Atos golpistas em Brasília mudam agenda política na largada do governo Lula e exigem coordenação sóbria entre os Poderes

Atos podem colocar pauta econômica em segundo plano no curto prazo; efeitos das respostas serão decisivos para retomada de normalidade institucional

Marcos Mortari

Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro durante a invasão ao Palácio do Planalto (Foto: LUCAS NEVES/ENQUADRAR/ESTADÃO CONTEÚDO)

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Os atos golpistas que tomaram a Praça dos Três Poderes no último domingo (8), em Brasília, mais do que representarem o primeiro grande desafio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desde a posse, alteram o eixo da agenda política nacional de curto prazo e pressionam as instituições por respostas em um contexto inédito na Nova República.

Analistas políticos consultados pelo InfoMoney acreditam que os acontecimentos podem atrasar o calendário das discussões sobre a agenda econômica – especialmente a de um novo arcabouço fiscal e a possibilidade de revisão de benefícios tributários a setores específicos.

“O foco agora muda totalmente. Estávamos discutindo agenda econômica e passamos a falar sobre os responsáveis pelos atos e o financiamento”, observou um especialista consultado sob a condição de anonimato. Isso certamente afetará o humor dos agentes econômicos.

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“A invasão da Praça dos Três Poderes ontem e a consequente elevação na incertezas política local devem levar os investidores a exigirem maiores prêmios de risco nos ativos domésticos, o que deve resultar em dia negativo para o mercado local, com o Ibovespa impactado, também, pela queda no minério de ferro”, observam os analistas da Nova Futura Investimentos.

Para eles, “o dólar deve ser o melhor termômetro da piora no sentimento de risco, não só por ser um hedge natural, mas pelo fato de bolsa e as taxas de juros já estarem bastante descontados”.

Em nota publicada no último domingo, analistas do J.P. Morgan disseram esperar reação negativa dos mercados, mas concentrada no curto prazo. Já a Capital Economics ressalta que as implicações da invasão são principalmente políticas, mas resultam em prêmio de risco prolongado para os ativos financeiros do país. Outros analistas seguiram na mesma linha.

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Os episódios fazem com que o mundo político deixe outras pautas em segundo plano e se volte para um conjunto de medidas em resposta ao que tem sido visto como a versão brasileira da invasão ao Capitólio, sede do Congresso dos Estados Unidos, ocorrida dois anos atrás por apoiadores do então presidente Donald Trump.

Havia uma expectativa inicial que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) detalhasse nesta semana as primeiras medidas de ajuste fiscal discutidas na semana passada com sua equipe e com o presidente Lula. Mas é provável que a pauta tenha que esperar um pouco mais até que a nuvem da crise institucional instalada se disperse.

Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) – o primeiro presidente a tentar a reeleição no país e ser derrotado nas urnas – avançaram ontem (8) sobre a Esplanada dos Ministérios e invadiram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), e deixaram um rastro de destruição aos prédios públicos.

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Parte da mudança de agenda já foi observada no domingo, com a decretação de intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal por Lula e o afastamento do governador Ibaneis Rocha do cargo ao qual foi reeleito em primeiro turno por 90 dias.

A expectativa é de uma ação enérgica dos Três Poderes em resposta aos atos. No Congresso Nacional, que está em recesso, já há discussões sobre a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os atos, seus responsáveis e financiadores.

Para Lula, este será um teste sobre a força do novo governo e de capacidade de inaugurar um novo momento na relação com Judiciário e Legislativo.

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A velocidade em reverter o quadro de tomada da Praça dos Três Poderes foi uma primeira sinalização do novo governo, mas ainda deve ser monitorado o potencial contágio dos atos pelo país, com novos bloqueios de vias públicas, e o grau de comprometimento dos 27 governadores em cumprir a determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF, pela desmobilização de acampamentos bolsonaristas em frente a quartéis do Exército e outras estruturas militares.

“As invasões representam desgaste simbólico por terem sido atingidos prédios que abrigam o poder do Estado, mas o fato de terem se restringido ao domingo – sem interrupção de atividades e durante o recesso parlamentar – minimizam suas consequências diretas imediatas. Nesse sentido, válido ressaltar a postura condenatória unânime de atores da política institucional, incluindo o partido de Jair Bolsonaro, que havia sido mais tolerante em episódios anteriores”, observam os analistas da XP Política.

O tom das autoridades em resposta aos atos é considerado fundamental para determinar se o episódio será um “fantasma” para o futuro da gestão do presidente ou se a resposta o terá fortalecido no cargo.

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Apesar de os atos representarem um teste importante ao governo Lula, o analista político Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores, ressalta que o vandalismo registrado legitima medidas do governo que antes poderiam ser questionadas para enfrentar golpistas que até hoje não aceitam o resultado das últimas eleições.

“As instituições acharam os inimigos externos como os culpados, além dos radicais nas ruas. Isso pode resultar em fortalecimento do governo. Mas é um pouco cedo falar sobre isso”, pontuou um analista sob a condição de anonimato.

Há uma avaliação de que as cenas também afastam eleitores de “centro” que escolheram Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno da disputa pelo Palácio do Planalto e restringem a base de apoio do ex-presidente a um gueto radicalizado.

O que pode trazer consequências, inclusive, para a articulação do grupo no Congresso Nacional – já que o bolsonarismo conseguiu construir bancadas relevantes na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

Para especialistas do Direito, os atos de ontem podem inaugurar uma nova era de medidas excepcionais por parte do Poder Judiciário, como se observou no enfrentamento à pandemia de Covid-19 ou mesmo em resposta aos atos antidemocráticos de apoiadores de Bolsonaro nos últimos anos.

Mas, ao pisar neste terreno, o Supremo Tribunal Federal retorna aos riscos de danos colaterais sobre eventuais excessos. Calcular as medidas corretas e na intensidade devida será o principal desafio dos magistrados, que nos últimos anos passaram a viver sob forte pressão e ataque de um grupo político no poder. Qualquer avanço indevido pode gerar danos significativos e abrir precedentes perigosos.

(com Reuters)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.