Bolsonaro promete nova política: é possível um governo sem ‘toma lá, dá cá’?

Militar reformado promete indicar quadros técnicos para ministérios, mas deverá enfrentar Congresso mais fragmentado da história

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) tem dado uma série de acenos na direção de uma nova forma de gerenciar o governo e de se relacionar com o Congresso. O militar reformado diz que não se curvará ao chamado “toma lá, dá cá”, como ficou conhecida a prática de oferta de recursos orçamentários e cargos na administração pública em troca de apoio parlamentar.

Durante a campanha, Bolsonaro prometeu indicar quadros técnicos para comandar as mais diversas áreas do governo, além de sinalizar para um enxugamento no número de pastas e em cargos. Apesar de ganhar o apoio de um eleitorado desiludido com a política e cansado de como se dão as relações nas esferas de poder, o discurso adotado pelo líder nas pesquisas ainda é questionado por analistas.

Para alguns, a conta não é sustentável no longo prazo, sobretudo quando se considera a atual disposição das peças no xadrez político brasileiro. No Congresso mais fragmentado do mundo, especialistas costumam dizer que os desafios para governar não são nada triviais. Ao todo, 30 partidos estarão representados na Câmara dos Deputados na próxima legislatura, 5 a mais do que na atual configuração.

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“Vai ser bastante complicado para Bolsonaro, porque ele prometeu algo na campanha que vai precisar do Congresso para cumprir. Ao mesmo tempo, prometeu para a população que não faria barganha através de cargos para conseguir maioria”, observou André Santos, analista político do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar).

“Se negociar nesses termos de entregar cargos e compartilhar a gestão através de práticas corriqueiras, Bolsonaro não consegue entregar o que prometeu para a sociedade. Ao mesmo tempo, se não negociar nessas bases, ele não terá apoio no Congresso para efetivamente entregar a política pública que está prometendo”, complementou o especialista. Para ele, o militar reformado poderá ter vantagem no jogo durante o início do mandato, mas o namoro dura pouco.

Na avaliação de Santos, a maior taxa de renovação parlamentar dos últimos 20 anos contrasta com um ambiente de manutenção de status quo, que exigirá habilidade política de Bolsonaro para moderar seu discurso. “Houve uma grande circulação de poder, que trouxe renovação estatística, mas não renovação política efetiva de atuação na casa. A tendência do Congresso não traz muitas diferenças do ponto de vista de uma atuação política”, afirmou.

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Um país ingovernável

Na Câmara, o PSL, partido de Bolsonaro, será a segunda maior bancada, com 52 representados, o que corresponde a menos de 11% do total de assentos na casa legislativa. Mesmo com a expectativas de migração de algo entre 10 e 15 parlamentares em caso de vitória do candidato, a sigla não passaria dos 13% de representação na casa. A cláusula de desempenho, que deve deixar 14 partidos sem recursos e provocar migrações de políticos no começo da próxima legislatura, deve ajudar a reduzir o nível de fragmentação registrado na fotografia do resultado das urnas, mas as expectativas continuam por uma gestão complicada da governabilidade.

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Para alterar a Constituição, são necessários pelo menos 308 votos na Câmara. Isso significa que Bolsonaro, pela fotografia das urnas, precisaria contar com apoio mínimo de outros 9 partidos, considerando as maiores bancadas, exceto o PT (que certamente seria oposição neste quadro). Apenas para evitar a abertura de um processo de impeachment, sombra recorrente para governos especialmente em quadros de crise e governabilidade tão comprometida, são necessários 172 parlamentares, entre apoios e abstenções. Excluindo novamente o PT da conta, o número equivale a pelo menos 4 bancadas partidárias. Considerando as menores bancadas, seriam necessários 21 partidos.

