Após livro, amigo conta bastidores da vida de Antônio Ermírio de Moraes

Em entrevista para a Rio Bravo, José Pastore fala sobre sua amizade com o executivo e quais eram as ideia de Antônio Ermírio sobre economia e política no Brasil

Rodrigo Tolotti

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SÃO PAULO – Em meados de 2013, Antônio Ermírio de Moraes, empresário do Grupo Votorantim e um dos maiores empreendedores do Brasil, ganhou uma biografia escrita por José Pastore. Amigo de Antônio Ermírio há 35 anos, Pastore teve acesso aos arquivos pessoais do empresário para escrever o livro “Antônio Ermírio de Moraes – Memórias de um Diário Confidencial”.

Na obra, Pastore narra a interlocução de Antônio Ermírio com diversos governos, sua obsessão por tecnologia e a paixão pelo teatro, fato que modificou sua vida. José Pastore foi professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP, onde ainda leciona nos cursos de MBA.

Em entrevista para a Rio Bravo Investimentos, Pastore contou como foi a experiência de escrever o livro e contou um pouco sobre os bastidores de sua amizade com Antônio Ermírio e quais eram as opiniões do executivo em relação à economia brasileira. Veja abaixo a transcrição completa da entrevista:

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Rio Bravo – Como é que começou sua amizade com Antônio Ermírio de Moraes?

José Pastore – Isso foi no ano de 1979. Eu trabalhava no Ministério do Trabalho prestando uma assessoria ao ministro na parte técnica, e o Antônio Ermírio teve um problema de paralisação de uma das fábricas de alumínio dele e levou o caso ao ministro, pedindo a mediação do ministro. O ministro me chamou na sala para discutir com ele. Eu reconheci a cara como uma figura pública, mas nunca tinha tido um contato pessoal com ele. Ali, então, começou uma conversa e eu não imaginava que essa conversa ia se desdobrar em uma amizade muito estreita durante 35 anos.

RB- O título do livro é “Memórias de um Diário Confidencial.” O senhor teve acesso ao diário dele pra escrever?

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JP – Eu tive acesso a uma documentação farta que a família me proporcionou, porque ele é muito organizado. Ele tem todos os documentos bem arquivados e a família me deu o privilégio de consultar toda essa documentação. Recados, palestras, agendas e artigos. Ele escreveu 900 artigos de jornal para a Folha de S. Paulo. Então, está tudo muito bem organizado e eu tive acesso a tudo isso.

RB – Ele sempre que escrevia. Não era “ghost writer”?

JP – Ele gostava muito de pesquisar. Ele pesquisava bastante, e nessa pesquisa, ele me pedia muito auxílio. Então, quando eu mandava para ele as coisas do tema… Por exemplo, ele me pedia material de pesquisa sobre a questão do jogo, que estava sendo discutida no Congresso Nacional, se aprova ou não aprova o cassino. Então, juntava uma série de textos, fazia um resumo, mandava para ele e ele rascunhava um primeiro boneco e dali ele ia trabalhando até sair o artigo.

RB – Como é que foi a criação do Antônio Ermírio? Ele passou a infância em São Paulo, depois fez faculdade nos EUA… Ele já nasceu herdeiro e foi criado pra assumir os negócios do pai?

JP – A família toda. Quer dizer, são quatro irmãos: três homens e uma mulher. Antônio, José, Ermírio e Maria Helena são filhos de José Ermírio de Moraes, que foi um grande empresário, senador, também, que já tinha desenvolvido bastante o grupo Votorantim. Agora, os filhos que pegaram esse grupo multiplicaram várias vezes, dando um impulso muito grande, inclusive chegando até a era da globalização. É uma empresa global hoje.

RB – E dos quatro filhos, Antônio Ermírio foi o mais ativo na gestão do grupo?

JP – O José Ermírio, o Antônio Ermírio e o Ermírio tiveram igual participação, dividindo tarefas dentro do grupo. Agora, o estilo do Antônio Ermírio era diferente dos irmãos no seguinte sentido: ele estava mais aberto para o público, de modo geral. Ele fazia contatos diretos com o governo, ele era um homem que estava sempre presente na mídia para discutir os temas nacionais… Ele se distinguia nesse aspecto, mas dentro da empresa eles dividiram tarefas igualmente.

RB – Ele era a face externa do grupo, é isso?

JP – Isso, ele era a face externa do grupo.

RB – Agora, dentro do conglomerado, havia negócios que ele gostava mais, pessoalmente?

