Com derrotas no Congresso, Bolsonaro não consegue emplacar agenda

Das 14 propostas apresentadas pelo governo desde o início do mandato, nenhuma teve avanço efetivo no parlamento

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Em menos de dois meses de legislatura, o governo Jair Bolsonaro (PSL) acumula derrotas em plenário e enfrenta dificuldades em fazer avançar suas pautas no Congresso Nacional. O clima de tensão entre o Palácio do Planalto e os parlamentares chegou ao ápice nos últimos dias, com um bate-boca público travado à distância entre Bolsonaro e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Desde então, indicações de apaziguamento foram feitas, mas recados continuam sendo dados pelos congressistas.

O mais recente deles foi a aprovação relâmpago, no plenário da Câmara dos Deputados, de PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que torna o Orçamento ainda mais engessado, reduzindo o poder de decisão do Executivo. O texto, que classifica como obrigatório o pagamento de despesas que hoje podem ser adiadas (como emendas de bancadas estaduais e investimentos em obras), foi votado em dois turnos no mesmo dia, recebendo 448 votos no primeiro e 453 no segundo e já conta com a promessa de ser pautado pelo presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

A iniciativa vai na contramão do que prega o ministro Paulo Guedes (Economia). Além da reforma da Previdência, tida como medida fiscal prioritária mas que ainda patina no parlamento, uma das agendas defendidas com ênfase pela atual equipe econômica é a desvinculação e desindexação do Orçamento público – adiada para depois de uma possível aprovação da PEC previdenciária, após uma tentativa de fazer as duas matérias avançarem simultaneamente nas duas casas legislativas.

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Essa não foi a única derrota da gestão Bolsonaro no plenário da Câmara. Em fevereiro, os deputados aprovaram a suspensão dos efeitos do Decreto 9.690/2019, em votação simbólica. O texto, assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, alterava as regras de aplicação da Lei de Acesso à Informação, permitindo que ocupantes de cargos comissionados pudessem classificar dados do governo federal como informações ultrassecretas e secretas. Depois da derrota, o governo revogou o decreto.

Na semana passada, lideranças contrariadas com a falta de articulação política do Palácio do Planalto chegaram a discutir a possibilidade de aprovação de um novo recado indigesto. Depois de darem aval ao convite de ministros em comissões (o que normalmente é interpretado no mundo político como uma saia justa aos governantes), deputados consideraram a possibilidade de aprovar de um requerimento de urgência para um texto revogando o decreto que isenta vistos de visita a turistas de EUA, Canadá, Austrália e Japão. A estratégia, porém, ficou em stand by.

A página da crise política ainda não foi virada e não dá sinais de trégua no curto prazo. De um lado, Bolsonaro promete não repetir estratégias usadas por seus antecessores na busca da governabilidade, o que costuma chamar de “velha política”. Sua narrativa é que a distribuição de espaços no governo a aliados poderia ser um sinônimo de corrupção.

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Do outro lado, o mundo político se queixa da falta de diálogo e do desdém com que a atual gestão trata os parlamentares. As alegações são de que o compartilhamento de poder para a formação de uma base legislativa consistente é condição natural da democracia, sobretudo no caso de governos minoritários.

Uma das resultantes do impasse é a paralisia na tramitação de proposições legislativas encaminhadas pelo atual governo ao parlamento desde o início do mandato. O caso mais emblemático é o da PEC da reforma da Previdência. Tratada pela atual gestão como prioridade, a proposta foi entregue ao parlamento há 35 dias, mas sequer teve relator designado na CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania), primeira parada do texto, onde é analisada sua constitucionalidade.

A primeira obstrução na CCJC se deveu ao descompasso entre o envio da proposta de reforma previdenciária de trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos civis e o projeto que trata das aposentadorias dos militares. Os deputados se recusaram a iniciar o debate e até mesmo instalar a comissão antes que as regras para as Forças Armadas fossem conhecidas, o que aconteceu um mês depois do envio da PEC, mas provocou desconforto. A narrativa de que o projeto para a categoria é mais brando do que as regras propostas para os demais setores da sociedade ganhou força. Neste meio tempo, o fogo cruzado mantido entre Bolsonaro e Maia ampliaram o clima de tensão entre os Poderes e reduziram espaços para avanços da matéria.

Nesta semana, era esperado que finalmente o relator da proposta fosse apresentado na comissão. Porém, o descumprimento de acordo para que o ministro Paulo Guedes (Economia) participasse de audiência pública na última terça-feira (27) travou novamente a tramitação do texto, e as expectativas de votação na primeira semana de abril no colegiado foram frustradas. Após uma reunião com o ministro, o deputado Felipe Francischini (PSL-PR), presidente da CCJC, informou que a proposta deve ser votada até 17 de abril, duas semanas após a previsão inicial. A oposição pressiona para que sequer o relator seja escolhido até que Guedes participe de audiência pública, o que está previsto para a próxima quarta-feira (3).

Depois da CCJC, a reforma previdenciária tem desafios ainda maiores pela frente. O texto ainda precisa passar por comissão especial, que analisa o mérito da matéria, e depois por dois turnos de votação no plenário da Câmara, onde são necessários 3/5 dos votos (apoio mínimo de 308 deputados federais). Apenas depois disso a proposta vai ao Senado Federal, onde também será necessário apoio de 3/5 em plenário (o equivalente a um mínimo de 49 votos).

