Como fica a reforma da Previdência diante da maior crise do governo Bolsonaro?

Indícios de uso de candidaturas laranjas pelo PSL em Minas Gerais e Pernambuco trazem novo conflito no Palácio do Planalto e dividem atenções com versão final da reforma da Previdência

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A sucessão de revelações de suspeitas de candidaturas de fachada no PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, e de conflitos na base aliada em menos de dois meses de governo divide o noticiário político com a pauta da Reforma da Previdência.

Enquanto se espera a definição da proposta a ser encaminhada ao Congresso Nacional, prometida por Bolsonaro para esta quinta-feira (14), a nova crise instaurada no Palácio do Planalto alimenta questionamentos sobre governabilidade e os riscos para a agenda econômica.

No mercado, a preocupação é se os indícios de irregularidades eleitorais cometidas pelo partido do presidente podem contaminar a tramitação já complexa da reforma previdenciária, que precisa do apoio de 3/5 de cada casa legislativa em votações de dois turnos, ou minar seu impacto fiscal.

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A nova crise tem como epicentro os nomes do ministro Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) e do deputado federal Luciano Bivar (PSL-PE), figuras relevantes no partido e na campanha de Bolsonaro. O caso também traz de volta o debate sobre o papel exercido pelos filhos do presidente no governo e como se dá o jogo de poder na nova gestão.

Eis um resumo do que foi revelado até aqui:

Suspeitas de laranjas

O registro de casos de candidatas a deputada federal que receberam grande volume de recursos do fundo eleitoral e obtiveram resultados inexpressivos nas eleições de outubro de 2018 levantou suspeitas de que o PSL teria adotado um mecanismo para burlar a legislação eleitoral. Até o momento, foram noticiados ao menos seis situações com indícios de candidaturas de fachada, em Minas Gerais e Pernambuco.

Pelas regras estabelecidas para o pleito, os partidos teriam que destinar pelo menos 30% do fundo eleitoral a candidaturas femininas. Aquela foi a primeira eleição geral em que doações empresariais não eram permitidas, o que ampliou a dependência dos candidatos de repasses feitos por suas siglas. O PSL tinha à disposição R$ 9,2 milhões do fundo eleitoral para financiar campanhas, sendo exigido o cumprimento da cota feminina e o respeito ao teto de gastos para cada candidatura.

Uma sucessão de reportagens publicadas pelo jornal Folha de S.Paulo, porém, colocou sob suspeita condutas adotadas pelo partido ao longo do processo eleitoral em ao menos dois estados. Em 4 de fevereiro, o veículo noticiou que o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), deputado federal mais votado em Minas Gerais, teria patrocinado um esquema de candidaturas laranjas.

Os indícios seriam de que ele, à época presidente da sigla no estado, teria direcionado verbas públicas de campanha originalmente dedicadas ao cumprimento da cota feminina para empresas ligadas ao seu gabinete na Câmara. As quatro candidatas beneficiárias dos recursos – Debora Gomes, Naftali Tamar, Milla Fernandes e Lilian Bernardino – teriam obtido, juntas, pouco mais de 2 mil votos, apesar de figurarem entre as 20 candidaturas que mais receberam dinheiro público no partido.

Segundo a reportagem, dos R$ 279 mil repassados pelo comando nacional do partido, ao menos R$ 85 mil foram parar oficialmente na conta de quatro empresas que são de assessores, parentes ou sócios de assessores do agora ministro.

Além das quatro candidatas, uma quinta candidata do PSL de Minas, Cleuzenir Souza, apresentou uma denúncia contra assessores de Álvaro Antônio, alegando ter sido ameaçada a devolver metade dos R$ 60 mil recebidos para sua campanha. Ela não declarou gastos com nenhuma empresa vinculada ao ministro e obteve 2.097 votos.

