Ataques de Lula ao Banco Central têm efeito limitado e não devem alterar funcionamento da instituição, dizem analistas

Especialistas consultados pelo InfoMoney veem baixa probabilidade de exoneração do integrantes do BC ou do fim da autonomia da instituição no atual governo

Marcos Mortari

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) (Foto: Lula Marques/Agência Brasil)

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Um dos principais alvos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos primeiros dois meses de seu novo mandato à frente do Palácio do Planalto, o Banco Central corre riscos reduzidos de passar por mudanças estruturais nos próximos quatro anos.

Esta é a aposta de especialistas consultados na 42ª rodada do Barômetro do Poder, levantamento feito mensalmente pelo InfoMoney com consultorias e analistas independentes sobre alguns dos principais temas em discussão na política nacional. Clique aqui para acessar a íntegra.

O levantamento, realizado entre os dias 15 e 17 de fevereiro, mostra que 84% dos participantes atribuem probabilidade baixa ou muito baixa para o fim da autonomia do Banco Central até 2026, quando ocorrerá a próxima eleição presidencial. Apenas 8% veem chances elevadas de isso acontecer.

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A lei que estabelece a autonomia do Banco Central foi aprovada pelo Congresso Nacional em fevereiro de 2021. O texto define a instituição como “autarquia de natureza especial caracterizada pela ausência de vinculação a Ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica, pela autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira”.

A legislação determina como missão do BC “assegurar a estabilidade de preços”, além do objetivo de “zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”. E fixa mandatos para o presidente e diretores da instituição de forma faseada e não coincidente com o mandato do chefe do Executivo, de modo a reduzir o risco de interferência política e mudanças abruptas na condução da política monetária.

Em mais de uma situação como presidente, Lula questionou a eficácia da autonomia do Banco Central − tema historicamente criticado pelo Partido dos Trabalhadores, que sempre apontou para os riscos de coordenação da política econômica com esta formatação − e sugeriu uma possível revisão da regra ao final do mandato do atual presidente da instituição, Roberto Campos Neto, em 31 de dezembro de 2024.

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O movimento, porém, enfrentaria forte resistência no Congresso Nacional, já que se trata de legislação recentemente aprovada. Os atuais presidentes das duas casas legislativas, Arthur Lira (PP-AL), da Câmara dos Deputados, e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), do Senado Federal, saíram, nas últimas semanas, em defesa da norma vigente, indicando baixa disposição em apoiar a cruzada do mandatário.

O Barômetro do Poder também mostra que a maioria dos analistas políticos consultados (93%) vê como baixa a probabilidade de o presidente ou algum diretor do Banco Central ser exonerado. Apenas 8% entendem que a saída antecipada de um dos integrantes tem alta probabilidade de acontecer ao longo do terceiro mandato de Lula.

A legislação em vigor prevê quatro situações em que o presidente ou qualquer diretor do BC poderia ser exonerado pelo chefe do Poder Executivo. São elas: 1) a pedido; 2) no caso de acometimento de enfermidade que incapacite o titular para o exercício do cargo; 3) quando sofrerem condenação, mediante decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, pela prática de ato de improbidade administrativa ou de crime cuja pena acarrete, ainda que temporariamente, a proibição de acesso a cargos públicos; ou 4) quando apresentarem comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos da instituição.

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A única hipótese em que há espaço para subjetividade é a última. Mas neste caso, a lei diz que compete ao Conselho Monetário Nacional (CMN) − colegiado formado pelos ministros da Fazenda e Planejamento e Orçamento, além do próprio presidente do BC − submeter ao Presidente da República a proposta de exoneração, que dependerá ainda da aprovação do Senado Federal por maioria absoluta do plenário (ou seja, pelo menos 41 dos 81 votos).

A despeito da pressão política, Lula tem indicado que respeitará o mandato de Roberto Campos Neto. Nos bastidores, os ataques do mandatário são entendidos como uma tentativa de se construir uma narrativa para dividir responsabilidades por um desempenho negativo da economia no segundo semestre, conforme mostram as projeções de especialistas. Após uma eleição apertada, a avaliação é que Lula tenta lançar mão dos instrumentos disponíveis para manter popularidade durante o mandato.

