Mesmo após eleições, agenda de reformas enfrenta dificuldades para avançar

Complexidade dos assuntos, dificuldade do governo em coordenar o debate e acirramento da disputa pela presidência das casas atrapalham a pauta

Marcos Mortari

(Foto: Edu Andrade/ASCOM/Ministério da Economia) Paulo Guedes, ministro da Economia

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SÃO PAULO – Apontadas como entrave para o andamento da agenda de reformas econômicas no segundo semestre, as eleições municipais chegaram ao fim no último domingo (29), mas quem esperava uma rápida virada de chave em Brasília para o avanço das medidas no pouco tempo que resta até o início do recesso parlamentar se decepcionou.

A complexidade das matérias em discussão, as dificuldades do governo federal em coordenar o debate e traçar um caminho claro para as medidas e, principalmente, o acirramento do jogo pela sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ), na presidência da Câmara dos Deputados, e de Davi Alcolumbre (DEM-AP), no Senado Federal, trouxeram novos desafios para a agenda.

Integrantes do próprio governo apontam obstáculos para conduzir as Propostas de Emenda Constitucional (PECs) da Emergência Fiscal e do Pacto Federativo ainda em 2020 e veem um caminho estreito para a abertura de espaço orçamentário para acomodar um novo programa social, que o governo batizou de “Renda Cidadã”.

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O governo ainda precisa destravar dois itens na pauta do Congresso Nacional: o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), que impõe risco de “shutdown” caso não seja votado até o fim do ano, e o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), que tende a ficar para o início de 2021 ‒ o que provocaria uma restrição de gastos a 1/12 ao mês para o governo até sua aprovação.

Para que a LDO seja votada, o Congresso precisa se debruçar antes sobre 22 vetos presidenciais que hoje trancam a pauta. Um deles é o veto parcial ao marco legal do saneamento básico. Um dos pontos vetados pelo governo permitia a prorrogação, por mais 30 anos, dos atuais contratos de programa, feitos pelos municípios com companhias estaduais de saneamento sem licitação.

Diante do quadro desafiador, crescem no mercado questionamentos sobre como o Palácio do Planalto se comportará do ponto de vista fiscal. O compromisso com o teto de gastos será mantido? Será criado um novo programa social para substituir o auxílio emergencial? Neste caso, de onde viriam os recursos? São perguntas frequentes entre investidores.

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Na avaliação de analistas políticos, a postura a ser adotada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) será fundamental para o futuro da economia e do preço dos ativos nos próximos meses, assim como para seus próprios planos de reeleição em 2022.

Para Paulo Gama, analista político da XP Investimentos, Bolsonaro se aproxima de uma encruzilhada, e, caso opte pelo chamado “populismo fiscal”, poderá até colher dividendos no curto prazo, mas pagará um alto preço com o risco de uma nova crise econômica e os impactos sua popularidade e chances de permanecer no cargo por mais quatro anos.

“Os próximos meses talvez sejam decisivos para imaginarmos a presidência de Bolsonaro e a chance de se reeleger. A bifurcação está chegando cada vez mais perto e essa escolha de caminho que vai mostrar como ele chega em 2022”, observa Paulo Gama, da XP Investimentos.

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Em contraste com os entraves à pauta macro, propostas gestadas fora do Ministério da Economia têm conquistado mais espaço na agenda das casas legislativas.

É o caso da Medida Provisória que trata do programa habitacional Casa Verde e Amarela e do projeto de lei que altera regras sobre cabotagem (navegação costeira) ‒ chamada BR do Mar. Este segundo tramita em regime de urgência, a pedido do próprio governo.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem feito abertas críticas à inércia do governo federal na agenda de controle dos gastos públicos. Em entrevista ao UOL na última segunda-feira (30), o parlamentar descartou a possibilidade de uma nova prorrogação do auxílio emergencial, previsto para encerrar neste mês.

