Como ficam os processos contra Lula após a decisão de Fachin? E o que esperar para 2022?

Anulação de condenações torna Lula elegível, mas processos devem ser retomados na primeira instância; analistas políticos apontam tendências

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular todas as condenações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da operação Lava Jato tem como consequência a antecipação de movimentos para a corrida eleitoral de 2022.

Mas o ambiente político ainda é marcado por incertezas, que dificilmente serão dissipadas no curto prazo. Apesar de a decisão do magistrado abrir caminho para eventual candidatura de Lula, sobram dúvidas sobre quem serão os postulantes, como se comportarão, e como estará o país em outubro do ano que vem.

Para os analistas da consultoria Eurasia Group, é difícil avaliar as reais chances de Lula manter-se elegível até o pleito, mas o episódio provoca significativas mudanças no tabuleiro político nacional.

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“Muito dependerá do ritmo que seus casos podem ser novamente julgados nas instâncias inferiores, mas sua candidatura agora está muito no jogo”, avaliam.

Caso a decisão de Fachin seja mantida, Lula teria que novamente passar por condenações em primeira e segunda instâncias, com esgotamento dos recursos disponíveis, para ser impedido de disputar as próximas eleições presidenciais. Tudo isso em cerca de 1 ano e 7 meses, com muitas etapas do processo tendo que ser refeitas.

“Em tese, isso poderia ocorrer, mas é altamente improvável, considerando todos os procedimentos que precisam ser seguidos e os recursos que a defesa do ex-presidente poderá apresentar”, avalia Debora Santos, analista política da XP Investimentos.

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“Além disso, devido ao fato de ter mais de 70 anos, alguns crimes dos quais Lula é suspeito podem estar prescritos”, ressalta.

A decisão de Fachin tem caráter processual. Isso significa que, embora tenha anulado as decisões proferidas por juízes de instâncias inferiores, o ministro não tratou do mérito dos casos.

Para o magistrado, a 13ª Vara Federal de Curitiba não era o foro adequado para julgar os casos, já que “não envolviam diretamente apenas a Petrobras, mas, ainda outros órgãos da administração pública”.

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Nesta perspectiva, a manutenção dos processos com o ex-juiz federal Sergio Moro teria ferido a tese do “juiz natural”.

Os analistas da Eurasia acreditam que a notícia pode ter consequências positivas para Bolsonaro, já que favorece uma polarização com Lula e pode atrapalhar os planos de viabilização de uma candidatura competitiva de “centro”, reduzindo o espaço a ser ocupado por nomes como de João Doria (PSDB) e Eduardo Leite (PSDB), de Luciano Huck ou de Luiz Henrique Mandetta (DEM).

Mas chamam atenção para uma sistemática subestimação que analistas políticos fazem de candidaturas progressistas, a despeito de elevadas taxas de rejeição de nomes da esquerda.

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“Em um cenário em que a economia não se recupera e a rejeição a Bolsonaro cresce, por que a esquerda não seria mais competitiva? Se o sentimento para mudanças cresce, a rejeição ao PT e a Lula provavelmente cairia”, pontuam.

“Um candidato centrista poderia emergir e ser mais competitivo em 2022. Mas o PT tem uma identificação partidária em torno de 20% do eleitorado e o nome de Lula ainda carrega muito capital – especialmente em um contexto em que as preocupações do eleitor migraram de corrupção para empregos e saúde, em razão da pandemia”, complementam.

Eles avaliam, contudo, que o crescimento da sombra de Lula na corrida eleitoral não deverá levar Bolsonaro a uma guinada populista na política econômica – a despeito de episódios recentes, como a interferência na Petrobras e, mais recentemente, a pressão para desidratar a PEC Emergencial, defendida pela equipe econômica como condição fundamental para a concessão do novo auxílio emergencial.