JP – A área que ele mais gostava e para qual ele foi treinado era dos metais. Todos os metais estavam com ele. Ferro, alumínio, níquel, zinco… Todos os metais estavam com ele. E ele construiu muitas fábricas, muitas unidades nesses metais.

RB – Ele acreditava muito na vocação brasileira para commodities?

JP – Não tem nem dúvida, ele tinha uma crença muito grande. Ele achava que o Brasil, e acha até hoje, tem condições de ser um forte concorrente, um player global com grande competência, em qualquer um desses metais. E ele tinha como lema produtividade, qualidade e eficiência, e isso ele levou até os últimos dias em que administrou a empresa.

RB – Mas ele defendia mais que o Brasil apostasse só na vocação para commodities ou que apostasse na cadeia de produção inteira até o final, agregando valor?

JP – É claro que ele pensava sempre em uma cadeia completa. Agora, ele dizia o seguinte: “A cadeia completa só pode ter vida e pode ser competitiva se a matéria prima for adequada, com custo adequado, qualidade adequada e pontualidade adequada”. Essa é a razão pela qual ele dizia: “Todo o império que se vai construir em cima de uma commodity depende da eficiência de produzir a commodity.”

BR – Como gestor, ele acreditava muito em adotar melhores práticas. Ele importava essas práticas? Via o que era feito no mundo ou tentava desenvolver benchmarks dentro da própria empresa?

JP – Ele lia o dia todo. Além de administrar as empresas, ele estudava o tempo todo. E ele ficou, durante, eu diria, uns 65 anos da vida dele mergulhado nas melhores práticas administrativas e, também, nas melhores tecnologias. Ele era muito voltado para a modernização tecnológica. Até hoje ele diz: “Se não modernizar tecnologicamente, o Brasil terá problemas pela frente”.

RB – Qual vai ser a marca ou o legado do Antônio Ermírio para a história do empresariado nacional?

JP – Seriedade e patriotismo. Essa é a marca do Antônio Ermírio, que ele carrega até hoje. Ele tem uma fé no Brasil que é infinita. Ele acredita nesse país, defende o país em todos os fóruns e ficava bravo lá fora quando alguém falasse mal do Brasil. Aqui, internamente, ele dizia: “Eu sou brasileiro eu posso criticar. Eu devo criticar para construir.” Agora, lá fora, ele ficava irritadíssimo quando alguém criticava o Brasil.

RB – Em relação aos pares dele, ele dizia que faltava engajamento? Ele achava que os outros empresários no Brasil não eram tão patrióticos?

JP – Não, ele nunca questionou o patriotismo dos pares dele, mas dizia o seguinte para os pares em todo e qualquer momento, inclusive nos momentos de crise: “Se nós não produzirmos mais, nós não vamos sair da crise. Nós precisamos produzir mais, o Brasil precisa produzir mais. Os problemas do Brasil só se resolvem com mais produção.” Então, ele era um entusiasta disso e contagiava. Aonde ele ia procurava estimular os empresários para investir mais e mais, que é o que ele fez a vida inteira.

RB – Para quem não viveu os anos 80, da hiperinflação do Brasil, aquela figura que o José Alencar desempenhou, mais recentemente, como um empresário crítico dos juros alto no Brasil, o Antônio Ermírio encarnou, mais ou menos, o mesmo personagem nos anos 80?

JP – Ele combateu permanentemente a ciranda financeira, a especulação. Na ideia dele, o Brasil só tinha a perder com a especulação, porque o especulador não contribui muito para a produção, ele era um homem da produção. Ele era um homem que achava que devia empregar recursos na produção. Então, quando o Brasil levantava a taxa de juros e com isso atraia capital especulativo, ele ficava alucinado. Ele era crítico disso mesmo, ele falava: “Eu não sou contra o capital estrangeiro. Eu sou contra o capital que vem aqui apenas para especular os juros que o governo paga. Eu sou a favor de que o capital venha para cá, entre conosco aqui, tijolo por tijolo, construa os empreendimentos e produza. Aí pode contar com meu apoio.”

RB – Houve vários planos econômicos que falharam até que veio o Plano Real. O que ele comentou na época sobre o Real? Ele achava que ia funcionar?