Em resposta, Álvaro Antônio afirmou, por meio que “a distribuição do fundo partidário do PSL de Minas Gerais cumpriu rigorosamente o que determina a lei” e que “refuta veementemente a suposição com base em premissas falsas de que houve simulação de campanha com laranjas no partido”. Ele também disse que “fazer ilações sobre o valor gasto por qualquer candidato e a quantidade de votos que o mesmo conquistou é, no mínimo, subestimar a democracia e o poder de análise dos eleitores”.

Nesta semana, outras reportagens da Folha de S.Paulo revelaram suspeitas similares, com duas possíveis candidaturas laranjas em Pernambuco, estado do fundador do partido, Luciano Bivar, eleito deputado federal e 2º vice-presidente da Câmara.

A candidata Maria de Lourdes Paixão, secretária administrativa do PSL de Pernambuco, recebeu R$ 400 mil de recursos do partido, mas obteve apenas 274 votos para deputada federal. Ela foi a terceira maior beneficiária em todo o país com verba do PSL, superando o próprio presidente Bolsonaro e a deputada Joice Hasselmann (SP), que obteve 1,079 milhão de votos.

O dinheiro foi enviado pela direção nacional da sigla, à época presidida interinamente por Gustavo Bebianno (atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência), para a conta da candidata em 3 de outubro, quatro dias antes da eleição. A prestação de contas da candidata sustenta que 95% dos recursos foram usados para a impressão de 9 milhões de santinhos e cerca de 1,7 milhão de adesivos.

Outro nome apontado é o de Érika Siqueira, que recebeu R$ 250 mil e teve 1.315 votos no mesmo pleito. A candidata foi assessora do PSL diretamente com o ministro até agosto do ano passado. Ela foi a oitava pessoa que mais recebeu dinheiro do PSL em todo o país. A candidata declarou ter gasto R$ 56,5 mil na gráfica Itapissu um dia antes da eleição, para a confecção de material de campanha. A gráfica foi a mesma usada por Lourdes e é apontada como de fachada, sem maquinário para impressões em massa.

Com base nos indícios apresentados, a Polícia Federal abriu, na última terça-feira (12), investigação sobre o caso do PSL em Pernambuco e intimou Lourdes Paixão a depor. A Polícia Civil e o Ministério Público também investigam o caso. Em Minas Gerais, a Procuradoria-Regional Eleitoral também decidiu investigar o caso das quatro candidaturas laranjas.

Consequências políticas

Os fatos novos trouxeram o clima de crise de volta ao Palácio do Planalto. Antes de o presidente Jair Bolsonaro deixar o hospital Albert Einstein – onde ficou internado por 17 dias para cirurgia de retirada de uma bolsa de colostomia –, Bebianno havia dito que conversara com ele três vezes por telefone sobre as denúncias.

O ministro foi desmentido pelo Twitter por Carlos Bolsonaro, filho do presidente, que chamou a declaração de “mentira absoluta” e exibiu um áudio enviado por seu pai ao ministro. Posteriormente, o próprio presidente engrossou o coro do filho. Em entrevista à RecordTV, Bolsonaro disse que o ministro mentiu sobre o contato e afirmou que, caso seja comprovado o envolvimento de Bebianno no esquema, ele deverá “voltar às suas origens”.

Na mesma entrevista, Bolsonaro disse que pediu ao ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública) a abertura de uma investigação da Polícia Federal para apurar as suspeitas de desvios de recursos públicos destinados a candidaturas femininas oriundos dos fundos partidário e eleitoral. A “fritura” em praça pública surpreendeu o ministro, que disse que não pedirá demissão, e até mesmo outros nomes aliados.

A avaliação de membros do governo é que o episódio tem potencial explosivo, não apenas pelo desgaste provocado pelas próprias acusações, mas também pela postura adotada por Bolsonaro com relação a um aliado relevante. Bebianno assumiu o comando do PSL durante a campanha eleitoral de 2018 e coordenou os principais movimentos da campanha presidencial.