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O futuro dos processos

A Procuradoria-Geral da República (PGR) tem prazo de cinco dias para recorrer da decisão de Fachin, que levará o recurso ao plenário do Supremo. As chances de reversão da decisão do magistrado, contudo, são consideras minoritárias pelos especialistas.

“Fachin tem pelo menos quatro ministros que o apoiariam na anulação, formando quórum próximo da maioria do colegiado”, pontua Debora Santos.

A analista política, especialista em temas relacionados ao Poder Judiciário, lembra que a anulação das condenações não precisa de ratificação para começar a valer, e já produz efeitos até que haja eventual revisão pelos pares.

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“A incerteza é brutal neste momento. Os ministros, em suas diferentes alas, vão se mobilizar. E o tempo vai ser crucial”, observa Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da FGV-SP e coordenador do grupo de estudos Supremo em Pauta.

“Existia uma estabilidade, que era a condenação de Lula, mas que estava estruturada em uma base muito movediça. Nós todos temos uma memória muito viva do que foi o debate do STF sobre prisão em segunda instância ou não. O STF, de 2015 a 2020, adotou todo tipo de decisão heterodoxa que acabava protegendo aquilo que foi tomado no auge da Lava Jato e que envolvia a prisão de Lula e sua retirada do processo eleitoral de 2018. Houve certo compromisso com erro, mas que foi ficando cada vez mais difícil de proteger”, pontua o docente.

Com a decisão de Fachin, os casos de Lula voltam à primeira instância, agora na Justiça Federal do Distrito Federal. No meio jurídico há dúvidas sobre o momento em que os processos serão retomados, já que Fachin não afastou provas produzidas. Em tese, uma nova denúncia teria que ser apresentada pelo Ministério Público local – que substitui a força-tarefa de Curitiba como parte acusatória.

Mas as movimentações podem suscitar novos questionamentos dos advogados de Lula, que deverão contestar qualquer ato que tenha a digital do ex-juiz Sergio Moro. “Com o MPF apresentando de novo a denúncia, haverá um novo debate sobre a instrução do processo e o que é aproveitável ou não do processo que ocorreu em Curitiba”, destaca Glezer.

“Um processo penal anulado é como uma camisa que você abotoa errado. Se errou uma casa do botão, não adianta consertar, é preciso voltar até o momento em que ocorreu o erro para continuar. Então, ele volta à estaca zero”, explica.

E a Lava Jato?

Nos bastidores, a decisão de Fachin foi vista como uma estratégia de contenção de danos à Lava Jato, ameaçada pelo ganho de força das discussões sobre suspeição de Sergio Moro, após a revelação de trocas de mensagens com membros da força-tarefa – o que poderia culminar na nulidade de todos os processos decididos pelo ex-juiz federal.

Além disso, Fachin busca retomar a relatoria dos casos da Lava Jato que foram virtualmente divididos com o ministro Ricardo Lewandowski, após pedido da defesa de Lula que resultou no acesso do ex-presidente às mensagens obtidas dos celulares dos procuradores.

“Fachin botou fogo em tudo para poder manter o território”, disse uma fonte sob a condição de anonimato. “Fachin sabia que perderia tudo na Segunda Turma com Kassio Nunes Marques. Ele precisava levar as questões de plenário e retirar Lewandowski da frente”.

Na avaliação de alguns ministros, o movimento de ontem (8) retirou a necessidade de os magistrados decidirem sobre a suspeição do ex-juiz. A defesa de Lula, no entanto, ainda trabalha para que a suspeição de Sergio Moro seja julgada pelo STF.

O recurso sobre a suspeição de Moro está pendente de julgamento no STF, em razão de pedido de vista feito pelo ministro Gilmar Mendes – hoje maior crítico da Lava Jato no tribunal. Neste ano, o magistrado já havia sinalizado interesse em ver o caso analisado.

Nos bastidores, há uma discussão sobre a possibilidade de Gilmar Mendes pautar em mesa o assunto, antecipando eventual análise do colegiado sobre a decisão de Fachin.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.