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Eis a evolução das bancadas partidárias na Câmara dos Deputados:

PARTIDO ELEITA EM 2014 BANCADA ATUAL* ELEITA EM 2018
PT 69 61 56
PSL 1 8 52
PP 38 50 37
MDB (ex-PMDB) 65 51 34
PSD 36 37 34
PR 34 40 33
PSB 34 26 32
PRB 21 21 30
DEM 21 43 29
PSDB 54 49 29
PDT 20 19 28
SD 15 10 13
PODE (ex-PTN) 4 17 11
PSOL 5 6 10
PTB 25 16 10
PCdoB 10 10 9
Novo 8
PPS 10 8 8
Pros 11 11 8
PSC 13 9 8
Avante (ex-PTdoB) 1 5 7
PHS 5 4 6
Patri (ex-PEN) 2 5 5
PRP 3 4
PV 8 4 4
PMN 3 3
PTC 2 2
DC (ex-PSDC) 2 1
PPL 1 1
Rede 2 1
PRTB 1

* Em 03/09
Fonte: Câmara dos Deputados

O quadro de fragmentação também cresceu no Senado Federal. O resultado das urnas, na disputa por 2/3 dos assentos da casa, indicou uma pulverização de partidos, com um salto de 15 para 21 legendas. O MDB continuou como a maior bancada, mas recuou de 19 representantes para 12, seguido por PSDB, com 8, PSD, com 7, e DEM e PT, ambos com 6.

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Partidos como Podemos, Rede, PSL, PHS, Pros, PRP, PTC e Solidariedade, que não tinham parlamentares após a última eleição, que renovou 1/3 da casa, agora têm representantes. Dessas, ganham destaque a Rede, com 5 senadores eleitos, e o partido de Bolsonaro, com 4. O número, porém, representa 4,94% do total de assentos na casa.

Eis a evolução das bancadas partidárias no Senado Federal:

PARTIDO BANCADA EM 01/02/2015 PREVISÃO PARA 01/02/2019*
MDB (ex-PMDB) 19 (23,45%) 12 (14,81%)
PSDB 11 (13,58%) 8 (9,87%)
PSD 4 (4,93%) 7 (8,64%)
DEM 5 (6,17%) 6 (7,40%)
PT 13 (16,04%) 6 (7,40%)
PP 5 (7,40%) 6 (7,40%)
PODE (ex-PTN) 5 (6,17%)
Rede 5 (6,17%)
PDT 6 (7,40%) 4 (4,93%)
PSL 4 (4,93%)
PTB 3 (3,70%) 3 (3,70%)
PHS 2 (2,46%)
PPS 1 (1,23%) 2 (2,46%)
PR 4 (4,93%) 2 (2,46%)
PSB 6 (7,40%) 2 (2,46%)
PRB 1 (1,23%) 1 (1,23%)
Pros 1 (1,23%)
PRP 1 (1,23%)
PSC 1 (1,23%) 1 (1,23%)
PTC 1 (1,23%)
SD 1 (1,23%)
PCdoB 1 (1,23%)
PSOL 1 (1,23%)
Sem partido 1 (1,23%)

* Composição ainda depende do resultado das disputa de segundo turno em governos estaduais
Fonte: Senado Federal

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Caminhos possíveis (?)

Mesmo em meio ao quadro de excessiva fragmentação partidária nas duas casas legislativas, Bolsonaro tem dado sinalizações ousadas em direção a um novo pacto de governabilidade, sem lastro em nomeações para cargos no governo. Ele defende que indicações políticas geram ineficiência do Estado e criam um ambiente propício para a corrupção.

“A nocividade de termos deste quadro fragmentado é o que ocasionou o que vemos em matéria de corrupção, inchaço da máquina pública, criação de cargos de estatais, indicações políticas. No governo Fernando Henrique, conversava-se com 4 ou 5 líderes partidários para passar as matérias de interesse do país. Hoje não, você tem que conversar com 19 líderes. Sem falar em partidos que no Sul votam mais à direita e no Nordeste são fisiológicos”, observou o deputado estadual eleito Frederico D’Ávila (PSL-SP), um dos interlocutores de Bolsonaro com o agronegócio.

