Bernie Sanders, o radical que ainda tem chance de disputar a Casa Branca

O populista de esquerda conquistou uma legião de seguidores prometendo uma revolução política nos Estados Unidos

Sérgio Teixeira Jr.

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NOVA YORK – Apesar de a esperada vitória esmagadora na Super Terça não ter se materializado, Bernie Sanders, o populista de esquerda que conquistou uma legião de seguidores prometendo uma revolução política nos Estados Unidos, ainda tem grandes chances de disputar a presidência contra Donald Trump.

Sanders terá de derrotar o ressurgente Joe Biden na disputa pela indicação do Partido Democrata. A performance surpreendente do ex-vice de Barack Obama na última rodada das primárias parece tê-lo colocado como ligeiro favorito.

Mas o establishment do partido, que prefere uma alternativa de centro nas eleições de novembro, ainda tem muitos motivos para temer uma recuperação de Sanders.

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O movimento comandado pelo senador de Vermont, político profissional há 40 anos que ainda consegue projetar uma imagem de outsider, é organizado, aguerrido e apaixonado – como seu líder.

Com promessas de cobertura de saúde universal para todos os americanos (acabando com os planos de saúde privados), universidades públicas gratuitas, perdão das dívidas estudantis e aumentos de impostos para empresas e para os mais ricos, Sanders pode se tornar um dos candidatos com as propostas mais radicais a concorrer à Casa Branca por um dos dois partidos majoritários.

Durante toda sua carreira política, Sanders sempre foi independente em relação aos dois grandes partidos, mas ele participa da disputa democrata (o que basicamente significa assinar uma carta de compromisso com a agremiação).

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Suas convicções, entretanto, não poderiam ser mais dissonantes em relação à tradição democrata.

Bernie, como é chamado pelos fãs, diz que suas propostas nada têm de radicais: “Se você trabalha 40 horas por semana, não deveria viver na pobreza. O establishment pode não gostar [dessa ideia], mas é o que a população americana quer”.

Sendo sarcástico, mas com a cara séria e as sobrancelhas franzidas que são sua marca registrada, ele costuma repetir que os Estados Unidos já são um país socialista – mas só para os ricos.

“Quando Trump era empresário do setor imobiliário, recebeu 800 milhões de dólares em inventivos fiscais e subsídios”, disse o candidato numa entrevista recente.

Questionado sobre o potencial impacto do termo “socialista” junto ao eleitorado, Sanders diz que não está preocupado com rótulos. “Vamos nos definir nós mesmos, não permitiremos que os outros nos definam.”

Política se faz com frases de efeito, mas a história de Sanders é um pouco mais complicada que isso.

Origem humilde

Bernard Sanders nasceu no distrito do Brooklyn, em Nova York, em 8 de setembro de 1941, e carrega o característico sotaque da área até hoje.

Seu pai era um imigrante judeu do que hoje é a Polônia; sua mãe, também judia, nasceu nos Estados Unidos, filha de imigrantes russos.

Ele e seu irmão mais velho, Larry, tiveram uma infância de classe média baixa. Seu pai era vendedor de tintas; sua mãe, dona de casa. Embora não faltasse nada para a família, tampouco havia luxos.

As discussões entre seus pais por causa de dinheiro tiveram impacto profundo no jovem Sanders, como disse seu irmão em uma entrevista à rádio NPR.

Foi na Universidade de Chicago, onde se formou em ciência política em 1964, que Sanders entrou em contato com pensadores de esquerda e deu seus primeiros passos na política.

Em 1962, no auge do movimento dos direitos civis, Sanders foi um dos líderes de um protesto que exigia o fim da segregação racial nos alojamentos dos estudantes.

Sua carreira na política profissional, entretanto, só começaria na década seguinte, quando já estava estabelecido em Vermont, um estado pequeno e majoritariamente rural do nordeste americano, na época um ímã para hippies e fãs da contracultura.

Depois de duas experiências eleitorais frustradas no Liberty Union Party, uma agremiação socialista democrática do estado, Sanders deixou o partido e lançou-se como candidato independente à prefeitura de Burlington, maior cidade de Vermont.

Em março de 1981, aos 39 anos, surpreendeu o então prefeito (que ocupava o cargo havia cinco mandatos) e venceu a eleição por dez votos. A vitória é atribuída ao apoio de acadêmicos, dos sindicato dos policiais e da população de baixa renda – cujos bairros eram esquecidos na hora de limpar a neve das ruas.

