Como as mulheres poderão decidir a eleição (e como isso afeta as chances de Bolsonaro e Haddad)

Elas são 52% de todo o eleitorado brasileiro e normalmente definem o voto às vésperas da corrida às urnas. Com o #EleNão, ganharam ainda mais destaque neste processo como público decisivo

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – As ruas de diversas cidades brasileiras foram tomadas, no último fim de semana, por atos contrários e favoráveis à candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) à presidência da República. O parlamentar lidera as pesquisas de intenções de voto a 6 dias do primeiro turno, com vantagem que chega a 10 pontos percentuais em relação ao segundo colocado, o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad (PT), de acordo com o último Ibope. Por outro lado, o militar reformado enfrenta um elevado índice de rejeição, sobretudo entre o eleitorado feminino, protagonista nas recentes manifestações, embaladas pelo grito #EleNão, que também englobou pautas mais abrangentes em defesa da democracia e dos direitos humanos.

Os impactos dos atos sobre o processo eleitoral ainda estão em avaliação. O que se sabe é que as mulheres são maioria, correspondendo a cerca de 52% de todo o eleitorado brasileiro, e normalmente definem o voto mais próximo da reta final. Segundo a última pesquisa Datafolha, 41% delas dizem que seu voto pode mudar até o tão esperado 7 de outubro, contra 27% dos homens. Hoje, 19% das mulheres se dizem indecisas ou declaram voto em branco ou nulo. A diferença é a maior desde a redemocratização, o que se explica principalmente pelo perfil do apoio hoje depositado em Bolsonaro.

De acordo com levantamento Ibope, divulgado na última segunda-feira (1), Bolsonaro tem 31% das intenções de voto, contra 21% de Haddad. Entre os homens, seu desempenho salta para 39%, contra 21% do petista. Já no eleitorado feminino, o apoio ao parlamentar cai para 24% – ainda assim, 6 pontos percentuais acima do registrado uma semana atrás –, contra 20% do petista. Nunca a diferença entre os indicativos de voto entre homens e mulheres foi tão grande. O mesmo se observa em rejeição, liderada por Bolsonaro com 44% entre o eleitorado geral (35% entre os homens e 51% entre as mulheres).

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Nenhum outro candidato compensa o descompasso entre as intenções de voto do público masculino e feminino no militar reformado, o que desloca o hiato para o grupo dos “não votos”. As tabelas abaixo comparam historicamente as declarações de votos em branco, nulos e indecisos em pesquisas antes do primeiro turno (tabela 1) e do segundo turno (tabela 2).

1) Intenções de voto em branco, nulo ou indecisos no primeiro turno:

Ano Total Homens Mulheres Data da pesquisa
2018 15% 10% 19% 26 a 28/09
2014 10% 9% 13% 29 a 30/09
2010 8% 6% 11% 21 a 22/09
2006 9% 6% 11% 29 e 30/09
2002 8% 6% 10% 02/10

Fonte: Datafolha

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2) Intenções de voto em branco, nulo ou indecisos no segundo turno:

Ano Total Homens Mulheres Data da pesquisa
2014 10% 7% 11% 24 a 25/10
2010 8% 6% 9% 29 a 30/10
2006 5% 5% 6% 27 e 28/10
2002 10% 7% 13% 26/10

Fonte: Datafolha

Conforme aponta a cientista social Esther Solano, professora da Unifesp, a questão de gênero nunca foi tão forte em um processo eleitoral no Brasil, mobilizando tanto vozes defensoras de pautas feministas quanto discursos contrários. A divisão nas intenções de voto de Bolsonaro é um exemplo deste quadro.

A especialista sustenta, contudo, que mulheres que apoiam o candidato tendem a dar mais ênfase ao antipetismo, narrativa que ajudou a consagrar o candidato nas pesquisas como nome competitivo para a disputa, além de defender o perfil de candidato sincero, autêntico e contra o politicamente correto construído até o presente momento da campanha.

“O antipetismo é uma retórica muito forte e pode se sobrepor à narrativa feminista, que corre o risco de ficar em segundo plano”, observa. Como consequência, é possível que haja uma polarização entre o feminismo e o antipetismo ao longo do processo eleitoral.

Isso faz com que, embora Bolsonaro hoje conte com um nível de rejeição muito mais elevado entre as mulheres do que seus competidores, não seja automático o apoio delas ao nome que vier a enfrentá-lo em eventual disputa de segundo turno – hoje provavelmente Haddad. De qualquer modo, é difícil um candidato ser consagrado pelas urnas com tamanha antipatia do público feminino.

Esther Solano acredita que a tendência é que o militar reformado caminhe para um discurso mais ameno, em busca de uma redução na repulsa do público feminino. A tabela abaixo mostra o tamanho deste desafio, ao apresentar a evolução da rejeição dos principais candidatos entre os eleitores em geral e as mulheres.

