Bolsonaro apela a duas demandas da população, mas não tem respostas para elas, diz economista

Em entrevista ao podcast da Rio Bravo, o economista  e filósofo Joel Pinheiro da Fonseca ainda apontou para os ventos liberais que sopram para as eleições de 2018

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Os ventos que sopram para as eleições de 2018 são notadamente  liberais para a economia, mas será que a população está alinhada com esse discurso?  O Podcast da Rio Bravo falou com o economista e filósofo Joel Pinheiro da Fonseca, colunista da “Folha de S.Paulo” e da “Exame”, sobre o assunto.

Em foco, está o levantamento do instituto Datafolha apontando que sete em cada dez brasileiros são contra privatizações. Tomando esse indicador como referência, o entrevistado comenta a disseminação das ideias liberais no país e o possível impacto dessa agenda para as eleições deste ano. “No legislativo, há espaço para alguns candidatos que levantem as bandeiras liberais, ainda que este não seja um discurso que vá ser majoritário no Brasil”. Ao comentar os desafios para a propagação dessa narrativa junto para um público maior, Joel Pinheiro observa que muitas vezes falta assertividade aos liberais. “Para a população, isso é importante. É preciso saber construir essa imagem, também”.

Ele ainda faz uma análise sobre a candidatura do deputado Jair Bolsonaro, que conquistou uma capilaridade interessante do ponto de vista da opinião pública e busca se aproximar do discurso liberal. “O Bolsonaro apela basicamente a duas demandas, e são demandas reais por mais que achemos uma candidatura ruim. (…) Uma é o desejo claro da população brasileira por uma situação que está drástica e muito séria no país, que é a segurança pública. Ele está respondendo a isso. Ele tem realmente as respostas eficazes para isso? Até agora não deu nenhuma mostra disso. Muito pelo contrário, dá mostra de não de dominar nada acerca do tema da segurança pública, como de fato vencer o crime organizado, diminuir as taxas de homicídios e tudo mais”, aponta Joel Pinheiro. Do outro lado, afirma, ele simboliza uma resposta também ao que seriam os ditos excessos de movimentos politicamente corretos de feminismo, de pautas LGBT ou de movimentos racialistas muito extremados.

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Sobre a aproximação de Bolsonaro com um discurso mais liberal e a adesão do economista Paulo Guedes à sua campanha, Pinheiro da Fonseca manifesta alguma reticência. “Em alguns momentos ele fala ‘Sim, claro, o livre mercado é importante’, mas daí você vai discutir mais especificamente coisas centrais, como a já mencionada reforma da Previdência e vemos que no fundo o que está ditando ainda são as velhas ideias”, afirma ele. Vale destacar que, na última terça-feira, o ex-presidente Fernando Henrique também mostrou dúvidas sobre o pensamento liberal do deputado. “Bolsonaro simboliza o autoritarismo que cresce em função da violência. Ele aparece como força que quer ordem, mas não tem pensamento liberal, não sei se até tem pensamento”, disse ele. 

.Confira a entrevista com Joel Pinheiro da Fonseca na íntegra: 

Rio Bravo: Nos últimos anos, a gente teve um avanço da presença das ideias liberais na conversação pública no Brasil, algo que não era necessariamente natural quando comparado, por exemplo, à década anterior, falando dos primeiros dez anos de 2000. Por que é que então uma das bandeiras mais fortes do Liberalismo no Brasil, como é o caso das privatizações das estatais, parece não ter vingado? Eu me refiro aqui especificamente à pesquisa do Datafolha no final do ano passado.

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Joel Pinheiro da Fonseca: Acho que tem um claro avanço de ideias liberais no que a gente pode chamar de uma classe intelectual brasileira na discussão pública, que não se dá entre toda a população, se dá entre uma minoria da população. Essa é uma discussão que chegou também na classe política. Hoje em dia, no Congresso, na Presidência, os temas da economia e uma pauta que podemos chamar de mais liberal vêm com muita força, mas não podemos confundir isso com opinião pública geral da população.