JP – No começo, ele teve dificuldade de entender a função da URV. Então, ele procurou um grupo de técnicos para entender bem essa passagem, que era estratégica. A hora que ele entendeu bem isso, falou: “Olha, se o Fernando Henrique conseguir levar isso adiante, acho que vai funcionar.” E ele deu um apoio muito grande para o Plano Real. Ele já não deu o mesmo apoio nos planos anteriores. No início, ele, patrioticamente, dizia para seus empresários e colegas: ” Vamos apoiar o Plano Cruzado, o Plano Verão.” Mas logo ele via que começava a fazer água e era o primeiro crítico que aparecia na imprensa para dizer “Esse plano não é bom para o Brasil.”

RB – O Antônio Ermírio sempre teve envolvimento com projetos sociais, em especial na saúde e educação. Fala um pouco deste lado dele?

JP – Isso é uma herança do pai dele. O pai dele, e o avô dele também, sempre tiveram essa veia da responsabilidade social. Eles sempre disseram que produzir e pagar imposto não é suficiente para um empresário. É muito importante ajudar a comunidade a resolver seus problemas. Ele se encantou sempre por duas áreas: saúde e educação. No campo da saúde, ele ajudou a construir vários hospitais, como o Hospital da Cruz Vermelha, Hospital da Cruz Verde e, finalmente, a Beneficência Portuguesa, onde ele ficou 40 anos como presidente, não é? Ele dizia: “Eu trabalho para esse hospital, porque é um hospital filantrópico voltado para os pobres do SUS”. Ele tinha uma frase que dizia: “Para rico não trabalho de graça, mas para pobre eu trabalho”. E trabalho mesmo, porque a rotina dele era ir de manhã ao hospital, na hora do almoça e à noite, todos os dias, inclusive sábado e domingo. Ele dizia: “Para mim, seria muito mais fácil assinar um cheque e dar para o hospital, mas o que o hospital mais precisa é de administração e do meu know-how de administrador. Vou lá ajudar a administrar”. Mas ele dava o cheque também, acabava fazendo as duas coisas. E na área da educação, ele dizia: “Olha, esse país aqui não pode prosperar sem educação, porque nós temos recursos naturais à vontade, mas isso aí sozinho não resolve. Nós precisamos ter a competência e o talento para resolver os problemas tecnológicos e os problemas de cidadania que o Brasil precisa para crescer economicamente e amadurecer democraticamente.”

RB – O que o senhor diria que Antônio Ermírio considera ser o papel da elite econômica de um País?

JP – Ele acha que a responsabilidade social da elite econômica tem que ser trabalhada com muita seriedade, transparência e afinco. Ele até enveredou pelo terreno do teatro e escreveu algumas peças para estimular os empresários e a elite a investir na área social, o que ele fazia rotineiramente, e anonimamente sempre. Ninguém sabe, exatamente, quanto que ele desembolsou para área social. Mas ele chamava a atenção da elite brasileira, que ele precisava se envolver mais com o social.

RB – Como era a relação dele com o sindicalismo, que veio a dar origem ao PT?

JP – Ele achava o movimento sindical legítimo. Um movimento que precisa existir. Ele dizia que é muito mais complicado para o empresário negociar com cada um dos empregados do que negociar com o sindicato, que representa todos os empregados. É inviável, em uma empresa grande. Ele tinha 60 mil empregados diretos, como ele ia negociar com eles? Ele respeitava muito o sindicato, mas nunca teve muita simpatia com essa incursão dos sindicalistas na política partidária, e aí vinha uma antipatia que ele tinha pelo próprio Lula. Ele achava que o Lula era um bom sindicalista e devia ficar no sindicato e não se meter na vida partidária. No final, ele mudou de ideia, porque as coisas funcionaram de uma maneira surpreendente para ele.

RB – Ele viveu uma época terrível no Brasil nos anos 80 e 90, com muita inflação, muita indexação, uma série de planos econômicos malucos. Tem alguma história dele dessa época, alguma conversa com um Ministro da Fazenda?

JP – No caso do Dilson Funaro, que era o Ministro da Fazenda do Plano Cruzado, um dia antes, à noite, o Dilson Funaro telefonou para o Antônio Ermírio e disse: “Eu preciso que amanhã cedo você vá a todas as televisões e jornais, dê entrevistas e converse com empresários porque nós vamos lançar um plano que vai acabar com a inflação.” Ele questionou: “Mas qual é o princípio desse plano?”. Ele falou: “Nós vamos desindexar a economia”. Aí o Antônio Ermírio respondeu: “Então, Dilson, você prepara as tropas, põe as tropas na rua, porque desindexar a economia não é fácil não, hein! Você está com o exército do seu lado?” Ele falou, brincando. Aí o Dilson disse: “Não, estou falando sério, mas eu preciso muito da sua ajuda”. “Pode contar comigo, mas é uma tarefa muito difícil, porque, se for baseado só numa desindexação lastreada em congelamento de preços, vai ser duro sustentar isso. Mas pode contar comigo, eu te ajudo, sou patriota e quero ver esse país desindexado”. O Antônio Ermírio fez isso. No dia seguinte, ele entrou na televisão, no rádio, foi à Fiesp, e falou com todos os empresários. “Olha, gente, eu sei que vocês não gostam de congelamento e eu também não, mas têm que dar um voto de confiança, porque essa economia precisa ser desindexada. Eu peço para vocês esse voto de confiança”. E conseguiu uma boa adesão.

