Bolsonaro ofereceu indulto se invasão de urnas fosse bem-sucedida, diz hacker à CPMI do 8 de Janeiro

Questionado por parlamentares, Walter Delgatti Neto disse que esteve com o ex-presidente e também participou de reuniões na Defesa

Luís Filipe Pereira

Brasília (DF) 17/08/2023 - O hacker de Araraquara, Walter Delgatti durante depoimento na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Atos de 8 de Janeiro de 2023. Foto: Lula Marques/Agência Brasil

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Em depoimento à CPMI do 8 de Janeiro, o hacker Walter Delgatti Neto afirmou, nesta quinta-feira (17), que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) lhe prometeu indulto para invadir urnas eletrônicas e assumir um suposto grampo do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

“Segundo ele [Bolsonaro], o grampo já havia sido realizado, com conversas comprometedoras do ministro, e eles queriam que eu assumisse a autoria desse grampo, lembrando que à época eu era o hacker da Lava Jato”, detalhou Delgatti aos parlamentares. À comissão, ele afirmou que concordou em assumir o grampo, porque era um pedido do presidente da República.

Delgatti disse que a conversa com Jair Bolsonaro ocorreu após encontrar a deputada Carla Zambelli (PL-SP) em um posto de gasolina, e que ela inseriu um chip num celular “aparentemente novo”, antes de ligar para o então presidente da República. O hacker afirmou ainda que Bolsonaro lhe contou que o grampo havia sido realizado por agentes de outro país e lhe disse: “Fique tranquilo, se por acaso alguém lhe prender eu mando prender o juiz”, e deu risada.

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Questionado pela relatora do colegiado, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), Delgatti também informou que, no dia 9 de agosto do ano passado, participou de dois encontros. Uma das reuniões foi com o presidente do PL, Waldemar Costa Neto, os advogados dele, o irmão e o marido de Carla Zambelli em que trataram de assuntos “técnicos”. E outra com o marqueteiro Duda Lima, em que eles teriam discutido ações para colocar em dúvida a credibilidade das urnas eletrônicas, mostrando, por exemplo, que era possível apertar um voto e sair impresso outro.

“Após isso, a deputada [Carla Zambelli] me disse que eu precisava invadir algum sistema de Justiça, ou o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] em si, para mostrar a fragilidade do sistema”, relatou o depoente. Em seguida, ele teria invadido os sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e de todos os tribunais do País.

Delgatti foi preso no dia 8 de agosto pela Polícia Federal acusado de invadir o sistema do CNJ, e de outros tribunais, e de forjar um mandado de prisão falso contra o ministro Alexandre de Moraes.

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Na quarta-feira (16), Walter Delgatti voltou a afirmar à PF que recebeu R$ 40 mil de Zambelli para invadir sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e inserir falsos documentos e alvarás de soltura. Aos agentes, o hacker citou uma conversa e indicou pessoas próximas a Carla Zambelli envolvidas na invasão, conforme informou o advogado Ariovaldo Moreira.

Questionado pela relatora Eliziane Gama sobre o motivo da invasão dos sistemas do Judiciário, Delgatti afirmou que, como o ministro Alexandre de Moraes dizia que o sistema era inviolável, seria uma forma de desmoralizar a Justiça brasileira.

“Uma forma de mostrar a fragilidade seria o quê? Eu invadindo e despachando, como se fosse o ministro, com o token (dispositivo gerador de senha) dele, a assinatura dele, um mandado de prisão contra ele mesmo. Inclusive, no final, eu falo: publique-se, intime-se e faça o L”, explicou.

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O hacker complementou dizendo que cometeu o crime de invadir os sistemas do Judiciário porque a deputada Zambelli o teria prometido um emprego, o que não se concretizou. Posteriormente, Delgatti pediu dinheiro adiantado para pagar as contas. Ele disse que recebeu, ao todo, R$ 40 mil. A parlamentar nega as ilegalidades e diz que o contratou para cuidar das redes sociais dela.

Em nota divulgada na tarde de hoje, o advogado Daniel Bialski, que defende Zambelli, “refuta e rechaça qualquer acusação de prática de condutas ilícitas e ou imorais pela parlamentar, inclusive, negando as aleivosias e teratologias mencionadas pelo senhor Walter Delgatti”.