O Barômetro do Poder mostra que a maioria dos analistas consultados (69%) acredita que Roberto Campos Neto concluirá seu mandato, estabelecido até 31 de dezembro de 2024. As apostas mostram uma percepção majoritária sobre as limitações da ofensiva de Lula sobre a política monetária em curso.

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Considerando uma escala de 1 (muito baixa) a 5 (muito alta), a probabilidade média atribuída para uma possível queda precoce de Campos Neto é de apenas 2,00.

O levantamento ainda testou outras duas situações envolvendo a autoridade monetária − ambas com maior probabilidade atribuída pelos analistas. A primeira envolve a chance de alteração de metas anuais de inflação já estabelecidas durante o Lula III. Neste caso, 62% veem risco elevado, contra apenas 15% no sentido oposto.

Já a segunda envolve um possível uso de bancos públicos para a oferta de crédito subsidiado a setores econômicos, gerando como consequência maior pressão sobre a política de juros do BC. Neste caso, 54% veem probabilidade alta ou muito alta. Apenas 8% se posicionaram no campo contrário.

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Nas duas situações, a probabilidade média atribuída supera a marca de 3,00 na escala que vai de 1 a 5, computando 3,46 na primeira e 3,54 na segunda.

Duas semanas atrás, o mercado financeiro monitorava com atenção a possibilidade de o Conselho Monetário Nacional (CMN) incluir na pauta da primeira reunião, realizada em 16 de fevereiro, a discussão sobre uma eventual mudança na meta de inflação, fixada em 3,25% para 2023 e 3% para o ano seguinte, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.

Em um contexto de inflação alta no mundo todo e com os bancos centrais enfrentando dificuldades para atingirem suas metas, muitos economistas veem o debate como legítimo, sob a alegação de que a pura perseguição de tal objetivo pode gerar efeitos colaterais muito severos sobre a atividade econômica e o nível de emprego.

Outros dizem que, no caso brasileiro, mudar o benchmark em um momento de indefinição sobre a política fiscal pode desancorar expectativas e não abrir o espaço esperado para o Banco Central antecipar um processo de cortes na taxa básica de juros (a Selic), atualmente fixada em 13,75% ao ano.

A despeito das preocupações de alguns agentes econômicos, o assunto não foi discutido formalmente na reunião entre os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) com Roberto Campos Neto (Banco Central).

No horizonte mais próximo, as atenções agora se voltam para a nomeação de dois diretores para o Banco Central por Lula. Amanhã (28) os mandatos de Bruno Serra Fernandes, diretor de Política Monetária da instituição, e Paulo Souza, diretor de Fiscalização, expiram. O perfil dos novos escolhidos é visto como fundamental para o futuro do BC e para as relações entre o novo governo e a instituição.

“A pressão de Lula sobre o Banco Central deve dissipar-se significativamente após a nomeação de dois novos membros para a diretoria colegiada do BC, prevista para ser enviada ao Senado até o fim de fevereiro”, aposta um analista político consultado pelo Barômetro do Poder.

O levantamento mostra que 46% dos entrevistados apostam em uma melhora nas relações entre Lula e o Banco Central nos próximos seis meses. Outros 23% esperam uma piora, enquanto 31% acreditam que o cenário não sofrerá mudanças significativas.

“O governo Lula está montando uma narrativa em cima da atuação do Banco Central para justificar eventual fraco desempenho econômico. O fim da autonomia do BC está fora de cogitação, com respaldo dos presidentes da Câmara e do Senado”, disse um segundo participante.

“A recessão contratada para o segundo semestre vai testar a capacidade do governo em manter uma política econômica que não seja dilmista”, pontuou um terceiro analista.

Esta edição do Barômetro do Poder ouviu 11 consultorias políticas: BMJ Consultores Associados; Control Risks; Dharma Political Risk & Strategy; Empower Consultoria; Eurasia Group; Medley Global Advisors; Patri Políticas Públicas; Ponteio Política; Prospectiva Consultoria; Pulso Público; e XP Política. E 2 analistas independentes: Carlos Melo (Insper); e Thomas Traumann.

Conforme acordado previamente com os participantes, os resultados são divulgados apenas de forma agregada, sendo preservado o anonimato das respostas e dos comentários.

Clique aqui para acessar a íntegra.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.