Bolsonaro deixa “guerra do ICMS” e aposta em PEC dos Auxílios a 100 dias das eleições

Atrás nas pesquisas, presidente aposta em aumento do Auxílio Brasil, auxílio-gás e "voucher caminhoneiro" para recuperar popularidade

Marcos Mortari

O presidente Jair Bolsonaro (PL) em audiência com o Secretário-Geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). (Foto: Isac Nóbrega/PR)

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O senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) apresenta, na terça-feira (28), seu relatório para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 16/2022.

Conhecida originalmente como PEC dos Combustíveis, a matéria sofreu profunda modificação depois que o governo federal desistiu de seu plano inicial para derrubar os preços dos combustíveis a partir de um corte mais agressivo de impostos.

A expectativa era que o substitutivo fosse protocolado nesta segunda-feira (27), mas o relator pediu mais tempo para a conclusão de avaliações técnicas e jurídicas. Uma entrevista coletiva para a apresentação do texto está marcada para as 18h (horário de Brasília) desta terça.

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Em sua versão original, a PEC, assinada pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ), líder do governo no Senado Federal, previa a compensação financeira pelo governo federal a estados que aceitassem: 1) zerar a alíquota de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) cobrada sobre o óleo diesel e o gás de cozinha; 2) reduzir para 12% a alíquota do tributo sobre o etanol hidratado.

As linhas gerais do plano haviam sido anunciadas pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (PL), três semanas atrás, em evento convocado às pressas no Palácio do Planalto. A ideia seria aprofundar a redução de impostos prevista em projeto de lei complementar (PLP 18/2022) que estabelecia alíquota máxima entre 17% e 18% para o ICMS cobrado sobre combustíveis, sancionado com vetos na última sexta-feira (24).

Pela PEC, o auxílio financeiro aos estados seria limitado a R$ 29,60 bilhões, pagos em cinco parcelas de R$ 5,92 bilhões a partir de 31 de agosto, para compensar as perdas de arrecadação resultantes da renúncia fiscal. Mas a ideia ficou pelo caminho.

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No lugar da compensação aos entes, o substitutivo agora deve trazer a previsão de aumento de R$ 200,00 nos repasses mensais do Auxílio Brasil (programa que substitui o Bolsa Família desde dezembro de 2021), que passariam a uma média de R$ 600,00 – mesmo patamar do auxílio emergencial no período mais crítico da pandemia de Covid-19.

A proposta também passará a contar com um reajuste do auxílio-gás, de modo a garantir a compra de um botijão a cada dois meses, além da criação do “voucher caminhoneiro”, para o abastecimento de diesel, no valor de R$ 1.000,00, para cerca de 900 mil transportadores autônomos. Todas as medidas valem apenas até o final de 2022.

Há também perspectiva de custeio de gratuidade do transporte coletivo para idosos e subsídio ao setor de etanol.

A mudança da proposta já havia sido antecipada por Portinho, com o aval do Palácio do Planalto. Como justificativa do movimento, o parlamentar disse que as novas medidas surgiram para garantir uma efetiva ajuda às pessoas e diante do “receio” de que governadores não tenham a “mesma sensibilidade” de zerar o ICMS sobre os combustíveis.

O relator Fernando Bezerra Coelho, que foi líder do governo no Senado Federal até dezembro do ano passado, agora estima o impacto fiscal da medida em R$ 34,8 bilhões de crédito extraordinário, fora do teto de gastos, e não os R$ 29,6 bilhões previstos anteriormente.

São R$ 21,6 bilhões com o aumento de R$ 200,00 do Auxílio Brasil; outros R$ 5,4 bilhões com o “vale caminhoneiro”; enquanto o dobro do “vale gás” implicaria em R$ 1,5 bilhão adicional. Se houver avanço sobre a gratuidade do transporte coletivo para idosos, a conta aumenta em R$ 2,5 bilhões, além de R$ 3,8 bilhões para o subsídio do etanol.

A ideia é que a proposta tenha um mecanismo que retire as novas despesas do teto de gastos – regra constitucional que limita a evolução dos gastos públicos à variação da inflação em um ano.

Se confirmado o movimento, seria mais um drible à regra fiscal pelo governo Jair Bolsonaro, que no ano passado usou uma PEC que tratava de mudança no método de pagamento de precatórios (dívidas judiciais do governo sem possibilidade de recurso) para modificar a norma.

Contra o tempo…

A PEC 16/2022 é discutida a pouco mais de três meses das eleições, em um momento de dificuldades para a campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) por mais um mandato à frente do Palácio do Planalto.

