Briga entre Olavo e militares deflagra nova crise no governo: o que está em jogo na disputa?

Apesar dos esforços recentes de Bolsonaro para tentar virar a página, analistas políticos acreditam que disputa por espaço e influência no governo está longe de ser resolvida

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – As alas militar e ideológica do governo protagonizaram, nesta semana, um novo episódio na disputa que travam praticamente desde a posse do presidente Jair Bolsonaro. Os ataques do filósofo e escritor Olavo de Carvalho ao ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo) provocaram reações do Alto Comando do Exército, já incomodado com críticas feitas ao vice-presidente, general Hamilton Mourão, e com os embates no Ministério da Educação e na Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos).

O sinal mais claro do mal-estar veio de um dos nomes mais respeitados entre as Forças Armadas: o general da reserva Eduardo Villas Bôas, que comandou o Exército de 2015 até o início deste ano. Pelo Twitter, ele defendeu a categoria e respondeu o ideólogo, em uma mensagem que foi entendida como um recado ao próprio presidente Jair Bolsonaro, que havia tomado partido contra Santos Cruz em episódio em que defendeu criação de instrumentos formais para disciplinar o uso das redes sociais pelo governo.

“Mais uma vez, o senhor Olavo de Carvalho a partir de seu vazio existencial derrama seus ataques aos militares e às Forças Armadas, demonstrando total falta de princípios básicos de educação, de respeito e de um mínimo de humildade e modéstia. Verdadeiro trótski de direita, não compreende que substituindo uma ideologia pela outra não contribui para a elaboração de uma base de pensamento que promova soluções concretas para os problemas Brasileiros”, escreveu em sua conta no Twitter.

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Em meio ao clima acirrado, Bolsonaro tratou como “coisas pequenas” o embate entre as duas alas da coalizão governista e negou que existam times opostos na administração federal. “Não existe grupo de militares e de Olavo aqui. Somos um time só”, afirmou a jornalistas na última segunda-feira (6).

Apesar dos esforços, a situação está longe de ser página virada. Para analistas políticos ouvidos pelo InfoMoney, o novo episódio do embate entre militares e olavistas representa uma disputa de poder dentro do governo, com as duas alas buscando maior influência sobre a tomada de decisões do presidente. A tendência é que novas trocas de farpas ocorram e será necessário monitorar qual postura Bolsonaro adotará diante da situação.

Uma disputa identitária

Para o analista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, o conflito entre o núcleo ideológico e a ala militar do governo tem dois níveis. Em linhas gerais, uma disputa pela construção da identidade da nova gestão. E, sob um ponto de vista prático, uma disputa por espaços de poder, sobretudo o controle da Secom, espaço poderoso na guerra de narrativas e construção de uma imagem do governo.

“No fundo, esse conflito é a expressão de um mandato que ainda não conseguiu criar uma identidade ou um eixo estruturador, diante da complexidade da diversidade de setores do campo antipetista que acabaram, de um jeito ou de outro, apoiando na eleição e participando do governo”, pontua o especialista.

“Grosso modo, há uma visão mais tecnocrata expressa nos militares, de que o processo político muito conturbado e a crise de legitimidade dos partidos políticos acabaram resultando em ineficiência e demora para que o Estado tomasse decisões de políticas públicas, e de outro lado um núcleo que deseja dar carácter ideológico à administração Bolsonaro”, complementa.

Na avaliação de Cortez, o embate público entre militares e olavistas aponta para uma necessidade de coordenação da centro-direita antipetista, vencedora nas urnas na corrida presidencial, além de expor dificuldades enfrentadas por Bolsonaro em arbitrar disputas internas e definir uma linha principal para o início de sua gestão.

Quem manda no governo?

A despeito da negativa do presidente sobre a divisão na coalizão governista, as expectativas são de que os enfrentamentos continuem, ao menos em um horizonte próximo. “Os militares e a base de direita do presidente continuarão disputando influência sobre o governo, mas nenhum lado provavelmente se sobreporá ao outro”, pontuam os analistas da consultoria de risco político Eurasia Group.

“Mesmo se Santos Cruz fosse embora depois da discussão, o que é improvável, os militares provavelmente manteriam influência sobre a comunicação do governo. No entanto, Bolsonaro mostrou repetidamente que não vai virar as costas à sua base radical de direita, especialmente à medida que sua popularidade cai”, complementam.

Para eles, a ala ideológica da coalizão governista, liderada por Olavo de Carvalho, permanecerá ativa na guerra de narrativas ao longo de todo o mandato de Bolsonaro. Isso poderá provocar tensões ocasionais com outros grupos, colocando o presidente em eventual atrito com vozes centristas em momentos de votações importantes no Congresso Nacional.

Crise interna (e sem fim)

A prolongada disputa entre militares e olavistas corrobora para a leitura de que Bolsonaro poderá viver um governo em crise permanente. “Ela está comendo o governo por dentro. Não é uma disputa por cargo, pela direção da Apex ou pelo cargo da Secom”, avalia o consultor de comunicação Thomas Traumann. “Isso é disputa por poder: quem vai comandar o governo Bolsonaro, tirando a economia? Para onde vai o governo?”.

Para ele, caberá a Bolsonaro escolher as batalhas que irá travar ao longo do mandato – e este seria o centro do atrito entre as duas alas da coalizão governista. “Eles vão ajudar a consertar as relações com o resto da sociedade ou vai ser um governo só no confronto? Vão passar o tempo confrontando, tendo seus 30% de popularidade, ou tentarão fazer um governo para a maioria?”, questiona.

Na avaliação de Traumann, a posição brasileira sobre a crise venezuelana é um exemplo claro de que o embate entre militares e olavistas não é meramente ideológico, mas por pautas concretas. O menor envolvimento do país nas tensões no país-vizinhos, diz o especialista, se devem muito à interferência clara dos militares no assunto. De qualquer forma, ele nota um endosso maior do presidente à ala ideológica até o momento.

“Na prática, as ações dele são pró-Olavo. Todos os pronunciamentos do presidente são cuidadosos e extremamente respeitosos com ele. [Bolsonaro] não se exaltou com Olavo xingando o vice [Hamilton Mourão], atacado os militares e o próprio general Villas Bôas. Em nenhum momento, Bolsonaro foi solidário com os militares ofendidos”, pontua.

De qualquer forma, Traumann não espera um desembarque da ala militar do governo, mas que as crises se acumulem ao longo dos anos de gestão e atrapalhem na construção de uma agenda. “Governos enfrentam crises e o governo desperdiça tempo com crises inventadas. Isso não altera o preço no curto prazo. Porém, o governo está desperdiçando energia em um momento em que deveria focar em fazer reforma, em conseguir aprovar uma série de coisas no primeiro ano”, conclui.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.