Autonomia do Banco Central com “mandato triplo” ganha apoio no Senado; entenda os principais pontos

Assunto vem sendo discutido há décadas, mas sempre enfrentou dificuldades para avançar no parlamento

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O plenário do Senado Federal deve apreciar, na próxima semana, um projeto de lei complementar que prevê a autonomia formal do Banco Central, institui mandato fixo para seus membros e estabelece uma espécie de “mandato triplo” para a autoridade monetária, mantendo compromisso central com a estabilidade de preços.

O assunto vem sendo discutido há décadas, mas enfrenta dificuldades para avançar no parlamento. Na última semana, houve uma tentativa, por parte do líder do governo na casa, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), de aproveitar a presença de parlamentares que estavam em Brasília para a votação pela indicação de Kassio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal (STF) para deliberar sobre o assunto.

Mas, por falta de acordo entre os líderes, o tema acabou passando para a pauta de 3 de novembro – no que poderá ser o último esforço dos senadores antes das eleições municipais. Para analistas políticos, a tramitação da proposta também deve ser influenciada pela dinâmica da disputa pela presidência das duas casas legislativas, que só ocorre em fevereiro do ano que vem.

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“Os líderes de oposição se indispuseram com essa possibilidade e Davi Alcolumbre (DEM-AP) não quis desarrumar o plenário às vésperas da definição se vai ou não ser candidato [a reeleição à presidência da casa]. Ele vai precisar de maioria para alterar o regimento, se esse for o caminho que o Supremo decidir. Vai precisar do voto secreto para ser eleito. Então, terá de respeitar acordos com a oposição”, afirma Paulo Gama, analista político da XP Investimentos.

Este foi um dos assuntos do podcast Frequência Política. programa é uma parceria entre o InfoMoney e a XP Investimentos. Ouça a íntegra pelo player acima.

O texto que pode ser votado pelos congressistas é o PLP 19/2019, de autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM). Em seu relatório, o senador Telmário Mota (PROS-RR), tem buscado combinar o compromisso com o controle da inflação a esforços com a estabilidade e a eficiência do sistema financeiro, com as flutuações do nível de atividade econômica e com o pleno emprego.

“O Banco Central do Brasil tem por objetivo fundamental assegurar a estabilidade de preços”, diz o primeiro artigo da última versão do parecer protocolada na casa.

“Sem prejuízo de seu objetivo fundamental, o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”, continua o texto.

A inclusão de outros objetivos da autoridade monetária, para além do atual compromisso com o controle dos preços, é contrapartida normalmente demandada por parlamentares da oposição, que adotam postura mais crítica à autonomia da instituição. A inclusão dos termos no relatório foi articulada pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM), que negociou com membros do próprio BC.

“No meu último relatório àquela Comissão, destaquei que atribuir mandato duplo abriria espaço para o Banco Central ser afetado pelo ciclo político, sendo potencialmente mais pressionado a estimular a atividade econômica e o emprego no curto prazo, visando benefícios políticos e eleitorais, em detrimento de uma inflação mais alta no futuro próximo (dilema entre curto versus longo prazo)”, diz o senador Telmário Mota em seu relatório.

“Por outro lado, as novas interações ocorridas posteriormente à conclusão da análise da matéria pela Comissão de Assuntos Econômicos, todavia, com a participação do Senador Eduardo Braga e de representantes do Banco Central, permitiram compreender que é possível contemplar na atuação do Banco Central as legítimas preocupações com o pleno emprego, sem dar azo aos riscos cogitados na minha última manifestação”, complementa.

A busca pelo pleno emprego e a atenção a flutuações do nível de atividade econômica, contudo, na prática entram como atribuições secundárias da autoridade monetária – o que trouxe o apelido de mandato duplo (ou triplo) “light”. Nas palavras do relator, a inserção desses objetivos em lei tem também “o mérito (…) de garantir segurança jurídica à atuação multifacetada da autoridade monetária”.

