Bolsonaro e o Congresso: os 7 passos da crise política e a nova tentativa de pacificação

Os episódios tragaram o otimismo dos investidores ao longo de uma semana, fazendo com que o Ibovespa perdesse 7.700 pontos e voltasse a patamares de janeiro

Marcos Mortari

(Antonio Cruz/ Agência Brasil)

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SÃO PAULO – Uma sucessão de ataques entre o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), marcou um novo capítulo da atual crise política, com desencontros entre o governo e o Congresso Nacional. Os episódios tragaram o otimismo dos investidores ao longo de uma semana, fazendo com que o Ibovespa voltasse a níveis de janeiro.

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A percepção é que o impasse imporia novos desafios para a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da reforma da Previdência, encaminhada pelo governo ao parlamento há mais de um mês, mas que ainda patina em sua tramitação. Tudo isso custou pouco menos de 7.700 pontos do Ibovespa, em um mergulho acumulado de 7,72%, movimento que começa a ser desfeito com a forte alta desta quinta-feira (28).

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Entenda os principais passos da crise entre o governo Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional:

1. Pacote anticrime

A paralisia na tramitação das propostas que compõem o chamado “pacote anticrime e contra a corrupção”, apresentadas há mais de um mês pelo governo ao Congresso Nacional, levou o ministro Sérgio Moro (Justiça) a cobrar do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), avanços nos textos. O ex-magistrado defendia que sua agenda tramitasse conjuntamente à reforma da Previdência.

Há duas semanas, Maia havia determinado a criação de um grupo de trabalho para discutir com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e a comunidade jurídica o pacote e duas outras propostas relacionadas ao tema. Como o grupo tem prazo de 90 dias para debater as propostas, a tramitação legislativa dos textos foi praticamente suspensa no período.

Em resposta às cobranças, Maia desqualificou o projeto, dizendo que o texto é um “cópia e cola” de proposta sobre o mesmo tema apresentada no ano passado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). O deputado ainda chamou o ministro de “funcionário do presidente Jair Bolsonaro” e já havia sido acordado com o governo que a casa legislativa priorizaria a reforma da Previdência.

A multiplicidade de pautas do governo tem sido apontada por analistas políticos como um dos grandes riscos à tramitação da reforma previdenciária no parlamento. Por outro lado, o pacote de Moro tem apresentado maior capacidade de mobilização da base bolsonarista. Isso poderia desviar o foco da reforma do sistema de aposentadorias, prioridade para Maia.

2. Carlos Bolsonaro provoca Maia

O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, questionou pelo Twitter: “Por que o presidente da Câmara anda tão nervoso?”. A posição ilustra o movimento nas redes sociais, com o presidente da Câmara dos Deputados sendo alvo de críticas intensas pela opinião pública digital.

Além de ataques de grupos contrários à reforma previdenciária, Maia também foi alvo de segmentos do bolsonarismo mais interessados no avanço do pacote anticrime do que na proposta que trata do sistema de aposentadorias brasileiro. Por ser o comandante da pauta da casa legislativa e o principal fiador da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) lá, tornou-se alvo nas redes.

3. Fora da articulação

Irritado com as manifestações do filho do presidente, Maia teria ligado, na quinta-feira da semana passada, para o ministro Paulo Guedes (Economia) dizendo enxergar nos ataques sofridos um sinal de que o governo não precisa de sua ajuda nos trâmites da reforma da Previdência. O deputado teria avisado que deixaria a articulação política em torno da proposta.

“Eu estou aqui para ajudar, mas o governo não quer ajuda”, disse Maia, segundo deputados que estavam ao seu lado no momento do telefonema. “Eu sou a boa política, e não a velha política. Mas se acham que sou a velha, estou fora”, teria dito o presidente da Câmara, conforme reportou o jornal O Estado de S.Paulo.

Procurado pelo jornal O Globo na ocasião, Maia disse que pautaria a proposta quando Bolsonaro disser que tem votos suficientes. “A responsabilidade do diálogo com os deputados daqui para frente passa a ser do governo. É ele que vai negociar com os deputados. A reforma da previdência continua sendo a minha prioridade, mas essa responsabilidade de articular com os deputados para construir uma base sólida é do presidente da República, não do presidente da Câmara”, disse.

4. Troca de farpas à distância

Durante o fim de semana, em sua visita ao Chile, Bolsonaro atacou o que chamou de “velha política”, o que desencadeou novos atritos em relação ao parlamento. “Na política tradicional, existem reações ainda por parte de alguns da classe política. Mas acredito que a maioria não esteja contaminada com a velha política. E nós precisamos fazer as reformas”, disse.

Maia, em Brasília, replicou: “Ele não pode terceirizar a articulação como estava fazendo. Transfere para o presidente da Câmara e para o presidente do Senado uma responsabilidade que é dele e fica transferindo e criticando. Ele precisa assumir essa articulação porque ele precisa dizer o que é a nova política”.

Em uma tréplica à distância, Bolsonaro continuou: “A bola está com ele, não está comigo. Já fiz minha parte, entreguei e o compromisso dele regimental é despachar e o projeto andar dentro da Câmara. Nada falei contra Rodrigo Maia, muito pelo contrário”.