3) Evolução da rejeição aos candidatos: total dos eleitores % (entre mulheres %)

Candidato 22/08 10/09 14/09 20/09 28/09
Jair Bolsonaro (PSL) 39% (43%) 43% (49%) 44% (49%) 43% (49%) 46% (52%)
Fernando Haddad (PT) 21% (18%) 22% (16%) 26% (20%) 29% (24%) 32% (26%)
Marina Silva (Rede) 25% (23%) 29% (27%) 30% (27%) 32% (29%) 28% (27%)
Geraldo Alckmin (PSDB) 26% (23%) 24% (19%) 25% (22%) 24% (19%) 24% (18%)
Ciro Gomes (PDT) 23% (21%) 20% (16%) 21% (17%) 22% (18%) 21% (17%)

Fonte: Datafolha (BR-08687/2018)

Candidato 11/09 18/09 24/09 26/09 01/10
Jair Bolsonaro (PSL) 41% (50%) 42% (50%) 46% (54%) 44% (52%) 44% (51%)
Fernando Haddad (PT) 23% (19%) 29% (23%) 30% (26%) 27% (20%) 38% (33%)
Marina Silva (Rede) 24% (21%) 26% (24%) 25% (23%) 27% (24%) 25% (24%)
Geraldo Alckmin (PSDB) 19% (16%) 20% (17%) 20% (16%) 19% (15%) 19% (15%)
Ciro Gomes (PDT) 17% (15%) 19% (15%) 18% (15%) 16% (13%) 18% (15%)

Fonte: Ibope (BR-08650/2018)

Na avaliação de Rafael Cortez, analista político da Tendências Consultoria, a dimensão que a agenda feminina ganhou é uma novidade da presente disputa. Por outro lado, ele pondera não haver uniformidade no discurso e no comportamento eleitoral das mulheres, o que tende ainda a produzir resultados incertos, mesmo que hoje esta faixa do eleitorado rejeite mais Bolsonaro.

“A questão do sexo não aparecia com tanta força em outras campanhas. É a grande novidade do ponto de vista de clivagens sociais impactando no cenário eleitoral. É verdade que indicavam uma demora maior das mulheres na definição do voto, mas isso se acentua com a emergência de uma figura com o discurso de Bolsonaro”, pontua.

“Muito embora exista essa diferença, não há uniformidade necessária no discurso e no comportamento eleitoral das mulheres. A depender de como vai ser mobilizada a agenda no segundo turno, o efeito pode não ser o que hoje se observa [de aparente vantagem de Haddad neste público]“, complementa.

Para Cortez, embora o recorte das mulheres tenha papel extremamente relevante na campanha, essa clivagem ainda não substitui as clivagens socioeconômicas. Ele acredita que Bolsonaro tentará alcançar o eleitorado feminino a partir de pautas mais vinculadas a valores ou que dividam as eleitoras, como o aborto, e por via indireta, a partir de uma melhora entre outros segmentos do eleitorado, como a camada mais pobre, grupo que o candidato tem desempenho abaixo de sua média.

“Também houve uma interpretação de que o anti-Bolsonaro se torna apoio ao PT, mas são questões distintas. Por mais que exista uma tendência de polarização no segundo turno, não há garantia de apoio ao PT”, aponta o cientista político.

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Ainda há dúvidas sobre os impactos do #EleNão sobre a corrida presidencial. Segundo levantamento realizado pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da USP, divulgado pelo site da BBC News Brasil, a maioria dos presentes no ato de sábado em São Paulo era de esquerda, branca e com escolaridade e renda elevadas.

O perfil mais homogêneo apontado pela pesquisa pode mitigar os efeitos das manifestações, que chamaram atenção no último fim de semana. Especialistas compararam o movimento ao que aconteceu nos Estados Unidos, em 2016, contra o então candidato Donald Trump. Naquela ocasião, o que se viu foi um reforço à rejeição ao republicano em nichos que já se comportavam desta forma. Tal paralelo pode indicar efeitos menores do #EleNão sobre o apoio a Bolsonaro.

“Houve uma leitura que subestimou o efeito eleitoral do #EleNão. E mostrou também que não se confunde o anti-bolsonarismo com apoio ao PT. Porque o PT também tem uma rejeição muito elevada. à medida que Haddad vai sendo associado ao partido, a rejeição vai aumentar. Sua campanha precisará trazer temas que minimizem essa associação”, diz Cortez.

Esther Solano apresenta um contraponto à avaliação de público homogêneo e efeitos reduzidos. Segundo a cientista social, é comum que mobilizações apresentem um público majoritário de classe média. Mas ela ressalta que o ato contou com participação de movimentos importantes de mulheres negras das periferias de São Paulo. Além disso, a especialista diz que não se pode extrapolar o que se observou na capital paulista para outras cidades do país, onde também foram organizados atos contra Bolsonaro.

Em um ambiente marcado por tantas incertezas, o que se sabe é que, para um lado ou para o outro, as mulheres poderão desempenhar papel decisivo sobre este processo eleitoral. “As mulheres estão se vendo impelidas a votar e o farão”, prognostica a cientista social. Os caminhos deste processo, porém, ainda estão indefinidos.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.