Além de critérios técnicos para indicações nos ministérios, uma estratégia ventilada para a construção de governabilidade na gestão Bolsonaro é a negociação via bancadas informais, o que diminuiria a força dos partidos. Ao longo desta campanha eleitoral, a Frente Parlamentar Agropecuária, que conta com 261 dos 594 deputados e senadores, declarou apoio ao candidato do PSL. Acompanhou o movimento a Frente Parlamentar Evangélica, que tem 203 congressistas. Um contraponto feito por alguns analistas é que tais bancadas mostram coesão apenas em pautas que lhes interessam, setoriais, o que seria insuficiente para garantir a sustentação de um governo pelo tempo.

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“Se quisermos continuar aceitando esse regramento que existiu até hoje, não vamos ter resultado diverso nenhum. O que vejo é que Jair sempre teve boa relação com seus pares na Câmara. São pessoas, não partidos. Então, acho que, nesse primeiro momento, vai ser um acordo com pessoas que representam ideias alinhadas com o que ele acredita. Depois, com a evolução do quadro partidário, a gente consiga deixar uma estrutura melhor para um segundo mandato, seja dele ou de quem for”, disse D’Ávila em entrevista à InfoMoneyTV.

“O jogo até hoje foi o que você conhece: loteamento de cargo, indicação política para cargo técnico, divisão de ministério etc. Isso vai ser mudado e as pessoas vão ter que se acostumar com a nova regra do jogo. Os parlamentares vão ter que entender que são parlamentares, e não parasitas de governo”, complementou o parlamentar aliado de Bolsonaro. Embora a medida seja de difícil aplicação, há um quase consenso de que os partidos políticos perderam força na atual conjuntura, o que daria fôlego a ensaios por mudanças de práticas.

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Para o analista político Carlos Eduardo Borenstein, da consultoria Arko Advice, a gestão da governabilidade em caso de uma vitória de Bolsonaro nas urnas ainda é uma das grandes incertezas neste momento. “Pelo discurso, acho pouco provável que ele mude a ideia da adoção de uma coalizão a partir de bancadas setoriais. O grande desafio que vejo é como gerenciar o fato de que o líder de uma bancada setorial vai pertencer a um partido e terá que falar por diferentes siglas. Como os interesses acabam sendo antagônicos em diversas situações, ele pode ser levado a fazer negociações no varejo”, disse.

“Por outro lado, como é um parlamento com índice alto de renovação e por ter um número elevado de congressistas eleitos em função da vinculação com Bolsonaro, penso que poderá haver uma fidelidade maior. Há espaço de negociação com os outsiders. Outro aspecto importante é que, de um modo geral, existe uma crítica na opinião pública ao presidencialismo de coalizão. Em face disso e até por sua capacidade de mobilização, ele pode ter uma base social com capacidade de pressionar o Congresso e aprovar sua agenda de interesse”, complementou o especialista.

Conforme observa Borenstein, se o cenário indicado pelas pesquisas se confirmar, é possível que Bolsonaro saia das urnas com o maior capital político desde Lula. Ele acredita que, ao menos em um primeiro momento, um forte apoio popular pode ampliar o clima de governismo no Congresso. “Mesmo os parlamentares com mais tempo de casa poderão ceder no curto prazo, em face da vocação governista do Legislativo e também em face da força que virá das urnas. Dificilmente manifestariam insatisfação, ao menos no começo”, avaliou.

A ausência da discussão de grandes temas no processo eleitoral, contudo, atrapalharia na condução de uma agenda mais dura logo no início do mandato, assim como possíveis embates entre figuras novas e parlamentares mais antigos. Tais fatores podem ser mitigado pela derrota de lideranças relevantes da esquerda nas urnas em 7 de outubro e pelo crescimento de partidos liberais-conservadores.

Na avaliação da cientista política Suelma Rosa, vice-presidente do conselho deliberativo do Irelgov (Instituto de Relações Governamentais), ainda há dúvidas sobre como se dará a relação de poder entre os quatro maiores pilares da campanha de Bolsonaro: agronegócio, evangélicos, militares e mercado. Ela acredita que o quadro nebuloso se estende pela formação da coalizão de um eventual governo.