Mas essa não é a única matéria de autoria do Poder Executivo que enfrenta problemas no parlamento. A demora do governo em se comunicar com os parlamentares e construir uma base aliada sólida tem travado o avanço de todos os textos apresentados até o momento. Em pouco menos de três meses, Bolsonaro assinou 14 proposições legislativas, sendo 7 medidas provisórias, 6 projetos de lei ordinários e complementares e 1 PEC. Nenhuma delas teve qualquer avanço em termos de tramitação. Os detalhes estão na tabela abaixo:

APRESENTAÇÃO PROPOSIÇÃO ASSUNTO ESTÁGIO DE TRAMITAÇÃO
01/01/2019 MPV 870/2019 Reestruturação dos ministérios Aguardando instalação de comissão mista. Lideranças partidárias já indicaram seus representantes, mas o colegiado ainda não iniciou os trabalhos
03/01/2019 PL 11279/2019 Criação de institutos federais de educação e da Universidade Federal do Médio e Alto Solimões Retirado de pauta a pedido do autor
18/01/2019 MPV 871/2019 Combate a fraudes na Previdência Aguardando instalação de comissão mista. Lideranças partidárias já indicaram seus representantes, mas o colegiado ainda não iniciou os trabalhos
31/01/2019 MPV 872/2019 Prorroga prazo de recebimento de gratificações por servidores da AGU Aguardando instalação de comissão mista. Lideranças partidárias já indicaram seus representantes, mas o colegiado ainda não iniciou os trabalhos
19/02/2019 PL 881/2019 Pacote anticrime: criminalização do uso de “caixa dois” em eleições Aguardando criação de comissão especial na Câmara dos Deputados*
19/02/2019 PL 882/2019 Pacote anticrime: medidas contra corrupção, crime organizado e violência Aguardando criação de comissão especial na Câmara dos Deputados*
19/02/2019 PLP 38/2019 Pacote anticrime: limites de competência da Justiça Comum e da Justiça Eleitoral Aguardando criação de comissão especial na Câmara dos Deputados*
20/02/2019 PL 1646/2019 Cobrança dos devedores da dívida ativa Aguardando despacho na Câmara dos Deputados
20/02/2019 PEC 6/2019 Reforma da Previdência Aguardando designação de relator na CCJC da Câmara
01/03/2019 MPV 873/2019 Restringe contribuição sindical a decisão facultativa do empregado Aguardando instalação de comissão mista. Lideranças partidárias já indicaram seus representantes, mas o colegiado ainda não iniciou os trabalhos
12/03/2019 MPV 874/2019 Crédito de R$ 1.368.600,00 a afetados pelo desastre em Brumadinho (MG) Aguardando instalação de comissão mista. Lideranças partidárias já indicaram seus representantes, mas o colegiado ainda não iniciou os trabalhos
12/03/2019 MPV 875/2019 Institui auxílio emergencial para vítimas residentes em Brumadinho (MG) Aguardando instalação de comissão mista. Lideranças partidárias já indicaram seus representantes, mas o colegiado ainda não iniciou os trabalhos
13/03/2019 MPV 876/2019 Simplificação e desburocratização no registro de empresas Aguardando instalação de comissão mista. Lideranças partidárias já indicaram seus representantes, mas o colegiado ainda não iniciou os trabalhos
20/03/2019 PL 1645/2019 Previdência dos militares Aguardando despacho na Câmara

* Após uma troca de farpas públicas com o ministro Sérgio Moro (Justiça), que cobrou a tramitação do pacote anticrime, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia disse, na última terça-feira, as propostas podem ir direto a plenário, sem passar por comissão especial, se houver consenso entre os líderes partidários.
Fonte: InfoMoney | Câmara dos Deputados e Congresso Nacional

Medidas Provisórias
Além da própria PEC da reforma da Previdência, também inspira preocupação a demora na instalação das comissões mistas que discutirão as medidas provisórias apresentadas pelo governo nestes três primeiros meses. As MPs têm prazo de vigência de 60 dias, a partir da data de sua publicação, prorrogáveis uma vez por igual período. Se não forem aprovadas no prazo de 45 dias, elas trancam a pauta de votações da casa em que se encontrarem até que sejam votadas – ou seja, também podem atrapalhar no andamento de outras agendas legislativas prioritárias do governo – ou que caduquem.

Entre as MPs, dois textos específicos têm chamado atenção. São eles: a MP 870, que estabelece a organização básica dos órgãos da presidência e dos ministérios, e a MPV 871, que trata do combate a irregularidades em benefícios previdenciários. Em ambos os casos, foram apresentadas mais de 500 emendas parlamentares.

Partidos de oposição representam mais de 70% das mudanças propostas. Siglas com as quais o governo deverá contar para aprovar a agenda de reformas também se destacam no grupo. É o caso de PSDB, MDB, PSD, PR e DEM. Vale ressaltar, contudo, que nem todas as emendas pretendem enfraquecer a medida.

A tramitação destas proposições será um dos primeiros grandes testes do governo, sobretudo quando se considera o atual quadro de dificuldades no relacionamento com o parlamento.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.