaremos voltando a ver a esquerda, porém de uma forma diferente, em que a direita será uma oposição forte nos próximos quatro anos”, ponderou.

Victor Beyrut Guglielmi, economista da Guide Investimentos, destacou em live que os governos anteriores tanto de Lula como de Dilma Rousseff tiveram cunho mais desenvolvimentista e que a “carta” foi nessa mesa linha. “Citou reindustrialização e volta do Bolsa Família para além do Auxílio Brasil”, citou, lembrando que uma indicação de um ministro que traga mais credibilidade pode trazer algum alívio nos próximos dias.

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Henrique Meirelles,  ex-ministro da Fazenda no governo Michel Temer e ex-presidente do Banco Central nos governo Lula, é um dos nomes preferido pelo mercado para trazer essa esperado credibilidade na gestão da economia. Em sua conta no Twitter, ao parabenizar Lula pela vitória nesta domingo, Meirelles disse desejar “sucesso com medidas que restaurem a confiança na economia e melhorem a vida dos brasileiros.”

“Dois Lulas”

O economista vê que o Brasil pode ter “dois Lulas”: o de 2003, mais conservador, buscando superávit primário nas contas e enfrentando o difícil cenário já colocado para 2023. “O outro Lula é aquele que prometeu colocar um político no comando a economia. Aí, a coisa vai ser mais complicada porque o objetivo político não coincide com o objetivo econômico”, comparou.

Tatiana Pinheiro, economista chefe da Galapagos Capital, acredita que o ponto mais importante na largada do ano que vem é exatamente saber como o novo governo vai desenhar seu novo plano fiscal, para equacionar receitas e despesas nos próximos anos, de modo que a dívida pública tenha uma trajetória de queda. Um segundo passo, segundo ela, é que Lula terá de anunciar isso de maneira clara.

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Relação com o Congresso

“E vai ter de mostrar poder de negociação com o Congresso, que é mais de centro-direita do que já era. O Bolsonaro, a princípio, teria mais capacidade de negociação que o Lula”, comentou Tatiana. Mas ela repete que tudo vai depender do primeiro passo, que é ter o plano fiscal crível.

Simão Silber concorda que a negociação com o novo Congresso será difícil, mas não impossível, uma vez que provavelmente serão oferecidos cargos em troca de apoio. “Vivemos um semiparlamentarismo com o Congresso sendo chamado para dentro do Executivo”, disse.

Tatiana concorda, mas lembra que não são esperadas grandes mudanças pelo próprio perfil do PT. “Tivemos governos de esquerda em outros momentos e algumas coisas foram aprovadas. Mas o governo com mais sucesso na aprovação de reformas estruturais foi o de Michel Temer, que era um governo de centro”, lembrou. “A princípio, esse Congresso não é limitador para negociação com um governo de esquerda, mas seria mais fácil se fosse um governo de centro ou até de direita”, comparou.

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Esse desafio não pode ser minimizado, uma vez que os dois presidentes que sofreram impeachment (Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff) perderam exatamente esse poder de articulação.

Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments, comentou que Lula vai enfrentar uma nova realidade nessa relação com os parlamentares. Desde que saiu do governo, o papel do Parlamento na elaboração do Orçamento foi crescendo ao longo do tempo. Ele lembrou que surgiram as emendas individuais impositivas, as emendas de bancadas, emendas de comissão e emendas de relator.

‘Tudo isso tornou para o Parlamento muito mais importante a gestão dessas emendas do que se envolver na gestão de ministérios, de autarquias e mesmo de estatais. É mais interessante do que assumir responsabilidades e riscos de gestão”, analisou.

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Umas grandes mudanças que se anunciam é sobre a imagem do Brasil no exterior e os potenciais ganhos que isso pode trazer nas relações comerciais do país, diz Silber. “Ele é mais flexível que o Bolsonaro e é melhor visto nas questões de meio ambiente. Isso facilita as negociações com a União Europeia no acordo com o Mercosul, por exemplo”, afirmou, lembrando que outros acordos que podem ser acelerados, como os negociados como Canadá e a Coreia do Sul.