Atos golpistas em Brasília devem colocar agenda econômica em segundo plano, dizem analistas

Necessidade de resposta enfática dos Poderes deve tomar agenda política nos próximos dias; descoordenação sobre pauta econômica também prejudica avanços

Marcos Mortari

Posse de Fernando Haddad (Reuters)

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Os atos golpistas de invasão às sedes dos Três Poderes em Brasília, no último domingo (8), tiveram como consequência imediata, além das respostas institucionais e a percepção de instabilidade política entre agentes econômicos, um entendimento de deslocamento da agenda política nas primeiras semanas de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Enquanto a equipe econômica ensaiava os passos para a apresentação das primeiras medidas na semana que se inicia, o episódio de ontem e suas consequências tendem a concentrar as atenções e esforços do mundo político, ao menos em um horizonte de curto prazo. É o que avaliam analistas políticos consultados pelo InfoMoney.

“A política deve ver um deslocamento da pauta de discussão, que tende a fugir das medidas econômicas do ministério de Fernando Haddad para se concentrar em uma força-tarefa de governo, Congresso e Supremo em direção a reações para encontrar e responsabilizar os culpados pelos atos”, avaliam os analistas da XP Política em relatório a clientes.

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“O Planalto pretende exibir reação firme e enérgica para evitar que a possibilidade de repetição dos episódios de ontem seja uma sombra com a qual o governo Lula precise conviver”, prosseguem. Para eles, também é necessário um monitoramento acerca de possíveis desdobramentos que os atos podem provocar entre manifestantes radicalizados espalhados pelo país.

“Com a decisão de Alexandre de Moraes, de dissolução completa dos acampamentos em frente aos quartéis em 24 horas, será importante observar o comportamento de forças policiais e governadores para executá-las”, destacam.

O analista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria Integrada e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), ressalta que os acontecimentos de ontem são “resultado de um longo processo de corrosão instituições”, dificultando a condução de consensos em outros temas da agenda de políticas públicas, como a econômica.

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Para ele, a retomada de alguma normalização do quadro, fundamental para a retomada de discussões de políticas, passa necessariamente pela recuperação da institucionalidade envolvendo forças de segurança, sejam policiais, sejam militares – que sofreram forte politização durante os últimos anos de governo de Jair Bolsonaro (PL).

O especialista também destaca que o episódio mostra que “o governo Lula começa com capital político baixo, a despeito da formação da coalizão suprapartidária” no processo eleitoral – situação que traz impactos para o andamento do debate econômico, sobretudo quando são consideras as divergências sobre o tema dentro da própria base do governo.

“Isso, de alguma maneira, aumenta as chances de uma transição no debate econômico mais suave. A ideia de um choque ortodoxo vai ganhando menor probabilidade, porque a questão de maior gravidade passa a ser mesmo recuperar essa institucionalidade democrática”, diz.

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Para ele, o comprometimento da agenda vai depender do tempo que a pauta do resgate da estabilidade institucional consumir. Como o Congresso Nacional ainda está em período de recesso, os prejuízos seriam maiores em caso de extensão para além do mês de janeiro.

“Há uma falta de coordenação da base aliada na agenda econômica. O que eventualmente pode dar liga a essa coalizão é a agenda institucional. Essa coalizão, que é bastante heterogênea, não tem um Plano Real, ela foi construída ao risco democrático”, observa.

Embora os episódios reforcem a agenda político-institucional, que unifica as partes da coalizão governista, e esfriem a pauta econômica no curto prazo, Cortez acredita que é possível haver consequências positivas para a governabilidade, diante da percepção de um cenário de risco.

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“O que pode sair de positivo é a ideia de a base aliada contribuir para a governabilidade – até para evitar o agravamento deste cenário”, conclui.

Diante dos fatos recentes, o ministro Fernando Haddad (PT) está rediscutindo com a Casa Civil cronograma das primeiras medidas econômicas do governo. Conforme noticiou a Reuters, há risco de adiamento das primeiras ações planejadas pela equipe econômica.

Pressionado a apresentar ações concretas e avaliações sobre o quadro fiscal do país, Haddad previa que as primeiras divulgações ocorreriam já nesta semana. Com conversas ainda preliminares diante do novo cenário, o plano pode mudar.

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“É possível que haja algum atraso na divulgação. Muito complicada a situação”, disse uma das fontes, sob condição de anonimato.

Outro interlocutor da pasta afirmou que a agenda da semana pode mudar, com possível adiamento das primeiras medidas.

Haddad ainda fecharia com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a lista de ações a serem implementadas. Os eixos de atuação incluem reavaliação das receitas federais para 2023 e medidas para ampliar a arrecadação e cortar gastos.

Entre as medidas estudadas estão um incentivo extraordinário à redução de litígio no Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais) e a reavaliação de desonerações tributárias implementadas pelo governo Jair Bolsonaro.

O ministro também pediu prioridade aos estudos de reformas estruturais, como a tributária e a fiscal, mas essas iniciativas já tinham prazo mais alargado para serem colocadas em prática. Até semana passada, Haddad previa debate sobre os temas nos três primeiros meses de governo e início efetivo da análise pelo Congresso a partir de abril.

Após apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro invadirem e depredarem o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal no domingo, Haddad está participando pessoalmente das reuniões emergenciais com o presidente Lula e representantes de outros poderes.

Duas outras fontes da área econômica afirmam que os trabalhos do corpo técnico do Ministério da Fazenda seguem ocorrendo normalmente. Enquanto uma delas afirma a apresentação das ações ainda dependerá de decisão de Haddad e Lula, a outra diz esperar que o cronograma não seja afetado pelos acontecimentos recentes.

Em outra área da equipe econômica que será impactada pelos atos de bolsonaristas, o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos é responsável pela secretaria que administra o patrimônio da União. Por isso, a pasta deve acompanhar o levantamento dos danos causados pelos manifestantes e a elaboração do plano para recuperar os edifícios.

Nesta segunda-feira, a ministra da Gestão, Esther Dweck, estava entre os nomes que participariam de um seminário sobre economia na Universidade de Brasília. A participação acabou cancelada.

(com Reuters)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.