Barroso não vê condições para golpe e diz que instituições estabeleceram “limites adequados”

Para ministro, desvio institucional não seria aceito pela sociedade e transformaria o Brasil em pária mundial, mas volume de perguntas sobre golpe preocupa

Marcos Mortari

Publicidade

SÃO PAULO – O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), avalia que o Brasil vive um “momento institucional singular”, de “certo estresse nas relações entre os Poderes”, mas não vislumbra riscos de o processo escalar para uma ameaça de golpe.

O magistrado, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), participou, nesta quarta-feira (25), do painel “Fake News e democracia no debate eleitoral de 2022”, pela Expert XP 2021. Assista os destaques pelo vídeo acima.

Durante o seminário, Barroso fez uma análise sobre o que classifica como “recessão democrática” em diversos países do mundo − a seu ver, fruto de três fatores principais: populismo, extremismo e autoritarismo.

Masterclass

O Poder da Renda Fixa Turbo

Aprenda na prática como aumentar o seu patrimônio com rentabilidade, simplicidade e segurança (e ainda ganhe 02 presentes do InfoMoney)

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

“Foi o processo histórico que, em alguma medida, ocorreu na Hungria, na Polônia, na Turquia, na Rússia, na Geórgia, na Ucrânia, nas Filipinas, na Venezuela, na Nicarágua, mais recentemente em El Salvador. Esse processo é grave e mesmo os Estados Unidos, talvez a mais antiga democracia consolidada, viveu o abalo do discurso de ódio, do discurso de desinformação, do discurso da mentira, da fraude nas eleições, que resultaram na invasão do Capitólio”, disse.

“Nenhum país do mundo está imune a este tipo de risco. Nos países em que isso aconteceu, o Legislativo e sobretudo as Supremas Cortes não conseguiram oferecer a resistência adequada. Na Hungria, foi cooptada; na Polônia foi cooptada; nos Estados Unidos, não foi cooptada; e no Brasil não foi cooptada”, complementou.

No Brasil, o magistrado diz que as diferentes instituições têm dado demonstrações de que estão funcionando e que foram capazes de “estabelecer os limites adequados”, ainda que sob estresse, provocado em sua avaliação por “turbulências artificialmente criadas”.

Continua depois da publicidade

“As pessoas me perguntam: ‘tem risco de golpe?’. Eu gostava de dizer que não − e gosto de dizer que não, e acho que não. Mas o número de vezes que me perguntam isso começa a me preocupar. Mas eu não vejo condições para um golpe no Brasil, simplesmente porque não há uma causa para se dar um golpe”, afirmou.

Barroso tem sido alvo frequente de falas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), sobretudo após sua posição enfática contra a implementação do voto impresso no país – bandeira cara ao mandatário.

“Sempre há, em todas as democracias, alguma tensão entre o Executivo e o Judiciário. Essas tensões, em uma democracia, são absorvidas de maneira institucional e civilizada”, disse.

Continua depois da publicidade

“O Brasil vive um momento peculiar, em que algumas decisões do Supremo (…), todas rigorosamente pautadas pela Constituição, trouxeram algum grau de estresse político, mas não se deveria vislumbrar um risco para as instituições”, pontuou.

Barroso destacou três situações: a decisão que culminou na instalação da CPI da Covid no Senado Federal; o entendimento de que, em matéria de saúde pública, União, estados e municípios compartilham competências; e a criação do inquérito das Fake News – no qual o próprio Bolsonaro acabou incluído no rol de investigados após ataques ao sistema eleitoral.

Desde que o voto impresso ganhou destaque no debate nacional, Barroso passou a ser uma das principais vozes contrárias à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tratava do assunto. Nas discussões, ele sustentou que haveria riscos de quebra da garantia constitucional do sigilo ao voto, dificuldades para o transporte de milhões de cédulas em um país com histórico de roubo de cargas e atuação de milícias e do crime organizado e maior risco de fraudes durante a contagem manual.

Publicidade

Tais posições e envolvimento no processo legislativo tornaram Barroso um dos principais alvos do presidente Jair Bolsonaro. Ao longo das semanas, a crise escalou e passou a envolver os tribunais superiores, que adotaram uma posição em defesa de seus membros.

O ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das Fake News no STF, também voltou a ser atacado por Bolsonaro no período, diante de sua inclusão no inquérito e após uma ofensiva sobre aliados do mandatário – que culminou na prisão de Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, e em buscas e apreensões contra o cantor Sérgio Reis e o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ).

Bolsonaro, na última sexta-feira (20), protocolou um pedido de impeachment contra Alexandre de Moraes no Senado Federal, em um movimento inédito para o país desde a redemocratização. O gesto já havia sido prometido uma semana atrás e o mandatário tem dito que apresentará outro contra Barroso.

Continua depois da publicidade

Embora nos bastidores a avaliação seja de que as ações não devem prosperar, o caso aprofundou o nível de tensão política.

Durante o painel pela Expert XP 2021, Barroso evitou abordar diretamente dos embates com Bolsonaro, mas disse tratar com indiferença ataques pessoais e que seguirá atuando quando considera importante proteger as instituições.

“Ataques pessoais eu ignoro, trato com a indiferença possível. Eu não sou um ator político, não sou um ator institucional, não participo de bate-boca, não paro para discutir miudezas. Eu só atuo quando considero importante proteger as instituições, porque essa é a causa da minha geração”, disse.

Publicidade

“A causa da minha geração foi a conquista e a preservação da democracia, e eu não me desvio deste caminho por nada e acho que a sociedade brasileira já está madura o suficiente para não aceitar qualquer tipo de desvio institucional – que, aliás, nos tornaria párias mundiais”, alertou.

Barroso aproveitou o painel também para dar um recado a figuras políticas e agentes econômicos que, na sua avaliação, flertam com condutas antidemocráticas, ao reforçar que ditaduras não costumam tolerar a liberdade de expressão ou mesmo a livre iniciativa e o empreendedorismo.

“A sociedade brasileira amadureceu o suficiente. Nós já percorremos os ciclos do atraso. E algumas manifestações pré-Iluministas que se verificam aqui e ali, acho que não são passíveis de desfazerem esse espírito democrático que hoje permeia a sociedade brasileira. Democracia significa essencialmente soberania popular, eleições livres, Estado de direito, governo limitado, respeito aos direitos fundamentais”, disse.

“Só pode dizer que não houve ditadura no Brasil quem não conhece um adversário do regime que não tivesse sido torturado. Quem não conheça um jornalista que não tenha sido censurado. Ou quem não conheça um professor que tenha sido cassado. Ditaduras vêm com tortura, censura, cassações. Ninguém deseja a volta disso”, pontuou.

“Ditaduras também não gostam de livre iniciativa, empreendedorismo. Ditaduras não gostam de inovação. Isso vale para esses empresários e empreendedores e para a política também: não namore essa alternativa, porque ditaduras também eliminam a política. E a experiência do Brasil [mostra que] nunca houve tanta estatização quanto no regime militar”, complementou.

As melhores recomendações de investimentos por 30 dias grátis: conheça o Expert Pass

Newsletter

Infomorning

Receba no seu e-mail logo pela manhã as notícias que vão mexer com os mercados, com os seus investimentos e o seu bolso durante o dia

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.