Nos oito anos que passou no cargo, o socialista Sanders fez alianças com os empresários locais e equilibrou o orçamento da cidade. Um de seus legados é a revitalização do centro de Burlington – até hoje um das marcas registradas da cidade.

Embate com Alan Greenspan

A estreia de Sanders no cenário político nacional aconteceu em 1991, quando ele foi eleito para a Câmara dos Deputados como independente. Sanders ocuparia a cadeira pelos próximos 16 anos.

No Congresso, se posicionou firmemente contra projetos de lei para desregulamentar o setor financeiro e seguiu sua cruzada – muitas vezes solitária – de levantar o tema da desigualdade econômica.

Em um célebre enfrentamento em uma audiência, Sanders disse a Alan Greenspan, então presidente do Fed (o banco central americano):

“Há muito tempo estou preocupado com o fato de que o senhor está completamente desconectado das necessidades da classe média e das famílias trabalhadoras do nosso país. Que o senhor vê como a principal missão de seu cargo representar os ricos e as grandes empresas. (…) Minhas suspeitas se confirmam. Acho que o senhor é uma pessoa honesta, mas que não sabe o que está acontecendo na vida real. (…) Os milionários e bilionários são a exceção à regra.”

A mensagem de Sanders de 20 anos atrás é a mesma que Sanders repete hoje e que inflama comícios ao redor dos Estados Unidos.

Mas ele também deu meia volta em temas muito caros ao eleitor democrata, e a mais fragorosa delas tem a ver com o controle da venda de armas.

Vermont é um estado peculiar. Apesar da tradição progressista, as leis estaduais até bem pouco tempo atrás eram muito permissivas no que diz respeito à compra de armas de fogo.
Em seus anos na Câmara, Sanders votou cinco vezes contra uma lei que instituiria verificações de antecedentes para quem quisesse comprar armas. Até hoje, ele tem de se explicar pelos votos.

No Senado desde 2007, Sanders manteve a postura combativa. Votou contra o programa de resgate do sistema financeiro aprovado após o estouro da bolha imobiliária, no final dos anos 2000.

Em 2010, em outro episódio célebre de sua carreira, ocupou a tribuna por quase nove horas consecutivas para denunciar um projeto do governo Obama que estendia cortes de impostos da era Bush. A legislação tinha o objetivo de estimular a economia, mas, para Sanders, os únicos beneficiados seriam os mais ricos.

E na prática?

Apesar da tenacidade e da coerência ao longo de quase 20 anos de vida legislativa, Sanders é considerado um político pouco eficaz no que diz respeito à aprovação de leis. Seus ideais grandiosos, afirmam os críticos, não se traduzem em medidas concretas.

Esse é o temor do establishment do Partido Democrata: as promessas de revolução política seriam apenas promessas, com poucas chances de sobreviver à realidade de um Congresso em que há cada vez menos entendimento entre democratas e republicanos.

Somada à palavra “socialismo”, uma candidatura Sanders seria essencialmente a garantia da reeleição de Trump.

Mas o movimento que transformou Sanders na maior surpresa da eleição de 2016 não pode ser ignorado. Apoiado por uma massa de jovens versados na política digital do século 21 e dono de uma máquina de arrecadação eficiente e inteiramente baseada no crowdfunding, o senador aparece com vantagem em pesquisas que o colocam em confronto direto contra Trump na eleição geral.

Ainda faltam oito meses para a eleição. Pesquisas erram, e as particularidades do sistema eleitoral americano significam que mesmo uma vitória na votação popular – como a obtida por Hillary Clinton há quatro anos – podem não se traduzir em vitória no colégio eleitoral.

Antes de pensar em novembro, porém, Bernie Sanders terá de superar desafios importantes. O primeiro será mobilizar sua base de apoio depois da ascensão surpreendente de Joe Biden.

Sanders também terá de conquistar a confiança do eleitor das primárias democratas restantes. O ex-vice-presidente conquistou com folga os estados com importante população negra – o que é crucial para que o candidato democrata, qualquer que seja o escolhido, tenha chances reais em novembro.

E, caso saia vitorioso da convenção democrata, no fim de julho, Sanders terá de convencer os democratas que não se empolgam com sua agenda esquerdista a sair de casa no dia 3 novembro (a votação não é obrigatória nos Estados Unidos) para votar numa revolução política, comandada por socialista democrático.

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Sérgio Teixeira Jr.

Jornalista colaborador do InfoMoney, radicado em Nova York