“Eu não o critiquei, nada disso aconteceu. Não sei por que ele, de repente, está se comportando dessa forma um tanto quanto agressiva no tocante à minha pessoa”, afirmou. O presidente ainda indagou o que seria a “articulação política” cobrada dele para a aprovação da reforma da Previdência e comparou tal conduta com práticas de corrupção reveladas em outras gestões.

Maia, por sua vez, disse que o clima havia sido iniciado pelo próprio presidente e seus aliados nas redes sociais. A troca de farpas pública à distância trouxe preocupações sobre o andamento das proposições legislativas do governo no parlamento, sobretudo a reforma previdenciária.

5. Tensão na CCJC
Ampliando o clima adverso entre governo e parlamento, o ministro Paulo Guedes (Economia) cancelou sua participação em audiência pública na CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) da Câmara dos Deputados na última terça-feira (26), o que provocou incômodo entre os deputados e culminou em um novo atraso na tramitação da reforma previdenciária.

A oposição pressiona para que sequer o relator seja escolhido até que Guedes participe de audiência pública. O ministro, porém, quer participar apenas quando este nome for anunciado, o que define um outro momento para a tramitação da matéria. Nos bastidores, havia uma preocupação com os ataques que Guedes sofreria até mesmo na base aliada.

6. Derrota em plenário

No mesmo dia, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, em votação relâmpago, PEC que torna o Orçamento ainda mais engessado, reduzindo o poder de decisão do Executivo. O texto classifica como obrigatório o pagamento de despesas que hoje podem ser adiadas (como emendas de bancadas estaduais e investimentos em obras). O resultado ocorre a despeito de esforços feitos por governistas para evitar tal quadro.

Em audiência pública realizada ontem na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado Federal, Guedes disse que a iniciativa tinha ganhos e perdas. De um lado, pode agravar a crise fiscal e aproximar o rompimento do teto de gastos caso a situação fiscal não seja remediada. Do outro, ele vê como legítimo que parlamentares tenham maior poder de decisão sobre a destinação de recursos públicos.

“O lado que está carimbando mais ainda eu não gosto. Porque o que vai acontecer é que vai estourar o teto de gastos mais cedo bem mais rápido. Por outro lado, acho que ninguém mais legítimo para gastar o dinheiro do que um deputado que foi eleito, muito mais do que qualquer ministro”, disse.

7. Segundo round

Após esforços de ministros e aliados para acalmar os ânimos no Legislativo, ontem Bolsonaro disse em entrevista à TV Bandeirantes que Maia estava com “problemas pessoais”, sem entrar em detalhes se estava se referindo à prisão do ex-ministro Moreira Franco, casado com sua sogra.

“Não tenho problema com Rodrigo Maia. Nada, zero problema com ele. Ele está um pouco abalado com questões pessoais que vêm acontecendo na vida dele. Não quero entrar em detalhes, coisas pessoais, que logicamente isso passa por esse estado emocional dele no momento”, disse.

A fala abriu uma nova série ataques. Em resposta aos comentários, Maia disse que o presidente precisava parar de “brincar de presidir o Brasil”. Ele chegou a dizer que estava na “hora de parar”.

“Abalados estão os brasileiros que estão esperando desde 1º de janeiro que o governo comece a funcionar. São 12 milhões de desempregados, 15 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza, capacidade de investimento do Estado brasileiro diminuindo, 60 mil homicídios…”, afirmou Maia em referência aos comentários de que estaria abalado por problemas pessoais.

Na sequência, porém, Bolsonaro rebateu: “Não existe brincadeira de minha parte. Muito pelo contrário. Quero não acreditar que ele tenha falado isso”. “Se foi isso que ele disse mesmo, eu lamento. Não é palavra de uma pessoa que conduz uma casa [legislativa]“, completou.

“Eu não vou responder. Eu sei muito bem o que eles têm usado de palavras contra mim. Palavras de baixo calão, grosserias. Então, é engraçado que uma pessoa que acha graça neste tipo de palavreado na internet faça algum tipo de crítica, mas eu prometi que acabou”, retrucou o presidente da Câmara.

Pacificação

Após a troca de farpas, uma nova tentativa de pacificação foi iniciada. O presidente Jair Bolsonaro disse que a crise com Rodrigo Maia era “página virada” e comparou os episódios recentes a uma “chuva de verão”. “Outros problemas acontecerão, com toda a certeza. Mas, pode ter certeza, na minha cabeça e na dele, o Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”, disse.

Já o presidente da Câmara, se reuniu com Paulo Guedes em um esforço para acalmar os ânimos entre Executivo e Legislativo. Depois do encontro, Maia disse que “o assunto está encerrado” e que o foco era a retomada da tramitação da reforma da Previdência.

As expectativas agora são de que o relator do texto na CCJC seja apresentado e o texto avance no colegiado. Depois desta etapa, ainda será necessária tramitação em comissão especial, onde a matéria será discutida no mérito. Por fim, o texto vai a plenário, onde precisa de apoio mínimo de 3/5 dos deputados (308 votos) em dois turnos de votação. Na sequência, é encaminhada para o Senado Federal.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.