Ainda é cedo para projeções sobre o desfecho da crise que envolve suspeitas de candidaturas de laranjas na sigla de Bolsonaro, mas deputados já enxergam no caso uma oportunidade para obter mais concessões do governo para votar a reforma da Previdência.

A cada escorregão no Palácio do Planalto, mais os parlamentares se sentem em condições de apresentar exigências para votar determinadas questões. Para alguns, essa seria uma oportunidade de contra-ataque aos ministérios sem porteira fechada e à falta de “toma lá, dá cá” no primeiro escalão.

“Uma evolução da crise poderia afetar o trâmite da reforma da Previdência”, afirmam os analistas Thiago Salomão e Matheus Soares, da Rico Investimentos. A perspectiva da dupla é de “otimismo apreensivo” em relação à agenda de reformas.

“Mesmo que não venha a ‘previdência dos sonhos’, as falas de Bolsonaro indicam que ela de fato virá. Mas, como o Brasil historicamente não cansa em frustrar nossas expectativas, é importante acompanhar os desdobramentos dos casos envolvendo Bebianno e Carlos Bolsonaro”, complementam.

Cautela também foi adotada pelo analista político Felipe Berenguer, da Levante. “A confusão generalizada causou desconforto em diferentes aliados do governo, que estão incomodados com a ingerência de familiares do presidente na gestão e a exposição de desentendimentos no alto escalão de governo. O vazamento de conversas privativas do presidente, avalia-se, também é precedente gravíssimo. Certamente, são ruídos desnecessários em tão pouco tempo”, pontua.

Para o analista político Leopoldo Vieira, da Idealpolitik, a reforma previdenciária deverá consumir todo o primeiro semestre na Câmara dos Deputados. Na sua avaliação, eventual queda de Bebianno e enfraquecimento de Bivar poderia frear temporariamente a tramitação desta agenda. “Eles são os últimos resquícios da ‘velha política’ no bolsonarismo”, observa. Por outro lado, ele não espera mudanças em relação à postura liberal na economia do governo.

Pelo histórico de tramitação de proposições no parlamento, sabe-se do peso do timing sobre a versão final que o governo terá condições de levar adiante. Quanto mais tempo levar para avançar com a reforma, maior o risco de desidratação do texto ao longo do caminho, seja pela exposição a críticas no debate público, seja pela natural perda de capital político do presidente ao longo do mandato e por eventuais crises que apareçam.

Já Carlos Eduardo Borenstein, da consultoria Arko Advice, não vê impactos relevantes sobre a agenda de reformas, mas ressalta a necessidade de melhores condições para Bolsonaro arbitrar conflitos e crises.

“Como a popularidade do governo é alta e há um cenário favorável às reformas, acredito que, neste momento, o fato não contamina a governabilidade e a agenda de reformas. Agora, a condução dessa crise e a própria exposição que Bebianno está tento, também reforçado a ascendência dos filhos sobre o jogo de poder, pode passar um recado ruim para a base e exigir do governo um gerenciamento melhor dessas disputas”, pontua.

O analista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria Integrada, diz que o episódio de atrito entre o clã Bolsonaro e Bebianno é um novo indicativo da dificuldade do governo em construir projetos conjuntos. Ele diz que as marcas personalistas dificultam um caminho para apoios mais consistentes. Para o especialista, “ainda há uma chance, embora diminuta” de a reforma previdenciária ser aprovada pelo plenário da Câmara dos Deputados ainda no primeiro semestre.

[O caso] Pode ter custo reputacional elevado, de tal modo que podemos ter efeito que parece ser quase automático de diminuir o poder de arbitragem na Previdência. Pode ter efeitos mais sérios se houver a saída do ministro do governo e se existir um racha no PSL. Mas, mesmo que não cheguemos a esse quadro mais complicado, parece que esses problemas já vão afetar a ambição da reforma”, observa.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.