Autonomia financeira do BC vai andar independentemente do governo, diz relator

Senador Plínio Valério (PSDB-AM) diz que tem se reunido com servidores para explicar a proposta, revela conversas com Roberto Campos Neto e afirma que governo teme perda de poder com a PEC 65/2023

Fábio Matos

Senador Plínio Valério (PSDB-AM) é relator da PEC da autonomia financeira do Banco Central (Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado)

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Relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 65/2023) que concede autonomia financeira e orçamentária ao Banco Central (BC), o senador Plínio Valério (PSDB-AM) sabe os desafios que terá pela frente para que o projeto avance no Congresso Nacional – mas está otimista com a sua aprovação, com ou sem o apoio formal do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A PEC transformaria o Banco Central, uma autarquia federal com orçamento vinculado à União, em empresa pública com total autonomia financeira e orçamentária, sob supervisão do Congresso Nacional. O BC teria plena liberdade para definir, por exemplo, os planos de carreira e salários de seus funcionários, contratações e reajustes.

O texto tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal
e superou com folga o endosso necessário para começar a tramitar, somando 42 assinaturas entre os 81 senadores. Caso passe no colegiado, ele precisará de 49 votos em dois turnos de votação no plenário. Depois disso, ainda terá de passar por duas votações na Câmara dos Deputados – também com necessidade do apoio mínimo de 3/5 (ou seja, 308 deputados) em cada uma delas.

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Em entrevista ao InfoMoney, Plínio Valério afirma que pretende entregar o relatório sobre a PEC até o início de junho. O senador revela que tem mantido conversas com os servidores da autoridade monetária e com o próprio presidente do BC, Roberto Campos Neto, um entusiasta da autonomia financeira. A participação do governo nas discussões, no entanto, é praticamente inexistente até o momento, segundo o parlamentar.

“A PEC vai andar, independentemente do governo. Eu vou apresentar o relatório e depois não venham dizer que o governo não foi ouvido”, afirma Valério. “A verdade é que o governo já perdeu muitas no Congresso. Quem tem de estar engajado são o Rodrigo [Pacheco, presidente do Senado] e o [Arthur] Lira [presidente da Câmara]. Eu vou fazer o meu papel e entregar o parecer.”

“Eu tenho dito tanto aos servidores quanto aos diretores do BC que já estiveram comigo: me digam exatamente o que preocupa vocês na PEC e o que vocês gostariam de ver no texto. E aí eu organizo”, garante o senador. “Temos de encontrar esse ponto de equilíbrio. Aqui ninguém vai determinar uma autonomia total, deixando o governo sem nenhuma participação. O ideal, para mim, seria uma decisão salomônica. O governo continuaria ditando a política monetária, o BC executaria essa política e o Senado Federal continuaria fiscalizando.”

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Leia os principais trechos da entrevista do senador Plínio Valério (PSDB-AM) ao InfoMoney:

InfoMoney: O senhor é autor da proposta que deu origem à autonomia operacional do Banco Central, aprovada em 2021. Qual é a importância, agora, da aprovação da autonomia financeira e orçamentária do BC?

Plínio Valério: É mais um passo, mais um avanço. Hoje, o Banco Central não tem garantias para executar plenamente todas as suas atividades. Isso só acontecerá com a autonomia orçamentária e financeira. A medida também acabaria com aquela necessidade de busca permanente por recursos financeiros junto a outros órgãos. A autonomia traria a possibilidade de o BC resolver seus problemas com suas próprias forças, lá dentro, andando com as próprias pernas, sem depender de ninguém.

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IM: A PEC 65/2023 enfrenta forte resistência dos sindicatos de servidores do BC, que alegam que o texto não foi suficientemente debatido e representa uma ameaça à estabilidade dos funcionários. Como o senhor rebate essas críticas?

PV: Eu li uma nota do sindicato em que o presidente diz uma série de coisas que não procedem. Nós recebemos aqui no meu gabinete 99% dos representantes dos funcionários do BC. O que eles querem ouvir do relator é que nós vamos garantir a estabilidade deles. Os aposentados certamente vão reclamar também. Não porque perdem alguma coisa, pois não vão perder nada. É que o aposentado sempre tem medo de mudança para pior, o que não é o caso. Teremos alguns embates, mas a maioria dos servidores que vêm até aqui concordam com a proposta, desde que garantida a estabilidade. E a PEC garante.

IM: O senhor acredita ser possível um acordo com os servidores em torno da PEC?