Para a opinião pública geral, a ideia de Liberalismo ou as principais pautas que, em geral, a gente associa ao Liberalismo, como privatização e corte de serviços do Estado, parecem sempre pautas muito negativas. Mas no fundo elas estão dizendo para a população ‘A gente quer menos governo, a gente quer menos Estado’. Para uma pessoa que nunca refletiu muito sobre isso e que tem suas outras prioridades na vida parecem ser pautas que não atraem de forma alguma, porque o que vai melhorar na vida da pessoa? Você só está tirando. O outro lado da coisa, que é o que você está dando, melhorando, não fica tão claro. Acho que isso é muito refletido em perguntas como essa, “Você é contra ou a favor da privatização?”, e não tenho dúvida que a maior parte das pessoas é contra, como o número do Datafolha mostrou. Setenta por cento contra a privatização. Ao mesmo tempo, se você pergunta “Você quer um Estado mais eficiente? Será que as empresas públicas, gerenciadas muitas vezes de forma política, devem continuar recebendo dinheiro do governo, dinheiro público?”, daí talvez você tivesse uma resposta diferente.

Só para exemplificar, a gente tem também dados de que, nos últimos dois anos, o governo federal desembolsou R$ 40 bilhões para as empresas estatais no nível federal. A gente tem também uma nota de que o leilão das estatais federais poderia gerar para o Brasil R$ 500 bilhões se fossem privatizadas. Ou seja, são muitos ganhos que o Estado brasileiro pode ter e, mais, que a economia brasileira pode ter em termos de eficiência. Mas, é claro, depende muito de como você mostra isso para a população, como você traz isso. Ficar apenas no lado negativo da coisa…. “Você quer menos Estado? Você quer que o Estado pare de fornecer um certo serviço? Você quer que ele pare de cuidar de alguma coisa?”. Vai parecer negativo sim para muita gente.

Rio Bravo: No cenário político de 2018, você vê esse ideário liberal ganhando mais força em candidaturas para o Legislativo, por exemplo?

Joel Pinheiro da Fonseca: Eu acho que no Legislativo, sim. No Legislativo, você tem espaço para alguns candidatos que se vendam e apareçam como essencialmente liberais. Mas esse provavelmente nunca vai ser um discurso majoritário no Brasil. Ou seja, nem para cargos majoritários, mas também no próprio Legislativo, para o próprio Congresso, provavelmente nunca vai ter esse tipo de bandeira ganhando muito. Esse é um eleitorado que é mais ou menos pulverizado, um eleitorado restrito que é pulverizado em diversos candidatos que chegam com essa mensagem liberal. Mas já vemos um número crescente de deputados que levantam essas bandeiras, tanto em partidos recentes, como é o caso do Partido Novo, por exemplo, que muitos dos candidatos trazem essa identidade, quanto em candidatos em partidos mais tradicionais, seja mais à direita, como o Democratas, seja um de centro, como o PSDB.

E até em algumas candidaturas mais de esquerda talvez esse ideário chegue um pouco, talvez mais no nível dos costumes, mas com alguma responsabilidade na questão econômica também em partidos de esquerda como a Rede ou outras opções. Veremos um crescimento disso, mas não veremos uma onda, uma avalanche, um domínio da pauta, da bandeira liberal. O que veremos são candidaturas, também majoritárias, que saibam integrar alguns elementos importantes dessa pauta com uma gestão de Estado mais eficiente, um Estado que se foque naquilo em que ele é essencial, que saiba usar as forças do mercado e do capital privado também sempre que for necessário e que reconheça a importância de fazer o ajuste fiscal, que eu acho que é uma das grandes questões que a gente vive hoje. Acho que a gente vai ter a incorporação desses elementos, mas em bandeiras que serão maiores do que apenas a bandeira liberal.

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 Rio Bravo: Gostaria de saber um pouco da sua leitura sobre a questão dos costumes e a agenda liberal. No Brasil, temas como aborto e pena de morte — pautando de novo em cima de pesquisas recentes –, a percepção da população brasileira ainda é bastante favorável a uma, que é o caso da pena de morte, e contrária à outra, que é a questão do aborto. É possível estabelecer algum caminho do meio aqui para que não haja tanto choque entre ideário liberal na política com esse ideário liberal nos costumes ou isso é uma idealização muito abstrata no Brasil ainda?

