Bolsonaro ainda não mostrou propostas claras e capacidade de articulação, diz Paulo Hartung

Em entrevista ao InfoMoney, o atual governador do Espírito Santo diz que diálogo com bancadas temáticas é importante, mas o caminho pelos partidos será inevitável ao presidente eleito

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Um mês após ser eleito presidente para os próximos quatro anos, Jair Bolsonaro (PSL) ainda não convenceu sobre sua capacidade de articulação política e tampouco apresentou com clareza suas propostas para o país. Essa é a leitura que faz Paulo Hartung (sem partido), experiente governador do Espírito Santo, entrevistado pelo InfoMoney na última quinta-feira (22) – confira a íntegra no vídeo acima.

“O que não vejo ainda nesse governo são: propostas claras para o país – e aí precisamos tensionar nesse sentido, porque sem isso você não consegue conversar com o Congresso, nem com outras instituições e a própria sociedade. E também não demonstra ainda capacidade de articulação. Em uma democracia, cada instituição tem seu papel, ninguém faz nada sozinho. É preciso superar a competição implantando a cooperação, para você ter maioria e transformar projetos bons em ações concretas”, observou.

“É importante dialogar com as bancadas temáticas do Congresso, elas se impuseram nos últimos anos. Mas também tem que dialogar com os partidos, respeitar os parlamentares, porque eles são eleitos pela população”, complementou o atual governador capixaba, que resolveu não tentar a reeleição neste ano. Em janeiro, ele será sucedido por Renato Casagrande (PSB), que volta ao posto após ter sido derrotado pelo próprio Hartung em sua tentativa de recondução em 2014.

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Após o terceiro mandato à frente do Palácio Anchieta e passagens pela Assembleia Legislativa do Espírito Santo, prefeitura de Vitória, Câmara dos Deputados e Senado Federal, Hartung prepara-se para uma etapa diferente em sua trajetória profissional: o trabalho voluntário dedicado à formação de lideranças no país, além da retomada das atividades como economista na iniciativa privada.

Na entrevista, Hartung lamentou os caminhos de tensionamento e radicalismo tomados pelo Brasil nos últimos anos e criticou a negligência com a renovação do quadro político neste momento de vazio de lideranças capazes de construir consensos.

“A gente vem de um ciclo de desacertos. Na eleição de 2014, o debate presidencial foi de baixa qualidade, ralo, não enfrentou os problemas do país, ficou em uma conversa fiada de quem ia dar mais Bolsa Família aos brasileiros. De lá, para cá, os sinais também não são bons. Lideranças importantes do país apoiando pautas equivocadas no Congresso, uma coisa estranha”, pontuou.

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“A democracia representativa já está em crise no mundo. As novas tecnologias criaram um déficit de representação e de legitimidade. Some a isso o empobrecimento da população. Os  pobres melhoraram de vida a partir do Plano Real e do primeiro governo Lula. De repente, a população que estava tendo acesso a bens e serviços perde. Em uma família com três pessoas empregadas, dois perdem o emprego. A renda familiar desaba em um período muito curto. O que isso provocou? Um baita mal estar, uma baita insatisfação”, diagnosticou o governador.

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Para Hartung, o ambiente foi tensionando cada vez mais e, novamente, os problemas reais do país não foram enfrentados durante a campanha presidencial. “O país foi para uma corda esticada. Ambiente muito ruim, população muito magoada, e o debate eleitoral se deu muito mais pelo fígado do que pela cuca”, afirmou.

“O país está vivendo a pior crise fiscal de sua história, uma situação gravíssima. O que foi debatido nessas eleições foi: ‘eu te dou botijão de gás subsidiado’ versus ‘eu te dou 13º do Bolsa Família’. O fato é que tivemos uma eleição que novamente repetiu um debate superficial sobre os problemas nacionais. Mas essa página está virada e agora precisamos achar caminho para o país. Nosso desafio hoje não é discutir organização de partido político, nem assumir posição de oposição precoce. Precisamos ajudar e, mesmo se não tiver abertura para isso, tensionar na direção de construirmos uma agenda correta ao país”.

Na avaliação do governador, as forças políticas que ocupam o que ele chama de “centro democrático-reformista” têm responsabilidade sobre a situação enfrentada pelo país, mas este grupo também terá papel de extrema relevância ao longo dos próximos anos – e desta vez terá de mostrar que aprendeu com os erros cometidos. “O que acho bom agora é olhar para dentro, fazer autocrítica. Onde erramos? Porque erramos, senão não teria esse resultado pífio. [O centro] É uma posição importante para o país, sempre foi e continuará sendo. Neste momento, tem um papel peculiar que é distensionar essa corda esticada”.