A medida é apontada como nova cartada do mandatário, que corre contra o tempo para recuperar popularidade e melhorar seu desempenho nas pesquisas eleitorais. Auxiliares de Bolsonaro avaliam que a inflação elevada e a perda de poder de compra da população seriam hoje os principais obstáculos para o mandatário.

Os últimos levantamentos divulgados mostram que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mantém a dianteira da disputa, derrotando todos os adversários nas simulações de segundo turno e com chances de vencer no primeiro.

De acordo com pesquisa Datafolha divulgada na última quinta-feira (23), se a eleição fosse hoje, Lula derrotaria Bolsonaro em eventual segundo turno, com 57% das intenções de voto, contra 34% do atual presidente.

Em simulação de primeiro turno, Lula concentra 47% das intenções de voto, contra 28% de Bolsonaro, segundo colocado. No cenário espontâneo, são 37% a 27% a favor do petista.

E a vantagem entre os eleitores com menor renda seria a principal explicação para a fotografia. Segundo o levantamento, Lula é o candidato escolhido por 63% dos entrevistados com renda familiar mensal de até 2 salários mínimos, em cenário estimulado de primeiro turno, enquanto 23% escolhem Bolsonaro. Este grupo representa 52% da amostra do levantamento.

O mesmo levantamento mostra que Lula e Bolsonaro estão tecnicamente empatados entre os eleitores com renda familiar mensal entre 2 e 5 salários mínimos: 39% a 35%, respectivamente, diferença dentro da margem máxima de erro.

Mas na medida em que a renda aumenta, Bolsonaro passa à frente. Entre aqueles com renda de 5 a 10 salários, o presidente lidera por 44% a 29% no primeiro turno. Já nos grupos com mais de 10 salários mínimos mensais, o placar é 47% a 35%. Mas esses dois grupos representam apenas 11% do eleitorado.

O quadro é similar ao apresentado pela pesquisa Genial/Quaest, de 8 de junho. Nela, Lula lidera com 32% das intenções de voto no cenário geral espontâneo, enquanto Bolsonaro aparece com 20%. Nas simulações estimuladas de primeiro turno, o petista varia entre 46% e 48%, contra 29%-30% do atual presidente. Em eventual disputa em segundo turno, Lula venceria por 54% a 32%.

Nas segmentações do primeiro turno, Lula conta com o apoio de 57% dos eleitores com renda familiar mensal de até dois salários mínimos, e de 46% do público que recebe entre 2 e 5 salários mínimos. Já Bolsonaro tem 22% e 31% das intenções de voto desses grupos, respectivamente. Já entre aqueles com renda superior a 5 salários, o petista aparece com 37%, contra 36% do atual presidente.

Com o Auxílio Brasil “turbinado”, Bolsonaro quer reduzir a vantagem de Lula na faixa com menor renda da pirâmide social e, assim, equilibrar a corrida presidencial. O movimento, porém, não é simples.

Nos melhores momentos de avaliação de seu governo, quando o auxílio emergencial de R$ 600,00 chegou a ser distribuído, Bolsonaro colhia um nível de ótimo/bom de 37% na população em geral e de 35% entre aqueles com renda de até 2 salários mínimos, segundo o Datafolha.

Naquela época (agosto de 2020), no entanto, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) era de 2,44% ao ano, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com a inflação agora mais alta, a boa vontade do eleitorado pode ser menor mesmo com a volta de um repasse mais generoso.

A mesma pesquisa Genial/Quaest de 8 de junho também mostrou que Bolsonaro colhe hoje uma rejeição maior entre eleitores que recebem Auxílio Brasil (51%) do que daqueles não contemplados pelo programa (47%).

…E contra os riscos jurídicos

Críticos ao governo denunciam o caráter eleitoreiro da medida patrocinada por Bolsonaro por meio da PEC 16/2022.

Alguns alegam que a medida poderia esbarrar em restrições previstas na Lei Eleitoral, que, no ano do pleito, veda “a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios (…) exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior”.

Uma das formas de blindar Bolsonaro dos riscos da Justiça Eleitoral foi a de fazer o plano tramitar por PEC no Senado Federal de autoria de um parlamentar, e não do próprio presidente. Por se tratar de PEC, o texto também não passa por sanção presidencial, apenas por promulgação pelo Congresso Nacional após sua tramitação.

Com esses dois movimentos, as impressões digitais de Bolsonaro estariam fora do programa, embora os benefícios eleitorais à candidatura do mandatário sejam estimados e aguardados por seu entorno.

Em busca de mais proteção, Bolsonaro assinou, nesta segunda-feira, um decreto para permitir que a Advocacia-Geral da União (AGU) dê o parecer final sobre “os tópicos em propostas de atos normativos que gerem dúvidas quanto à conformação com as normas de Direito Eleitoral e de Direito Financeiro, no último ano do mandato presidencial”.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.