“Até o Lula diria reservadamente que o lulopetismo naufragou”, diz Serra

Para o senador, o momento é grave e mostra o fim do ciclo do modelo que se convencionou chamar de "lulopetismo"; enquanto isso, Dilma vive situação de completa falta de poder

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Entrevistado pelo jornal Valor Econômico para a edição desta segunda-feira, o ex-governador paulista e senador José Serra (PSDB-SP) fez uma comparação entre os momentos que viveu no Brasil e no Chile poucos meses antes dos golpes que deram início a regimes militares nos dois países. Segundo ele, naquela época (1964 e 1973), eram nações praticamente divididas ao meio. “Antes de cair, Jango, numa pesquisa do Ibope, tinha mais de 40% de popularidade. O presidente chileno, Salvador Allende, seis meses antes de ser derrubado, tinha obtido 42% dos votos nas eleições parlamentares. A particularidade da situação brasileira de hoje é que praticamente não há divisão. A esmagadora maioria do povo é contra o governo”, comparou.

Na avaliação do tucano, a sociedade brasileira enfrentaria “perturbações gravíssimas“ se a participação política de grupos militares hoje fosse a mesma daqueles anos. Mas isso, em seu diagnóstico, não acontece, graças às conquistas da democracia pós-1985. O atual momento de fragilidade enfrentado pela presidente Dilma Rousseff seria de crise econômica, política e moral, segundo Serra. “O governo é incapaz de enfrentar com um mínimo de eficiência os transtornos da economia, fazer articulação política eficiente com Congresso e partidos”, observou.

Segundo ele, o momento é grave e mostra o fim do ciclo do modelo que se convencionou chamar de ‘lulopetismo’. “Se você perguntasse reservadamente para o Lula se o lulopetismo naufragou, creio que até ele diria que sim”, afirmou. Seu diagnóstico é de completa falta de poder da presidente da República Dilma Rousseff, mas que só cabe a ela a possibilidade de construir acordos para governar. “A presidente é quem tem a caneta, mas não sabe o que fazer com ela. Ela terceirizou a articulação política, o comando da economia e a definição da agenda. Terceirizou o trabalho de ser presidente. Depende da boa vontade alheia para trocar o governo. As instituições começam a derreter e suas áreas fronteiriças tendem a se misturar, causando confusão. É como se ninguém soubesse mais qual é o papel de quem e responsabilidades e limites de cada um”, disse.

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De qualquer modo, ele não acredita que o momento seja o mesmo que culminou na queda do presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, movimento ao qual defendeu à época. “Collor não tinha partido. Dilma tem. Ele não tem base formal de sustentação. Agora, [a presidente] tem. […] Curiosamente, durante o seu governo, o Congresso não armou bombas fiscais, apesar de ele ter minoria”, disse. Para ele, o cenário atual é marcado pelas incertezas e quem disser que sabe com certeza se Dilma termina o mandato está por fora. De qualquer modo, ele entende que a renúncia, menos provável, poderia agradar grande parcela da sociedade. “Não tenho dúvidas que a esmagadora maioria do país gostaria que ela renunciasse”.

No plano econômico, Serra fez duras críticas à atual política econômica, que chamou de “ativa e burra”. Para ele, Banco Central e Fazenda, supostamente desprovidos de política coordenada, não cumprem as metas de estabilização da relação dívida-PIB e trocam os pés pelas mãos quando não usam as caras reservas cambiais e fazem operações com dólar futuro para amenizar perdas de investidores. “Mas não há nenhum motivo econômico objetivo para o câmbio explodir, fora a especulação propriamente dita e a ansiedade pela não existência de governo”, atacou.

O parlamentar também falou sobre as “pautas-bomba”, matérias que ficaram conhecidas por potenciais risco à estabilidade econômica do país, sobre as quais pensa que não pesam tanto sobre o governo, mas sim, para o futuro do Brasil. “Se tudo for aprovado, o futuro será vítima deste presente de irresponsabilidade fiscal”, diz. Segundo ele, a única pauta-bomba que estourou foi a do fim do fator previdenciário, cujo efeito é a longo prazo.

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Serra ainda rejeitou o uso desses projetos para enfraquecer o governo. “Isso não pode ser analisado em termos do que é bom e do que é ruim para Dilma. Não é necessário fazer bombas fiscais no país para que o governo se desgaste mais”, disse. “Na maior parte dos países, o Congresso é populista do ponto de vista fiscal. O fator de equilíbrio tem que ser puxado pelo Executivo”, ponderou. Neste mesmo raciocínio, o ex-governador paulista alertou para os riscos do que costuma chamar de “Fuce” (frente única contra o erário): “A ‘Fuce’ se fortaleceu recentemente, porque, vamos ter claro: aquilo que se chama de direita, no Brasil, é tudo menos austera. E a esquerda apenas pensa que é esquerda, mas é porta-voz de corporações, em geral alheias às grandes massas do povo”.

O senador não enxerga retomada do crescimento para os próximos anos e critica a desindustrialização do país, que ganhou ímpeto durante os últimos governos, em seu entendimento. Para ele, o grande problema é que não há projetos, mesmo que difíceis de se pôr em prática, para a economia. “Como no país de Alice: se você não sabe para onde vai, todos os caminhos o levarão a lugar nenhum”, concluiu.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.