Parlamentares da base governista, como os deputados Rogério Correia (PT-MG), Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) e Rubens Pereira Júnior (PT-MA), vice-líder do governo na Câmara, alegaram que os episódios narrados por Delgatti à comissão faziam parte de uma estratégia utilizada pelo grupo do ex-presidente Jair Bolsonaro para causar caos social e criar condições impróprias para a votação ocorrer. O grupo alega que as atividades realizadas por Delgatti levaram parte da população a acreditar que houve fraude no processo eleitoral no ano passado, impulsionando os atos de vandalismo praticados em Brasília no 8 de Janeiro.

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“Não podemos ter a palavra de uma pessoa que pratica crimes em série como verdade”, rebateu o senador Sergio Moro (União-PR), que utilizou seu momento de fala para questionar Delgatti sobre a participação dele em casos de estelionato. Houve um princípio de discussão entre ambos, e o hacker chamou o senador paranaense de “criminoso contumaz”. No passado, o ex-juiz Sergio Moro viu seu protagonismo na operação Lava Jato ser questionado pela opinião pública com o vazamento de mensagens expondo bastidores da operação, em ação realizada pelo hacker Delgatti, e que ficou conhecida como Vaza Jato.

Na segunda etapa de seu depoimento, durante a tarde, Walter Delgatti Neto optou por não responder às perguntas de parlamentares da oposição. Ele decidiu utilizar o direito ao silêncio, concedido pelo STF.

“Essa narrativa que foi construída aqui a manhã inteira de que ele teria sido contratado pra fraudar as eleições é uma mentira.” Segundo Flávio Bolsonaro, as conversas com Delgatti sempre foram no sentido de que ele demonstrasse seus conhecimentos para oficialmente instruir o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na melhoria das urnas. “Foi nesse aspecto que o senhor foi contactado, então pra que ficar mentindo aqui? O senhor está ganhando dinheiro de alguém pra fazer isso aqui?”, indagou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

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O senador Marcos Rogério (PL-RO) classificou o depoimento de “enredo ensaiado” e questionou a ausência de provas. Rogério também alertou para o fato de Delgatti já ter habeas corpus, mas ter usado a prerrogativa apenas durante as perguntas de parlamentares da oposição. “Quando senadores de oposição passam a questionar, você opta pelo silêncio. Até então, falava até o que não era perguntado. Estava se sentindo em casa. O seu silêncio fala mais do que suas palavras para agradar os membros do governo aqui hoje”, criticou.

Relatório da Defesa sobre urnas

Delgatti afirmou que se reuniu, em outra ocasião, com Bolsonaro, Zambelli, o ajudante de ordens do presidente Mauro Cid e o general Marcelo Câmara ainda para discutir a fragilidade das urnas eletrônicas. Bolsonaro, segundo o hacker, lhe garantiu que também receberia um indulto se fosse preso por ações relativas à urna eletrônica.

O hacker relatou aos deputados e senadores ter ido ao Ministério da Defesa em pelo menos cinco ocasiões, sempre entrando pela porta dos fundos. A ideia inicial era ele mesmo inspecionar o código-fonte das urnas eletrônicas, mas isso não aconteceu porque o código fica em um equipamento sem acesso à internet, segundo Delgatti. Na Defesa, ele relatou que houve encontros com o então ministro, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, além de servidores ligados a área de Tecnologia da Informação da pasta.

Ainda segundo Delgatti, como a análise do código-fonte da urna eletrônica só poderia ser feita na sede do TSE, os técnicos do Ministério da Defesa repassavam a ele as informações colhidas no Tribunal. “Eles iam até o TSE e me repassavam o que eles viam, porque eles não tinham acesso à internet, eles não podiam levar uma parte do código; eles acabavam decorando um pedaço do código e me repassando”, explicou.

Delgatti ainda reforçou que o relatório das Forças Armadas – documento enviado ao TSE com questionamentos ao processo eleitoral, e que não excluía a possibilidade de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas – foi integralmente orientado por ele. “Eu posso dizer hoje que, de forma integral, aquele relatório tem exatamente o que eu disse, não tem nada menos e nada mais”, concluiu.

O depoimento prossegue durante a tarde.

(Com Agências)