O substitutivo prevê que o Conselho Monetário Nacional (CMN), integrado pelo presidente do BC, ministro da Economia e secretário especial da Fazenda, estabeleça as metas de política monetária. Nos demais casos, não está claro como funcionará a definição de objetivos. Em um caso de economia já operando com juro real negativo, há dúvidas sobre os instrumentos à disposição da autoridade monetária.

No que trata da efetiva autonomia do Banco Central, o texto diz que a autoridade monetária passará a ser “autarquia de natureza especial”, com autonomia “técnica, operacional, administrativa e financeira”, deixando de ter qualquer vínculo de tutela ou subordinação hierárquica com ministério.

O substitutivo também estabelece mandatos de quatro anos para presidente e diretores do órgão, prorrogáveis por igual período, e distribui as nomeações ao longo do mandato do presidente da República, de modo que a impedir uma completa modificação do quadro da instituição no momento da posse de um novo chefe do Poder Executivo.

Segundo o relatório, o mandato do presidente do BC deverá começar sempre em 1º de janeiro do terceiro ano de mandato do presidente da República. Ou seja, se a regra estivesse em vigor atualmente, Bolsonaro só poderia nomear Roberto Campos Neto para o posto no ano que vem, e Ilan Goldfajn estaria no comando da autoridade monetária até hoje.

Os demais diretores teriam suas nomeações distribuídas ao longo do mandato do chefe do Poder Executivo, com as indicações ocorrendo em duplas. Os dois primeiros escolhidos teriam mandatos com início em 1º de março do primeiro ano de mandato do presidente da República. E os dois últimos assumiriam apenas em 1º de janeiro do quarto ano de mandato presidencial.

Entre os dois grupos, haveria dois pares de nomeações: um em janeiro do segundo e outra em janeiro do terceiro anos de mandato. O texto, porém, não especifica a ordem de renovação das diretorias, o que poderia dar alguma liberdade ao presidente em exercício.

Como transição, caso a proposta seja aprovada pelo parlamento ainda neste ano, o presidente e os oito diretores do BC teriam que ser nomeados por Bolsonaro no dia 1º de janeiro de 2021. Apenas o comandante da instituição e dois diretores teriam o mandato completo, de quatro anos.

No relatório, o senador Telmário Mota também chamou atenção para os esperados resultados com a aprovação da proposição. “Trata-se de uma questão importante, particularmente em anos eleitorais e quando há, no poder, governos com viés populista, seja ele de direita ou de esquerda”, diz.

“A simples disposição legal de que há autonomia formal, com a não coincidência de mandatos com o Presidente da República, evita até mesmo interpretações muitas vezes equivocadas de que o Banco Central do Brasil deixou de aumentar a taxa básica de juros para conter a inflação por causa de pressões político-partidárias ou eleitorais”, sustenta.

Para os analistas da consultoria de risco político Eurasia Group, as concessões feitas pelo relator quanto ao mandato do Banco Central reduziram a oposição ao projeto, mas as chances de conclusão de tramitação nas duas casas legislativas ainda neste ano são limitadas.

“Apesar de existir maior consenso no Senado, a proposta provavelmente só será aprovada no Congresso em 2021”, projetam.

Vale lembrar que tramita desde 1989, na Câmara, um projeto de lei complementar sobre o assunto. O texto está apensado a proposição mais recente (PLP 112), encaminhada pelo próprio governo federal no ano passado e que estabelece apenas como objetivo fundamental da autoridade monetária “assegurar a estabilidade de preços” e, sem prejuízo da primeira meta, “zelar pela estabilidade financeira”.

Na avaliação de Paulo Gama, da XP Investimentos, o assunto ainda demandará esforço para a construção de consenso na Câmara dos Deputados e dificilmente será superado ainda durante a atual gestão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) no comando da casa legislativa.

“Como é uma matéria cara ao governo, quem tem perspectiva de assumir a presidência da Câmara prefere assumir com o governo precisando votar o texto em fevereiro. [Na perspectiva dos parlamentares,] É melhor ter um bom instrumento de negociação à frente”, diz.

O assunto foi abordado na edição desta semana do podcast Frequência Política. Você pode ouvir a íntegra pelo SpotifySpreakeriTunesGoogle Podcasts e Castbox ou baixar o episódio clicando aqui.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.