As duas dimensões da demissão de Sérgio Moro e os riscos de impeachment de Bolsonaro

João Villaverde, analista político da Medley Advisors, comenta o episódio que provocou a maior crise do governo Bolsonaro e suas consequências

Marcos Mortari

Publicidade

SÃO PAULO – A saída do ex-juiz federal Sérgio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro precisa ser observada politicamente em ao menos duas dimensões, que estão profundamente interligadas, mas são diferentemente afetadas pelo episódio.

Do lado mais sensível, está a ótica da opinião pública, que pode revelar uma piora nos índices de aprovação do governo federal com a saída de sua figura mais popular. Do outro, porém, há uma dimensão “política-pragmática”, que não tende a sofrer impactos severos com o acontecimento no curto prazo.

A leitura é de João Villaverde, analista político da consultoria Medley Global Advisors, que conversou com o InfoMoney poucas horas após o anúncio feito por Moro na sede do ministério que comandou por quase 16 meses. Assista a íntegra da entrevista pelo vídeo acima.

Continua depois da publicidade

Para o especialista, a conjunção destes dois fatores será fundamental para a compreensão do que será do futuro do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Em um momento em que a palavra impeachment voltou a conquistar espaço no debate público, Villaverde acredita que a queda do ex-juiz federal da Operação Lava-Jato pode ter consequências contra-intuitivas no curto prazo.

“Quem estuda impeachment sabe que há vários fatores que precisam existir ao mesmo tempo, e um deles é gente na rua pedindo que o presidente deixe o cargo. Como podemos ter gente na rua em meio a uma pandemia, que, a despeito do que diz o presidente, é real e tem matado gente?”, questiona.

“Vontade social existe, mas é uma condição muito importante para um processo de afastamento funcionar que tenha clamor social visível para a classe política”, complementa.

Do ponto de vista político, o especialista chama atenção para o novo flerte de Bolsonaro com líderes do chamado “centrão”. Nos últimos dias, o presidente marcou encontros com dirigentes de siglas como PP, PL, Republicanos, PTB e MDB – um movimento de aproximação em meio à maior crise até o momento enfrentada por seu governo.

Na leitura de Villaverde, Bolsonaro vinha sofrendo com um isolamento político cada vez maior, em meio aos constantes atritos com o Congresso Nacional (e o próprio Supremo Tribunal Federal), à saída do partido que o elegeu (o PSL) e à perda de apoio de atores relevantes do seu próprio campo político, como a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP) e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM).

A situação se deteriorou com o avanço da crise do novo coronavírus e as escolhas feitas pelo presidente. Na Câmara dos Deputados, mais de 20 pedidos de abertura de processos de impeachment foram protocolados. E o Supremo Tribunal Federal autorizou a abertura de inquérito sobre manifestações que pediam intervenção militar e a volta do AI-5 – atos que contaram com a participação do próprio presidente. As investigações somam-se ao chamado “inquérito das fake news”, que já preocupava o entorno do mandatário.

Na avaliação do analista, a realidade colocou o presidente diante de uma escolha: dobrar a aposta e ampliar os riscos de abreviar o mandato ou mudar completamente de atitude política, abraçar o “centrão” e abrir espaços na administração pública federal em troca de uma uma coalizão no Congresso Nacional. “Ele tomou a decisão de, portanto, abraçar o sistema, mas é óbvio que isso embute riscos”, observa.

Villaverde lembra que a mesma escolha foi feita por Fernando Collor de Mello um ano antes de sofrer o impeachment. A própria ex-presidente Dilma Rousseff tentou uma recomposição tardia com o “centrão” antes de ter o mandato cassado pelo parlamento. O que não significa que a história se repetirá, mas, sim, que há riscos relevantes no movimento.

Sob a ótica “política-pragmática”, o analista acredita que a saída de Sérgio Moro do governo pode ser do agrado de parcela significativa das lideranças políticas tradicionais – embora uma eventual perda drástica de popularidade do presidente em função do episódio possa tornar a situação ainda mais delicada.

Ele lembra que há um grande volume de parlamentares que não gostam do ex-juiz, seja por terem sido investigados ou terem colegas condenados por ele, seja por acreditar que houve uma possível criminalização da atividade política.

“Na dimensão partidária, a saída de Moro é bem-vista. Óbvio que são raríssimas as lideranças políticas que vão dizer que estão felizes com a saída de Moro, porque políticos são. Mas, nos bastidores, boa parte das lideranças não vê com olhar negativo. Por isso, do ponto de vista político/pragmático, a chance de impeachment [de Bolsonaro] reduz um pouco, ainda que na dimensão social de popularidade tenha aumentado”, avalia.

Na entrevista, Villaverde também analisou o enfraquecimento do ministro da Economia, Paulo Guedes, no governo e o ganho de protagonismo da ala militar na tomada de decisões.

A equipe econômica, além de não ter conseguido fazer com que o governo apresentasse suas próprias propostas de reformas tributária e administrativa, viu sua agenda de interesse perder relevância diante da crise do novo coronavírus. O grupo dos fardados, por sua vez, tem conseguido formular agenda até na seara econômica.

Na última semana, o ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, anunciou um plano de retomada da economia, chamado Pró-Brasil, que prevê inicialmente um investimento de R$ 300 bilhões – R$ 250 bilhões em concessões e parcerias público-privadas e outros R$ 50 bilhões de investimento público.

O plano, embora ainda não apresentado em detalhes (apenas 7 slides em Power Point), gerou discórdia entre a equipe econômica, que não participou do anúncio.

“Como o ministro da Economia pode ter sido pego de surpresa pelo anúncio de um programa econômico? Isso diz muito sobre as opções que o governo está fazendo. Na hora em que permite que um de seus ministros anuncie um programa que é da alçada do outro, ele está automaticamente dizendo que o outro tem menos força do que tinha. E os políticos passam a agir de acordo com esses atos”, afirma.

“Os militares hoje são a salvaguarda do governo Bolsonaro, do ponto de vista de agenda. Na medida em que o presidente se afasta da agenda Sérgio Moro e claramente mostra que está se afastando da agenda Guedea, a única agenda que resta é a dos militares”, complementa.

Assista a íntegra da entrevista pelo vídeo no início desta matéria.

Newsletter

Infomorning

Receba no seu e-mail logo pela manhã as notícias que vão mexer com os mercados, com os seus investimentos e o seu bolso durante o dia

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.