Joel Pinheiro da Fonseca: Tem gente que insiste muito nessa bandeira pura, nesse liberalismo 100%, que vai desde aceitar a adoção por famílias trans até você querer privatizar, cortar impostos e tudo. São bandeiras e pautas muito diferentes umas das outras. É claro que é possível você compor o seu ideário e as suas propostas misturando e mesclando diversos tipos de bandeiras. Se eu fosse dizer sobre mim, pessoalmente, sou bastante liberal também nos costumes. Podemos discutir um milhão de questões aqui, mas me colocaria como liberal aí também. Mas às vezes acho que essa discussão muito presa às pautas morais, muito presa às pautas culturais pode alienar grande parte da população brasileira. Um exemplo é o aborto, que é uma questão séria. Sem dúvida nenhuma, é uma questão relevante. A gente jamais deve esquecer disso e quem traz esse debate, essa bandeira não deve ser ignorada ou rejeitada de partida, mas do ponto de vista da população está muito distante de algo que considere relevante ou minimamente aceitável. Política também não é lugar de fazer campanha cultural ou campanha educacional. Os tempos são muito diferentes.

Então, uma candidatura que traga essa bandeira ou talvez ainda uma bandeira que eu acho muito importante, que é a das drogas, mas que também está muito distante das prioridades da população, corre-se o risco de sabotar o bem que você poderia fazer, que é um bem limitado, incompleto talvez. Você não está trazendo toda a sua visão de mundo, mas está sacrificando aquilo que você poderia fazer em nome de uma adesão pura, completa a todo um ideário que simplesmente não tem respaldo democrático, respaldo popular no Brasil nesse momento. Mas, de novo, acho que depende muito da forma como a gente traz essas questões. Aborto, não. Acho que aborto é um tema intocável, o político hoje em dia não tem motivo nenhum para sequer tocar nessa discussão ao longo das campanhas ou da pré-campanha ou o que seja. Os outros, eu acho que tem caminhos sim para a gente descobrir, porque o aborto realmente é uma cisão, uma divisão muito séria de visões de mundo.

Outras questões eu acho que têm espaço sim para formular discursos mais palatáveis e que tragam um aspecto mais positivo, às vezes, que é perdido nessas discussões para o grande público. Pena de morte, por exemplo, se eu não me engano, é 57% da população que é a favor. Vê-se que é uma maioria, mas também não está tão distante assim de uma discussão mais equilibrada. Então não é que “nossa, a população brasileira está sedenta por pena de morte nesse momento”. Acho que na questão das drogas, se algumas pessoas abandonassem uma posição muito de princípios e de valores e adotassem uma postura mais pragmática de “Será que está funcionando isso? Será que a droga está deixando de ter o dano que ela teria? Será que a gente não está gastando muito, tirando muitas vidas e fortalecendo o crime organizado?”, ou seja, uma política que no fundo não está cumprindo o seu objetivo seria um outro caminho a se pensar nessa questão.

Rio Bravo: Recentemente, a ala liberal que fazia parte do PSL, o Livres, abandonou esse partido por conta da chegada de Jair Bolsonaro à legenda. A candidatura de Jair Bolsonaro tem mobilizado uma fatia relevante da população brasileira, principalmente dos mais jovens e, ao que a gente percebe, bastante do comportamento desse público nas mídias sociais. Como é que você entende o fato de que o Jair Bolsonaro conquistou uma capilaridade interessante da opinião pública a ponto de não ser mais ignorado? Isso joga a favor ou joga contra esse crescimento da presença liberal no cenário público?

