Bolsonaro cita Flávio Dino e defende “retórica” sobre alegação de fraude eleitoral

Ex-presidente compara críticas às urnas com declarações de ministro do STF e faz balanço positivo de sua gestão

Marina Verenicz

Jair Bolsonaro durante interrogatórios dos réus da Ação Penal (AP) 2668

Foto: Ton Molina/STF
Jair Bolsonaro durante interrogatórios dos réus da Ação Penal (AP) 2668 Foto: Ton Molina/STF

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O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta terça-feira (10) os interrogatórios sobre a suposta trama golpista de 2022, com Jair Bolsonaro prestando depoimento como sexto réu na ação penal que envolve 31 pessoas. O caso investiga uma suposta conspiração para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva após as eleições de outubro de 2022.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) aponta Bolsonaro como figura central da trama, que teria envolvido militares de alta patente e autoridades do governo federal. Durante seu interrogatório, o ex-presidente adotou uma estratégia de relativizar suas declarações sobre fraudes eleitorais e fazer um balanço positivo de seu governo.

Comparação com Flávio Dino

Questionado sobre suas declarações durante e após as eleições de 2022 questionando a lisura do processo eleitoral, Bolsonaro argumentou que as dúvidas sobre o sistema não são exclusividade sua. O ex-presidente citou especificamente Flávio Dino, atual ministro do STF, alegando que ele já havia declarado ter sido vítima de fraude eleitoral em uma eleição que perdeu.

Bolsonaro também mencionou Carlos Lupi, ex-ministro do governo Lula, afirmando que ele já criticou uma suposta “impossibilidade de recontagem de votos” no sistema eletrônico brasileiro. A estratégia aparenta buscar legitimidade para suas contestações ao citar figuras do campo político adversário.

Defesa do voto impresso

O ex-presidente reforçou sua defesa histórica do voto impresso, citando a existência de um projeto de lei no Congresso que previa a implementação dessa modalidade. Bolsonaro lembrou que a proposta foi considerada inconstitucional pelo próprio STF, tentando demonstrar que suas posições tinham respaldo legislativo.

A menção ao projeto busca contextualizar suas críticas ao sistema eletrônico como parte de um debate institucional legítimo, e não como questionamento isolado ou conspiratório ao resultado das eleições.

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Campanha “atípica” de 2018

Em um momento de aparente autocrítica, Bolsonaro classificou sua própria campanha de 2018 como “atípica”, afirmando que ele mesmo não acreditava no resultado por se considerar um candidato com pouca capilaridade política. A declaração sugere uma tentativa de demonstrar humildade e distanciar-se de qualquer imagem de quem sempre questionou resultados eleitorais.

Balanço do governo

Aproveitando o espaço do interrogatório, Bolsonaro fez uma defesa de sua gestão presidencial, citando a diminuição da violência, acordos comerciais e projetos implementados durante os quatro anos à frente do país. O ex-presidente transformou parte do depoimento em uma prestação de contas de seu governo.

“Eu joguei dentro das 4 linhas o tempo todo. Muitas vezes falava palavrão, me revoltava, mas, no meu entender, fiz o que tinha de ser feito”, declarou Bolsonaro, numa tentativa de caracterizar sua conduta como dentro dos limites legais, apesar de reconhecer momentos de exaltação.

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Estratégia de defesa

O depoimento de Bolsonaro revelou uma estratégia de defesa baseada em três pilares: relativizar suas críticas ao sistema eleitoral comparando-as com declarações de adversários políticos, contextualizar suas posições como parte do debate institucional legítimo e fazer um balanço positivo de seu governo para reforçar sua imagem de estadista.

A performance do ex-presidente no interrogatório será crucial para o desenrolar do processo, especialmente considerando que a PGR o aponta como peça central da suposta trama para impedir a posse de Lula.

Promessa de depoimento extenso

Em declaração à imprensa, antes do início da sessão, Bolsonaro questionou frontalmente a lógica do processo: “Eu tenho que provar que sou inocente ou eles têm que provar que sou culpado?”. 

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O ex-presidente manteve a estratégia de contestação ao afirmar categoricamente que “golpe não existiu”, ecoando a linha de defesa que tem adotado desde o início das investigações.

Sinalizando que pretende usar o interrogatório como palanque, Bolsonaro advertiu: “Se eu puder ficar à vontade, se preparem, vão ser horas”. A declaração sugere uma estratégia de transformar o depoimento em uma oportunidade de defesa pública, seguindo o padrão de outros processos em que esteve envolvido.

A defesa de Bolsonaro havia preparado uma estratégia diferenciada para o interrogatório: a apresentação de cerca de doze vídeos que, segundo os advogados, comprovariam a inocência do ex-presidente. O material incluiria desde pronunciamentos oficiais de Bolsonaro até declarações do atual ministro do STF Flávio Dino, com críticas às urnas eletrônicas feitas antes de sua nomeação para a Corte.

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No entanto, Moraes frustrou os planos da defesa ao negar o pedido para apresentação dos vídeos durante a audiência. O ministro foi categórico ao afirmar que a fase de interrogatório não é o “momento adequado” para apresentação de provas desconhecidas ao processo.

Outros interrogatórios

Esta é a segunda rodada de interrogatórios do chamado “núcleo duro” da investigação. 

Na segunda-feira (9), já depuseram o tenente-coronel Mauro Cid, delator cujas revelações embasam a denúncia, e Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

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Nesta terça-feira, antes de Bolsonaro, prestaram depoimentos o almirante Almir Garnier Santos, Anderson Torres e o general Augusto Heleno. 

Cada réu adotou estratégias distintas de defesa, variando entre silêncio parcial, negação total e contradição de testemunhas.

O depoimento de Bolsonaro é considerado o momento mais crucial desta fase processual, especialmente após as revelações de Mauro Cid sobre o envolvimento direto do ex-presidente na elaboração de documentos para sustentar um eventual golpe de Estado.