Como Michel Temer fez das eleições de 2018 o paraíso dos candidatos milionários?

Se no passado o dinheiro determinava quem podia ou não votar nas eleições, hoje ele poderá decidir quem sairá vitorioso do pleito

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Desconsiderando-se os efeitos sempre difíceis de se estimar do caixa 2, o Brasil terá em 2018 eleições gerais sem recursos de empresas para candidatos e partidos políticos. O financiamento das campanhas será feito majoritariamente por verba pública. Além do já conhecido fundo partidário, os parlamentares aprovaram, aos 45 minutos do segundo tempo, a criação de fonte adicional, estimada em R$ 1,8 bilhão. Eleitores e os próprios candidatos também poderão fazer doações.

Veja também: Como teria sido a atual reforma política nas eleições de 2014?

Em um sistema conhecido pela falta de democracia interna dos partidos, cresce dramaticamente a dependência de candidatos pela distribuição de recursos pelos tomadores de decisão dentro das legendas, uma vez que não é possível buscar desafogo junto às companhias interessadas em fazer o seu investimento eleitoral (e cobrar juros e dividendos no futuro). Se, por um lado, acredita-se que relações espúrias entre os mundos empresarial e político são evitadas, por outro, a possibilidade de renovação na política pode diminuir. Sem recursos, não há campanha — ou pelo menos tornam-se muito reduzidas as chances de êxito.

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Trata-se de um instrumento de sobrevivência política “dos que aí estão”, atormentados pelos efeitos de delações e investigações que naturalmente afetariam seus planos de reeleição ou voos mais altos. As expectativas são de que a nova reforma jogue a favor da permanência dos caciques em um momento de forte turbulência na política brasileira. Seria ingênuo pensar que deputados e senadores marcariam um gol contra em meio a tão grande oportunidade.

Neste campo do financiamento levarão vantagem os candidatos com condições de bancar suas próprias aventuras ou com maior acesso ao processo decisório das cúpulas partidárias. Se nas últimas eleições municipais o autofinanciamento desbalanceou a disputa, agora o risco de candidatos ricos largarem muito na frente de seus adversários é grande. Como bem lembrou o jornalista Bernardo Mello Franco, em sua coluna pela Folha de S. Paulo, o pleito de 2018 arrisca se tornar um grande Show do Milhão, com magnatas comprando mandatos em vez de votos. Isso porque o presidente Michel Temer vetou um dos grandes avanços da reforma política aprovada às pressas pelos parlamentares.

A Câmara dos Deputados havia estabelecido um limite de R$ 200 mil para uso de recursos próprios de candidatos para cargos majoritários e subtetos para os outros cargos. O Senado Federal, por sua vez, em um cochilo dos parlamentares, restringiu a medida a dez salários mínimos, com os candidatos não podendo doar mais do que R$ 9.690 a suas próprias campanhas. Apesar de sem querer, a iniciativa dos senadores limitava os efeitos de uma possível distorção, que privilegiaria postulantes ricos.

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Contudo, o avanço foi por terra com uma canetada do peemedebista. Um veto de Temer às regras estabelecidas fez com que permanecesse a regra atual, segundo a qual o candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o limite de gastos estabelecido na lei para o cargo ao qual concorre, ou seja, o candidato vai poder arcar com todo o custo integral de sua campanha.

Pelas novas regras aprovadas pelos parlamentares e sancionadas por Temer, cada campanha terá um teto de gastos, que poderá ser inteiro atingido por recursos dos próprios candidatos. Cada campanha para presidência da República não poderá ultrapassar R$ 70 milhões e metade deste valor será o teto do 2º turno, se houver. Para governador, os valores totais variam de R$ 2,8 milhões até R$ 21 milhões, de acordo com o número de eleitores do estado, cujo teto para 2º turno será a metade desses valores. Para o Senado, o limite varia de R$ 2,5 milhões a R$ 5,6 milhões. Já para a Câmara dos Deputados, o limite é R$ 2,5 milhões, independentemente do estado. E para eleição de deputados estaduais e distritais o limite é de R$ 1 milhão.

Isso vale para novos personagens ricos e também parlamentares com boas reservas financeiras. Se no passado o dinheiro determinava quem podia ou não participar das eleições brasileiras, hoje ele ganha ainda maior protagonismo para escolher quem sairá vitorioso do pleito.

Na avaliação do advogado Marcones Santos, sócio do escritório Lopes, Leite & Santos Advogados Associados, especialista em Direito Constitucional e Eleitoral, as novas regras trarão ainda mais distorção ao sistema, sobretudo nos menores municípios, onde prepondera a capacidade financeira do candidato. O especialista acredita que esse efeito se espalhará das pequenas cidades para o país e poderá minar ainda mais a frágil relação do nosso atual sistema reprsentativo. Em meio ao estado febril da política nacional, diz o advogado, a autopreservação falou mais alto.

Marcones Santos também chama atenção para o contexto em que se institui o novo fundo eleitoral bilionário. “Nós já temos o fundo partidário. A mensagem [que a criação do fundo de financiamento de campanhas] traz é muito ruim. Destoa da situação de um país que está em crise”, criticou. Ele acredita que o fim das coligações, aprovado para o pleito de 2020, pode ser considerado um dos poucos avanços, mas precisa ser compreendido à luz das pressões que o Judiciário exercia ameaçando intervir nesta questão.

Em relatório a clientes, o analista de cenários Leopoldo Vieira, diretor da Trajeto Inteligência Estratégica, chama atenção para a combinação do autofinanciamento ilimitado com a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal aprovar as candidaturas avulsas — tema que ainda será deliberado pelos magistrados. “O fundo público aprovado, único avanço na reforma política, foi uma concertação entre os mais fortes partidos para que ninguém disputasse precariamente 2018. A cereja mesmo foi o veto ao teto do autofinanciamento. É aqui que o pedido de [Raquel] Dodge se encaixa. É a fórmula, se não do voto censitário, da representação censitária”, observou. A nova procuradora-geral da República defende a possibilidade de candidaturas sem a necessidade de filiação a partidos políticos.

“Personalidades, empresários, políticos que tenham vínculos e interesses na gestão pública e queiram se desvincular de desgastes partidários podem ir por aqui. Sem falar em lideranças religiosas embaladas no Refis. Um enorme potencial eleitoral para uma bancada congressual a legislar diante de um nome governista, Lula, um tucano ou Bolsonaro. Dodge usa a criatividade jurídica em prol do sistema político governista e dá conteúdo distinto ao populismo judicial: o establishment em pele de outsider chega ao Judiciário”, complementou Vieira. Para ele, tais medidas provocariam uma oligarquização da política ainda maior. “É quase o Congresso de D. Pedro II”, ironizou.

Ainda é preciso observar qual será a decisão do pleno do Supremo sobre as candidaturas avulsas. O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Gilmar Mendes, já manifestou publicamente sua posição contrária ao pleito e sustentou não ser possível aplicar tais regras para o próximo pleito. Todavia, tudo ainda está em aberto. A única certeza no momento é que o dinheiro será, mais uma vez, o grande eleitor na corrida às urnas brasileira. Vale ponderar que tem sido regra no Congresso a realização de alguma reforma política antes da realização de novas eleições. A rigor, nenhuma eleição é disputada com exatamente as mesmas regras que a anterior.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.