 Joel Pinheiro da Fonseca: O Bolsonaro apela basicamente a duas demandas, e são demandas reais por mais que achemos uma candidatura ruim. Temos que entender o que ela está respondendo, quais são as demandas a que ela atende. Ele atende a basicamente duas. Uma é o desejo claro da população brasileira por uma situação que está drástica e muito séria no país, que é a segurança pública. Ele está respondendo a isso. Ele tem realmente as respostas eficazes para isso? Até agora não deu nenhuma mostra disso. Muito pelo contrário, dá mostra de não de dominar nada acerca do tema da segurança pública, como de fato vencer o crime organizado, diminuir as taxas de homicídios e tudo mais. Não tem experiência nenhuma também na área para falar sobre isso e nunca fez nada acerca desse problema no estado dele, que é o Rio de Janeiro. Mas ele traz isso, traz essa ideia da força e da afirmação do poder dele como uma resposta ao crime organizado. Isso é um dos elementos que levam as pessoas a responderem.

E o outro, que está muito ligado ao apelo dele entre os jovens e pessoas que acessam a internet, é porque ele simboliza uma resposta também ao que seriam os excessos de movimentos, digamos, politicamente corretos de feminismo, de pautas LGBT ou de movimentos racialistas muito extremados. Ele representa a resposta àquilo. Como esses movimentos dominam de certa forma o debate público entre o que a gente pode chamar de uma elite intelectual brasileira — os jornais, a cultura, os filmes, as redes sociais também, a academia… Como esse discurso mantém um certo tipo de discurso que eu chamo de politicamente correto, que tem dominado com muita força e que tem sido levado  cada vez mais à população, muita gente sente uma necessidade de resposta, de reação àquilo.

Mas não se tem a coragem ou os termos para fazer esse tipo de reação, e Bolsonaro representa isso. Representa uma reação aos excessos do politicamente correto. Na minha opinião, uma reação tão ruim ou até pior do que esses excessos, porque levaria para outro lado, do machismo verdadeiro, real, que é muito ruim, e do punitivismo também, voltando um pouco à segurança pública, contra o criminoso. Essa ideia de ‘vamos punir de qualquer jeito’. Informalmente, até um apoio ao lado justiceiro da população brasileira e aos linchamentos, que são coisas também muito ruins e fazem muito mal à nossa sociedade. Qual é a reação a ela? Um ódio, voltar um ódio que existe mesmo no Brasil. Pessoas homossexuais podem ser agredidas ao sair na rua e demonstrar seu afeto em uma rua numa cidade como São Paulo. Então, são problemas reais.

Ele, ao responder simbolicamente a esses problemas, traz uma reação contrária, muitas vezes violenta, que é ruim, mas, em suma, ele está respondendo a duas demandas que são reais. Porque, realmente, a segurança pública está um descalabro e, realmente, o que essas pautas identitárias têm feito, falado e imposto no Brasil sobre a opinião pública e sobre quem pode se expressar… Eu conheço muita gente que tem medo de dar a sua opinião na internet hoje em dia, porque realmente criou-se um clima de patrulha e de perseguição. Então, ele responde a essas duas coisas.

O que ele tem a ver com uma pauta liberal? Bom, tanto ele quanto pautas e candidatos mais liberais são reconhecidos no Brasil como pertencentes a esse grande balaio de gato que a gente chama de Direita. Embora, se a gente for ver na prática, o que um lado e o outro pretende fazer uma vez chegando ao poder, a gente vai ver que são coisas muito diferentes. Toda vez que ele tem chance, o Bolsonaro demonstra acreditar numa política econômica bastante nacionalista, contra a integração comercial econômica internacional do Brasil, valorização da crença de que o Estado vai viabilizar certas matérias-primas brasileiras como um grande resposta econômica para o país, negação do problema do rombo fiscal que a gente vive e que se traduz em ser contra a reforma da Previdência, e inclusive ser contra levá-la também para o setor militar, que seria sim uma pauta importante.

Em suma, a gente tem muitos casos em que a posição que o Bolsonaro toma é o contrário da posição que os liberais tomam, embora, desse ponto de vista mais cultural, uma resposta, por exemplo, a movimentos identitários muito exagerados e ao problema da segurança pública, nenhum desses dois é em si avesso a uma ideia e a um posicionamento mais liberal de algum político.