RB – Além da amizade que ele mantém com o senhor há 35 anos, quem são os empresários que viraram grandes amigos dele ao longo da vida?

JP – Ele gosta muito do Mario Amato, do Carlos Eduardo Moreira Ferreira, do Albano Franco, que foi presidente da CNI, do Armando Monteiro Neto, que hoje é senador. Ele tinha uma amizade muito grande com o Abraham Kasinsky, uma admiração fantástica pelo José Mindlin… Esses são os grandes empresários com os quais ele tinha muita proximidade, porque eram todos do setor industrial. Mas ele tinha um grande apreço, e tem até hoje, pelo Lázaro Brandão, do Bradesco, e também pelo Joseph Safra, do Banco Safra. E essa admiração não é apenas por simpatia pessoal, mas admiração porque os dois participaram com ele em muitos projetos sociais importantíssimos. Eu nem sei direito o quanto contribuíram, porque tudo era mantido anonimamente. Mas, por exemplo, quando o cardeal procurou o Antônio Ermírio para reformar a catedral de São Paulo, ele encabeçou uma campanha e foi junto a esses empresários para recolher 20 milhões de dólares para reformar a catedral. E não foi só esse caso, não, foram vários outros. Então na educação e na saúde, eles estavam muito juntos e isso dava fundamento a essa simpatia que ele tinha por esses empresários.

RB – Nessa época, nos anos 80 e 90, o Antônio Ermírio flertou com a política. Ele pensou em ser presidente?

JP – Não, o Antônio Ermírio pensou em ser governador do estado de São Paulo. Em 1986, ele se candidatou ao governo do estado de São Paulo e fez uma campanha brilhante. Ele ficou em primeiro lugar nas pesquisas até as últimas duas semanas. Dali para frente, o quadro virou, o povo achou que não era bom escolher o Antônio Ermírio e escolheu o Orestes Quércia. E assim foi feita a trajetória curta do Antônio Ermírio na vida política. Aí ele nunca mais considerou, mas a política não saiu dele, porque ele continuou sendo cogitado, ora para prefeito, ora para presidente da Petrobras, ora para vice-presidente da República e até mesmo para presidente da República. Durante muitos anos ele foi cogitado, porque não tinha papas na língua. Estava sempre disposto a comentar os problemas nacionais, e comentava com muita autenticidade, com muito patriotismo. Os políticos diziam: “Poxa, está aqui uma solução para nós. Não é político, o povo está procurando um não político.”

RB – Ele gostava muito de dar conselhos nos bastidores para os políticos de quem ele era próximo?

JP – Não era bem conselho, não. Ele não era de dar conselho. O que ele costumava fazer era dizer o que estava realizando. Ele sempre queria falar com o Governo Federal. Ele nunca ia pedir nada. Ele ia lá e falava assim: “Olha, eu vim aqui dizer qual é o projeto que tenho para a expansão do alumínio”. E mostrava tudo aquilo lá. “Eu acho que isso aqui precisa ser imitado por outros empresários.”

RB – Ele não pedia nada? Isso está meio fora de moda, não é?

JP – Não pedia nada. É, isso está meio fora de moda, é verdade.

RB – E o teatro, foi uma grande paixão dele ou foi uma incursão rápida?

JP – Ele escreveu três peças. A primeira é “Brasil S.A.”, que tratava do mundo financeiro e contra o mundo produtivo, a segunda é “SOS Brasil”, que tratava do problema da saúde, e a terceira, “Acorda Brasil”, que tratava da educação. O teatro não foi uma incursão ligeira, não. Foi uma incursão profunda, porque transformou a pessoa do Antônio Ermírio de Moraes. O teatro tornou o Antônio Ermírio carrancudo num Antônio Ermírio flexível, um Antônio Ermírio nervoso num Antônio Ermírio bem humorado. O teatro o tornou uma pessoa mais aberta, um Antônio Ermírio fechado em um Antônio Ermírio aberto. Porque ele logo, logo começou a conviver com um elenco, e os artistas têm outra cultura. A cultura dos artistas é a cultura da emoção. A ferramenta de trabalho do artista é a emoção. E é uma emoção expansiva, aberta, transparente, para as pessoas verem. E ele acabou se transformando com isso.