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PV: Sim. Com os servidores, esse entendimento está encaminhado. Não vejo razão para ficarem preocupados. Eles têm em mim a garantia de que não vai sair um documento que os prejudique, de forma alguma. Eu tenho dito tanto aos servidores quanto aos diretores do BC que já estiveram comigo: me digam exatamente o que preocupa vocês na PEC e o que vocês gostariam de ver no texto. E aí eu organizo. Temos de encontrar esse ponto de equilíbrio. Aqui ninguém vai determinar uma autonomia total, deixando o governo sem nenhuma participação. O ideal, para mim, seria uma decisão salomônica. O governo continuaria ditando a política monetária, o BC executaria essa política e o Senado Federal continuaria fiscalizando. Parece que há quem não queira que a gente tenha esse poder de fiscalizar. Nós temos esse poder e eu não vou tirar isso do Senado. Vai continuar como está, com o BC prestando contas a nós.

IM: O governo ainda não se manifestou oficialmente sobre a PEC, mas comenta-se que há alguma resistência por parte do Executivo. Afinal, o que assusta o governo?

PV: O governo está pensando que estão querendo tirar o poder dele. Acredito que o governo se preocupa, principalmente, com o CMN [Conselho Monetário Nacional, órgão integrado pelo presidente do BC e pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e que tem a responsabilidade de formular a política da moeda e do crédito, ao qual está submetido o orçamento do BC]. O governo tem maioria no CMN. Além disso, a PEC também dá certos poderes ao Senado, que supervisionaria o BC, enquanto o governo ficaria basicamente apenas com o CMN. Na prática, o BC não vai mais pedir a bênção nem permissão ao governo… E eles não querem perder isso. No meu entendimento, essa é uma leitura equivocada. Eles traçam a política, o BC executa e a gente cobra. É simples. Agora, se você me perguntar se o governo é favorável ou contrário à PEC, eu ainda não tenho essa resposta. O fato é que temos poucos senadores engajados no tema neste momento. Quando o governo demonstrar interesse, a coisa melhora. Mas, de forma geral, a gente sente aqui no Senado, como já aconteceu com a autonomia operacional do BC, que grande parte dos parlamentares concorda com esse avanço da autoridade monetária, seguindo o que é praticado pelos grandes bancos centrais do mundo.

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IM: O senhor já conversou com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ou com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, sobre a PEC?

PV: Eu converso por telefone com o Roberto Campos Neto. Já deixei claro que não vou sair do Senado para ouvir ninguém. O lugar de fazer esse debate é o Senado da República. Conversei com ele umas três vezes, e ele me relatou que teve duas conversas sobre o assunto com o Haddad. Ele me disse que o Haddad nunca afirmou que é contra [a PEC] e que ele [Campos Neto] expôs os principais pontos ao Haddad, que compreendeu e ficou de dar uma resposta. Eu conversei há pouco com o Jacques Wagner [PT-BA, líder do governo no Senado], perguntando qual era o interesse do governo. Eu disse a ele que vou elaborar o relatório e que só falta ouvir o governo. Em princípio, eles [governo] ficaram “cabreiros” quanto a isso, mas ele terá uma outra conversa lá e me trará o que o governo está pensando.

IM: Sem o apoio do governo, é possível aprovar o projeto?

PV: A PEC vai andar, independentemente do governo. Eu vou apresentar o relatório e depois não venham dizer que o governo não foi ouvido. Mas acho que o Jaques Wagner vai trazer esse posicionamento. A verdade é que o governo já perdeu muitas no Congresso. Quem tem de estar engajado são o Rodrigo [Pacheco, presidente do Senado] e o [Arthur] Lira [presidente da Câmara]. Eu vou fazer o meu papel.

IM: Neste momento, quais são os pontos que geram mais controvérsia no texto da PEC?

PV: São sete pontos que estão gerando maior discussão. O principal deles é a redução das funções do CMN. Algumas dessas funções seriam transferidas para o Congresso Nacional. Eu, particularmente, também acho isso exagerado, nós não podemos amordaçar o governo. Você não pode tirar tudo do governo em uma tacada só. O orçamento do BC e o financiamento de suas atividades também precisariam de uma melhor definição. Outro ponto é a alteração da natureza jurídica do banco, de autarquia para empresa pública. Estamos ainda observando com atenção os efeitos da PEC sobre os servidores; como ficaria a coordenação entre políticas macroeconômicas (monetária e fiscal), já que mudaria o vínculo entre BC e Executivo; e a delegação de poder de polícia para pessoa jurídica de direito privado, o que pode exigir uma redefinição. Estamos ouvindo os servidores do BC para saber quais efeitos todos esses pontos causariam sobre a atividade deles.

IM: Quando o senhor pretende apresentar o seu parecer na CCJ?

PV: Eu devo apresentar o relatório no começo de junho. O mês de março será todo dedicado a essas conversas e discussões. Temos, então, dois meses para produzir o relatório: abril e maio. Se os atores envolvidos nesse debate responderem ao que eu estou perguntando e mostrarem os pontos de preocupação de cada um e o que eles gostariam de ver no texto, eu consigo fazer o relatório de forma célere.

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Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Além do InfoMoney, teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”.