O que falta em geral para os liberais é que eles têm muito receio de uma forma assertiva e forte, e isso muitas vezes para a população importa, porque a pessoa do candidato importa. Às vezes falta isso em candidaturas mais liberais, mas é uma questão de saber construir essa imagem, saber construir a imagem de “Olha, temos pessoas que sabem do que estão falando e vão trazer soluções e resultados de verdade para você e não vão ficar aderindo à ladainha ou ao blábláblá politicamente correto da vez”. Ele traz um pouco isso e, de alguma forma, está dentro desse grande balaio de gatos, mas quando a gente vai olhar concretamente são muito diferentes.

Rio Bravo: E o fato de ele ter abraçado uma faceta mais liberal no campo econômico? Você vê aí uma tentativa de normalizar o Bolsonaro para o mercado financeiro, por exemplo?

Joel Pinheiro da Fonseca: Sem dúvida nenhuma, mas, como a gente também vê nas respostas que dá, é uma coisa muito eclética e muito voluntarista. Em alguns momentos ele fala “Sim, claro, o livre mercado é importante”, mas daí você vai discutir mais especificamente coisas centrais, como a já mencionada reforma da Previdência, a gente vê que no fundo o que está ditando ainda são as velhas ideias desse sujeito que tem uma carreira de quase 30 anos no Congresso, na minha opinião, sem grandes destaques, não teve muita relevância até hoje, mas defendendo sempre interesses corporativos do Exército, por exemplo. Às vezes defendendo também projetos de lei mais punitivistas, mas em geral bastante mal sucedido também em emplacar os seus projetos de lei.

 Rio Bravo: As eleições de 2018 têm sido bastante comparadas às eleições de 1989. Naquele ano, o candidato com uma roupagem mais liberal conquistou o poder e operou mudanças que foram sentidas pela população para além dos planos econômicos. Eu me refiro aqui à abertura dos mercados. Você percebe a eleição de 2018 com esse potencial também para as candidaturas majoritárias? A gente falou algumas questões atrás sobre o Legislativo, e me refiro agora especificamente à candidatura à Presidência da República. Você vê essa chance?

Joel Pinheiro da Fonseca: Realmente, a gente tem uma eleição similar a 1989. Muitos candidatos, uma eleição plural. Eu não diria que em 1989 venceu o candidato liberal. Eu diria que venceu o candidato novo, que se vendia como o moderno, o novo, o que vai trazer realmente o choque para o Estado e fazer o Brasil funcionar. Esse tipo de mensagem e de valor continua tendo muita força no Brasil, e sempre terá. Essa crença — se é verdadeiro ou não, não vem ao caso, mas que tem o seu valor também — de que a gente precisa mudar isso radicalmente, trazer alguém com uma cabeça moderna, cansamos dessa velha política que realmente não funciona e queremos alguém que saiba fazer, traga ideias de fora e que seja jovem, que seja otimista. Acho que isso continua tendo força no Brasil. Eu não diria que o Collor venceu mais por um ideário liberal econômico, que se hoje em dia já não é forte naquela época, com a Educação ainda pior do que é hoje e a população muito menos discutindo essas questões, daí que era muito menos diretamente relevante embora fosse, de fato. Trazia propostas econômicas de abertura econômica, por exemplo, liberais.

Também fez o confisco e outras que a gente poderia questionar, mas trouxe isso. E o que eu vejo hoje em dia nas eleições de 2018 é isso, essa chance de alguém que traga esses valores — ser algo novo, ser alguém fora da velha política — teria chances ou se for alguém que já tenha uma carreira política que traga essa ideia de que “Olha, diferentemente da política que a gente está vendo aí, uma política fracassada que não deu resultado nenhum, a gente é capaz de trazer e de mostrar resultados, fazer a máquina funcionar”. Aí sim, um Brasil que funciona, um Brasil que vence, um Brasil que vai para frente, um Brasil que progride. Esse tipo de mensagem pode ressoar sim na cabeça do eleitorado, no coração do eleitorado, que é o mais importante, num momento em que a gente está precisando progredir, em que a gente cansou de tanto voo de galinha seguido de recessão e agora uma recuperação que também tem sido lenta. A gente precisa poder acreditar em algo, acreditar em algo que vai botar essa máquina para funcionar.