Há episódios interessantíssimos que mostram um Antônio Ermírio diferente, que jamais seria pensado. Por exemplo, uma vez, depois de um ensaio, nós fomos jantar com todo o elenco em um restaurante e a Irene Ravache, que fazia parte do elenco, que era muito esfuziante, e é até hoje uma pessoa brilhante, sempre muito animada e brincalhona, pegou um vidro de catchup e colocou no bolso do paletó do Antônio Ermírio. E aí ele não percebeu nada, mas ela, de repente, perguntou “Antônio, o que é que você tem aí nesse bolso?”. Ele pôs a mão e tirou o vidro de catchup e o restaurante viu. “Você é Antônio Ermírio, você é um homem tão bem posicionado na vida e vem aqui no restaurante surrupiar vidro de catchup!”. O restaurante não aguentou, caiu na gargalhada. Veja, ele permitir esse tipo de brincadeira… Antes do teatro, jamais. O teatro transformou o Antônio Ermírio de Moraes.

RB – Entre a primeira e a última peça que ele escreveu, quantos anos transcorreram?

JP – Mais ou menos uns dois anos em cada uma delas, porque ele não é dramaturgo, então escrevia com uma enorme dificuldade. Muitas vezes ele me dava os diálogos e perguntava “O que você acha?”. Eu dava alguns palpites, porque eu também não sou dramaturgo. E ele virava e refazia tudo, foi uma redação muito sofrida. E ele precisou, em cada uma das peças, no final, pedir ajuda para gente do ramo. Ele pediu ajuda ao Marcos Caruso, ao Juca de Oliveira, ao José Possi, só gente boa. E eles melhoravam aquilo que chamavam da carpintaria da peça, para colocar a peça de um jeito vivo, mais direto, que não fosse tão didático, porque o que ele estava querendo era transmitir uma mensagem pela peça, e a tendência dele era ser muito didático. E o teatro não pode ser uma coisa didática, tem que ser uma coisa de ação. Então, essas tecnicalidades ele foi aprendendo com o tempo, mas foi doloroso.

RB – Nesses últimos anos, nas suas conversas com o Antônio Ermírio, sobre o que vocês têm falado?

JP – Esse Mal de Alzheimer é uma doença muito ingrata, cruel mesmo, porque fisicamente o Antônio Ermírio está muito bem, perfeito, mas mentalmente a memória dele vai sumindo, sumindo, sumindo. Mas a memória do passado remoto é mantida mais viva, então até pouco tempo nós conversávamos muito sobre coisas gostosas, da nossa juventude, do São Paulo antigo, das praças, dos restaurantes, dos cinemas, das pessoas, do traje de cada um. Falávamos dos bondes que circulavam por São Paulo, São Paulo mais arborizada, mais verde, mais gostosa, e falávamos também das lojas de antigamente. Ele lembrava as lojas onde o pai dele comprava os brinquedos… O meu pai e o meu avô compravam os brinquedos na mesma loja. Falávamos das farmácias antigas e às vezes falávamos horas sobre os remédios antigos, o Biotônico Fontoura, Aspirina, Emulsão Scott, que eram remédios que a mãe dele usava e minha mãe também. Era muito agradável, muito gostoso. Passávamos bons momentos relembrando esse passado, que foi tão bom para nós.

RB – Para terminar, ele não tirava muitas férias, não é?

JP – Nunca tirou. Ele viajava rapidamente para as coisas dele e voltava logo.

RB – O livro é “Antônio Ermírio de Moraes – Memórias de um Diário Confidencial,” pela Editora Planeta. São 360 páginas com revelações inéditas e histórias interessantes que só um amigo consegue saber. E o livro vem junto com um DVD, não é mesmo?

JP – O DVD tem os melhores momentos do Antônio Ermírio na mídia brasileira. Então tem entrevistas com o Jô Soares, com a Marília Gabriela etc. São entrevistas que as pessoas que não viveram esse tempo podem apreciar a vivacidade dele, a espirituosidade dele ao criticar o Brasil de forma construtiva, e, ao mesmo tempo, de transmitir uma esperança ao povo.

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Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.