“Ainda que não tenha sido de fato um deputado expressivo, Bolsonaro conhece o Congresso por dentro e sabe como funciona o sistema. Talvez ele não tenha a habilidade que o presidente Michel Temer tenha demonstrado ao longo de sua carreira, mas ele conhece a lógica. Ele sabe que, para formar essa coalizão, vai precisar barganhar. Ele pode fazer de maneira programática, que sonhava fazer Marina Silva. O Congresso nunca se comportou assim, é difícil antever essa postura”, observou.

“Bolsonaro também pode fazer como Fernando Henrique, trocando projetos de lei, mas para isso ele vai ter que ser capaz de estabelecer claramente quais são suas prioridades. Ou ele vai trabalhar como o governo Temer trabalhou, distribuindo pastas. Talvez não no primeiro escalão, porque ele vem prometendo nomes de sub-celebridades para ocupar esses cargos, mas no segundo e no terceiro escalões”, complementou a especialista.

Qualquer que seja a estratégia implementada, Suelma espera um início de mandato marcado por esforços na manutenção de apoio popular e em uma tentativa de reconstrução da imagem externa do Brasil. “Todas as narrativas que estão sendo publicadas e construídas externamente sobre um potencial governo dele vêm denegrindo a imagem do país. Então, Bolsonaro também vai ter que fazer uma construção externa”, pontuou. Ela acredita que o militar reformado tente agendas alinhadas ao núcleo do seu eleitorado inicialmente, o que será importante na manutenção da sustentação do possível governo.

Já Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores, diz que ainda é cedo avaliar se a aposta de que o governo Bolsonaro naufragará em seis meses, comum até pouco tempo atrás no meio político, se confirmará ou se revelará prima-irmã da previsão de derretimento eleitoral do candidato. O especialista chama atenção para a ainda desconhecida interação de grupos heterogêneos que devem compor a coalizão governista.

“Há, para começar, o clã Bolsonaro, o capitão e seus ‘garotos’ levados que falam ser possível fechar o STF com ‘um cabo e um soldado’ e compartilham foto de simulação de tortura, entre outras peraltices. Há ainda os militares e suas preocupações com a proteção estatal a setores estratégicos e com a preservação nacionalista dos interesses do país. Há o entorno político, composto pelos poucos parlamentares que aderiram ao projeto Bolsonaro presidente desde o início e que, até antes de ontem, pertenciam ao baixo clero do Congresso e faziam discursos raivosos contra a reforma da Previdência. Por fim, há o liberalismo de Paulo Guedes e seus pupilos, que gostam de ‘pensar fora da caixa'”, dissecou Ribeiro.

“Qual será a resultante dessa combinação? Por enquanto, as divergências parecem estar sendo tratadas na base do ‘vamos discutir isso (os detalhes da reforma da Previdência, por exemplo) depois; o importante agora é não fazer marola e ganhar a eleição’. O momento da tomada de decisões, contudo, está próximo”, complementou o analista político. Além dessas incertezas, Bolsonaro deverá contar com uma tropa majoritariamente inexperiente, o que amplia as dúvidas sobre os caminhos a serem seguidos. Mesmo com tantos desafios, a aposta do analista é de um governo que sobreviva bem aos primeiros seis meses e que, ao menos de início, tenha relativo sucesso na execução de uma pauta que combine medidas econômicas e ações voltadas à segurança pública.

Tal percepção pode ser ampliada se Bolsonaro continuar dando acenos, ainda que tímidos, a lideranças mais tradicionais do Congresso. “Se Bolsonaro de fato investir na construção de pontes com lideranças mais experientes no Congresso, como é o caso de Rodrigo Maia [para a presidência da Câmara], terá condições mais propícias para aproveitar a boa vontade que, a nosso juízo, a maioria dos deputados e senadores terá para com ele e seu governo no começo de 2019″, avaliou Ribeiro. No cardápio, a independência do Banco Central pode ser um aperitivo aos agentes econômicos para os primeiros meses de governo, caso as engrenagens estejam devidamente azeitadas.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.