Se vai ser mais liberal ou se vai ser menos liberal, esse tipo de discussão, de minúcia econômica, não precisa estar tão presente assim na discussão que é mandada para as pessoas, na discussão que chega até o eleitorado, porque isso não interessa. Você pode começar a falar, defender a privatização, mostrar os números da privatização e provavelmente não é algo que a população vai se interessar muito. O que sim interessa é quem tem a capacidade, o conhecimento e a disposição de fazer a coisa andar.

 Rio Bravo: No ano passado, uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo, think tank do PT,  cujo título era “Percepções da periferia”, mostrava que os valores liberais como empreendedorismo e individualismo ganharam força na periferia. Você acredita que esse dado já foi incorporado pelos partidos de coloração liberal no Brasil?

Joel Pinheiro da Fonseca: Ainda foi muito mal incorporado. Essa é uma pesquisa muito interessante, especialmente por ter vindo de onde veio. Ela era uma pesquisa qualitativa, mas ela respalda e confirma resultados quantitativos de pesquisas anteriores. Por exemplo, do Data Favela, que fazia esse trabalho de mensurar as percepções e aspirações da população periférica brasileira. O brasileiro acredita muito na força e na importância da dedicação pessoal. Você pergunta para o brasileiro — isso é pesquisa do Data Favela, brasileiros que moram em favelas ao redor de todo o Brasil — quem são os responsáveis pela melhora na sua qualidade de vida. Bom, primeiro, houve uma melhora da qualidade de vida. São pessoas que estão ascendendo ou, pelo menos até a crise, estavam ascendendo economicamente. Quem foi o responsável? Em primeiro lugar, Deus. Segundo lugar, mérito próprio. Ou seja, o brasileiro, de maneira geral, acredita no poder do próprio esforço e também na fé, evidentemente, como soluções, como caminhos para melhorar de vida e sentem isso na pele.

 

De fato, às vezes as pessoas defendem uma visão muito ingênua de meritocracia, de que quem se esforça mais ganha mais que os outros. Evidentemente, isso é falso. Mas existe uma percepção real da meritocracia, que é o seu esforço, o seu mérito importa sim na sua capacidade de progredir e de legar aos seus filhos condições melhores do que as que você teve quando você começou. Em nesse sentido, o brasileiro acredita sim e eu diria, com uma boa dose de razão, na meritocracia e na iniciativa individual. A aspiração empreendedora no Brasil é muito alta. Muitas pessoas têm os seus próprios empregos, mas, mais do que isso, sonham em ter seus próprios empregos, sonham em não trabalhar para um patrão. Pode ter muita ingenuidade nisso, mas isso revela um traço de caráter, um traço de idealismo e de otimismo que é muito positivo e muito forte para o Brasil realmente se transformar numa economia desenvolvida.

Uma economia com cara própria, que não precisa imitar o que foi feito na Europa e o que foi feito nos Estados Unidos. Acho que os partidos liberais têm falhado em conseguir incorporar esse ethos. O ethos do indivíduo que está disposto a enfrentar o mundo e criar valor por conta própria e que é otimista, portanto, porque acredita em Deus e acredita em si mesmo, e não tanto que acredita que mamãe-Estado estará lá para salvá-lo o tempo inteiro. Hoje em dia, no Brasil, por mais preguiçosa que a pessoa seja, ninguém vive bem dependendo apenas da renda do Estado. A pessoa vive muito mal. Mesmo quem recebe Bolsa Família, por exemplo, 70% dessas pessoas trabalham, porque a pessoa não pode se recostar e viver apenas de transferência. Ela precisa buscar o seu, ela precisa correr atrás e o brasileiro corre atrás. O problema é que o Estado e nossas instituições, de maneira geral, colocam muitos obstáculos a isso. Se a gente conseguisse reverter essa equação, o Estado não só botando obstáculos, tirando esses obstáculos e, mais, criando um meio propício à geração de valor, ao empreendedorismo e à inovação, a gente teria realmente uma revolução econômica, uma revolução social no Brasil que seria muito positiva. E eu acredito e espero que o candidato que vença em 2018 seja um primeiro passo já nessa mudança que a gente está esperando, querendo e agora precisando tanto, porque se nada for feito a gente está indo para o buraco de forma muito rápida.

 

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.