Parte desse processo, na avaliação do político capixaba, consiste em esforços para formar novas lideranças. “Há um déficit de liderança no país e essa posição faz parte de certa omissão. Os partidos políticos que representam essa força [de centro] menosprezaram uma coisa fundamental na vida das agremiações partidárias: formar, treinar e qualificar gente para o processo da administração, negociação e representação política. Acho que ficamos com as lideranças que foram formadas no período de 1964, antes e depois, e com a turma da minha geração, que foi para a rua buscando democracia, defendendo anistia e uma nova constituição para o país. Depois disso, é muito pontual. Precisamos fazer um grande movimento de formação de lideranças. Acho que esses movimentos cívicos são importantes e precisamos turbinar isso até o momento em que batermos uma estrutura partidária verdadeira – no meu modo de pensar, a atual já fez água”.

Na entrevista, Hartung também apontou medidas prioritárias que o próximo governo deveria assumir. Em sua avaliação, a principal bandeira seria a melhoria no ambiente de negócios. Nesse sentido, ele chamou atenção para a simplificação do sistema tributário do país, enfrentamento de gargalos, sobretudo no setor de infraestrutura. “Estamos competindo com o mundo. Como os produtos brasileiros ganham competitividade no mundo? Há uma agenda importante na infraestrutura. Vão continuar achando que o Orçamento da União vai fazer portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, vai resolver os gargalos de prover energia e transmissão de dados para o país? Não vai. Isso é conversa fiada. Precisamos trazer o capital privado. Como traz? Tem que ter regulação melhor, segurança jurídica nesses contratos”, apontou o governador. O foco na educação básica, uma de suas bandeiras no Espírito Santo, também foi outra medida apontada com olhar no longo prazo. 

Outra pauta apontada por Hartung foi a reforma da Previdência. Para ele, a melhor proposta hoje em discussão seria a apresentada pelos economistas Paulo Tafner e Arminio Fraga, que teria “a velocidade que precisamos para tirar o país dessa encrenca que entrou nesses anos”. “Estamos vivendo mais e melhor, mas isso torna insustentável o modelo previdenciário existente em nosso país. Precisamos trabalhar um pouco mais e aposentar um pouco mais à frente”.

“Agora, tem um lado da reforma que é pouco discutido no Brasil. O lado fiscal acho que até já ficou um pouco mais claro, mas tem um lado de justiça social, de combate à desigualdade social, que uma chaga do nosso país. Como é que um pedreiro, que tem uma atividade pesada, vai se aposentar dez anos depois de quem tem uma atividade de escritório? Não faz sentido, não é justo. Não estou nem falando do valor da aposentadoria. Quando chegar nisso, aí que você vai ver como o Brasil é um país de privilégios e de privilegiados. Precisamos escancarar isso no debate sobre a Previdência”, propôs o governador.

Hartung foi um governador bem avaliado pelo mercado financeiro, sobretudo em função de sua preocupação com a saúde das contas públicas em seu estado. Sobre este tema, ele dá alguns conselhos aos futuros encarregados de missões complexas em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, dentre outras unidades da federação.

“A primeira atenção que precisa ter é com orçamento. Depois, tem que olhar de tudo: cargo comissionado, que normalmente tem excesso (você pode contingenciar); designações temporárias, uma forma de contratar que não tem estabilidade (normalmente tem excesso e temos que tirar); contratos (há muitos contratos de aluguéis de imóveis, automóveis); tem que olhar despesas com viagens, com diárias. Do lado da receita, tem que dar uma olhada se ela não está aviltada. Se estiver, por que está? Tem conserto? É incentivo fiscal irregular que foi dado para agradar grupos econômicos? Tem que superar isso”, explicou.

Mesmo em meio ao ambiente desafiador, Hartung se diz otimista com o futuro. “Eu não tenho dúvida do potencial do Brasil, tenho preocupação com esse tamanho de crise fiscal que o país está vivendo na União e nos entes federados. O rombo das contas públicas dos estados e de muitos municípios grandes não é brincadeira e precisa ter um olhar claro para isso. E a solução disso não é Brasília, é cada um começar a botar a mão na massa para resolver seu problema. Tenho preocupação, mas vejo potencial. Acho que se acertarmos o passo em uma agenda correta, viramos destino de investimentos internacionais importantes, rodamos a máquina e começamos a dar passos no sentido de diminuir esse desemprego e de abrir janelas e portas de oportunidade, principalmente aos nossos jovens que estão desesperançados com essa realidade brasileira”, concluiu.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.