Bolsonaro amplia distância do Congresso e de governadores, e analistas apontam consequências

Desencontros entre o presidente e outras lideranças têm ampliado incertezas, diante da esperada escalada da doença e suas consequências

Marcos Mortari

(Isac Nóbrega/PR)

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SÃO PAULO – A postura adotada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em relação à pandemia do novo coronavírus tem sido contestada nas mais diversas esferas de Poder e em parcelas relevantes da opinião pública.

Do Judiciário, passando pelo Legislativo, por governos estaduais e municipais e até mesmo em sua própria gestão, com divergências públicas expostas pelo ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde), o mandatário tem colhido resistências à ideia de flexibilizar medidas de isolamento e estimular a atividade econômica em tempos de crise.

Ontem (29), Bolsonaro passeou pelo comércio de Brasília e, na contramão das recomendações de autoridades médicas e seu próprio ministro, conclamou as pessoas a voltarem para as ruas para trabalhar. Cercado por uma pequena aglomeração, ele afirmou, ainda, que analisava editar um decreto para liberar todas as atividades no país.

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Dias atrás, o presidente minimizou os impactos da doença em rede nacional de televisão e rádio, ao chamá-la de “gripezinha” ou “resfriadinho” e pedir pelo fim da política de “confinamento” adotada por alguns governadores e prefeitos para frear a pandemia.

Na última semana, Bolsonaro intensificou o discurso de que a economia não pode parar diante do avanço do novo cornavírus e passou a defender enfaticamente a retomada da atividade, sob alegação de perdas ainda maiores para a sociedade decorrentes da queda na renda, do desemprego e derrocada de empresas.

O governo federal chegou a lançar uma campanha intitulada “O Brasil não pode parar”, que acabou suspensa por determinação judicial. Após a decisão, proferida pela Justiça Federal do Rio de Janeiro, as postagens com mensagens da campanha foram apagadas.

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A insistência de Bolsonaro na minimização da crise e nas críticas às políticas de isolamento têm frustrado lideranças políticas, parlamentares, membros do Judiciário, ministro de sua própria administração e alguns militares. O presidente também tem sido criticado até mesmo entre eleitores que apoiaram sua candidatura no pleito de 2018.

“As diferenças no discurso sobre a necessidade de isolamento e quarentena entre Bolsonaro, Mandetta e governadores expuseram as dificuldades das autoridades em coordenar respostas unificadas e eficazes para a crise sanitária e econômica que o país enfrenta. Todos os Poderes foram dragados para uma disputa federativa e política que concorre com as emergências impostas pela Covid-19”, pontua a equipe de análise política da XP Investimentos.

Os desencontros têm levado analistas a traçar cenários, diante da esperada escalada da doença no país e todas as suas consequências. Para Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores, diante da crise econômica anunciada, Bolsonaro busca uma forma de atribuir responsabilidades àqueles que tomam medidas mais drásticas para evitar as piores consequências sanitárias de Covid-19.

Avaliação semelhante tem o também analista político Tomas Traumann, que vê nas ações de Bolsonaro uma estratégia. Para ele, por trás do aparente isolamento político do presidente, há um feeling sobre o comportamento da classe média diante das consequências econômicas da crise e um reforço na imagem de figura anti-establishment.

“É uma tolice dizer que Jair Bolsonaro está isolado, como se o distanciamento de governadores, do Congresso e empresários significasse a iminência de sua queda. O isolamento é o habitat natural de Bolsonaro, é onde ele cresceu e gosta de ficar. Tudo que Bolsonaro quer é reforçar sua imagem anti-establishment, do sujeito que enfrenta os poderosos dizendo verdades simples”, aponta.

“Os políticos, empresários e jornalistas que tratam Bolsonaro como um ‘Nero tropical’ podem saber muito, mas desconhecem o feeling que o presidente tem do sentimento da classe média remediada. Essa característica de Bolsonaro ser ‘gente-como-a-gente’ é que o sustenta no cargo”, complementa.

Uma das consequências políticas do comportamento do presidente, observa Ribeiro, pode ser um distanciamento maior em relação ao sistema político e um esforço dos demais atores em coordenar linhas de ação à margem do Palácio do Planalto.

“O comportamento bélico de Bolsonaro está levando governadores e a parcela majoritária do Congresso, com o possível respaldo do STF, a agir para limitar o raio de ação do presidente e, consequentemente, do governo federal”, afirma.

Para o analista, o esforço conjunto do parlamento e governadores para organizar o curto prazo colocaria Bolsonaro em uma espécie de “quarentena política” – “um passo adiante em relação ao parlamentarismo branco”. O movimento é arriscado, já que há instrumentos que somente a presidência tem à disposição, mas pode ajudar na travessia do deserto da crise.

Eis um possível roteiro apontado pelo especialista: “governadores, secundados por prefeitos, assumem a responsabilidade de lidar com a crise epidêmica; o Congresso, diante da lentidão e dos desencontros das iniciativas econômicas do Executivo, avança com o ‘orçamento de guerra’ para viabilizar os recursos necessários ao enfrentamento da recessão e dos efeitos sociais provocados pela crise; e o STF fica de guarda para barrar eventuais decisões de efeito desorganizador tomadas pelo presidente”.

Já analistas políticos da Arko Advice chamam atenção para o fato de os desencontros entre Bolsonaro e Mandetta, diante da falta de convicção do presidente acerca da eficácia da quarentena, ofuscam os esforços da própria máquina federal no enfrentamento da crise provocada pelo novo coronavírus.

A consultoria diz que, entre segunda e sexta-feira da semana passada, “o governo editou mais de 68 atos, decretos, portarias, entre outras decisões, e anunciou pacotes financeiros que ultrapassam a casa dos R$ 700 bilhões”.

“Ao emitir sinais contraditórios e não ter uma estratégia de comunicação eficiente, o governo corre sério risco, pois aposta contra um inimigo imprevisível: a epidemia. Morrendo poucos, tudo será esquecido. Morrendo muitos, a culpa será do governo federal, que, justa e injustamente, é considerado culpado por tudo o que acontece no país”, afirmam.

Para eles, diante da nova conjuntura provocada pelo avanço da Covid-19, Bolsonaro corre o risco de “ficar com uma caneta BIC sem tinta na presidência e contando com um público cada vez menor nas redes sociais”. “Se o combate à corrupção e ao establishment político foi o cimento que uniu milhares de brasileiros em torno de Jair Bolsonaro, a pauta agora mudou. E isso provocará consequências graves na agenda”, salientam.

Os analistas acreditam que a crise deverá alterar profundamente a trajetória da presidência de Bolsonaro, que passa a depender ainda mais das respostas dadas pela economia. “O eventual sucesso de [Paulo] Guedes é um dos dois componentes que podem salvar o governo Bolsonaro do isolamento político e mantê-lo competitivo para 2022. O outro é o enfrentamento eficaz da crise do coronavírus”, concluem.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.