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“Não deixem as coisas para o último dia do ano. Não haverá prorrogação do estado de calamidade, nem da PEC da Guerra. Isso está dado. Quando nós aprovamos a PEC da Guerra com o apoio de todos os partidos, inclusive do PSOL, com 505 votos, ficou claro que o prazo de extinção foi 31 de dezembro de 2020”, disse.

“Não adianta chegar no último dia e resolver pressionar. Essa pressão não vai funcionar, porque essa pressão para prorrogar a despesa no primeiro trimestre do ano que vem vai parecer um falso benefício para os mais pobres, você vai estar dando com uma mão, e, com taxa de juros, inflação e desemprego, vai tirar com a outra. Não adianta dar R$ 30 bilhões aqui e tirar R$ 150 bilhões da sociedade do outro lado”, completou.

Na entrevista, o deputado também criticou o governo por não aproveitar o dia seguinte das eleições municipais para indicar as prioridades. “O governo não quis enfrentar esses desafios durante o processo eleitoral. Acho que foi um equívoco, e deveria abrir o dia dizendo qual a pauta da PEC Emergencial, quais as reformas que o governo pretende apoiar”, afirmou.

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Há algumas versões para o substitutivo da PEC Emergencial sendo trabalhadas pelo relator, o senador Márcio Bittar (MDB-AC). As duas principais trazem a criação de um novo programa social que ampliaria o número de beneficiários e dos valores repassados mensalmente pelo Bolsa Família, mas diferem quanto ao modelo de financiamento.

Um dos caminhos seria o da desindexação ‒ medida já rechaçada publicamente por Bolsonaro, por congelar aposentadorias e salários ‒ somado aos gatilhos do teto de gastos e cortes em subsídios. Membros da equipe econômica tentam um meio termo, a “semidesindexação”, que que valeria para pensões e aposentadorias acima de um salário mínimo.

Outra possibilidade seria o uso de recursos de emendas de bancada. Neste caso, os parlamentares teriam que abrir mão de cerca de R$ 7 bilhões previstos em 2021. E ainda poderia ser usada parte dos recursos que seriam liberados na PEC dos Fundos ‒ proposta que visa desvincular recursos orçamentários que estão “empoçados” e que e não podem ser utilizados para fins diferentes daqueles para os quais foram criados.

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“Há grande preocupação no mercado com relação ao risco de mudança no teto de gastos. A tendência é que não haja mudanças, mas, sem dúvida, a votação da PEC dos Gatilhos representa um risco para o governo, já que a oposição pode tentar alterar o texto por meio de emendas, tanto na Câmara quanto no Senado”, pontuam os analistas da consultoria Arko Advice.

Bittar espera obter o endosso do Palácio do Planalto para apresentar o substitutivo. A interlocutores, ele tem mostrado indisposição em defender um texto que não conte com a digital de Bolsonaro. Dado o impasse, a tendência é que o assunto se arraste para o ano seguinte.

“Teremos, até o fim do ano, três semanas e meia de funcionamento do Congresso – o que dá, no máximo, 17 sessões legislativas. Esse prazo só permitiria a aprovação de uma PEC em caso de consenso. A esquerda e alguns partidos de centro não aceitam um rito expresso para aprovar medidas impopulares como a ‘semidesindexação’ e os gatilhos sobre salários de servidores públicos. Nossa visão é que há pouco tempo hábil para se aprovar uma PEC antes de fevereiro”, observam os analistas da XP.

Diante das incertezas, agentes econômicos acompanham com atenção a possibilidade de uma nova prorrogação do auxílio emergencial, embora Bolsonaro, o ministro Paulo Guedes (Economia) e Rodrigo Maia neguem.

Haveria, em tese, dois caminhos para uma nova prorrogação do benefício. O primeiro seria a extensão do estado de calamidade, prorrogando a PEC do Orçamento de Guerra, que permite que gastos com a pandemia do novo coronavírus fiquem de fora das restrições impostas pelo teto de gastos. Neste caso, seria necessária uma clara segunda onda de covid-19, e Bolsonaro também enfrentaria um desafio retórico, já que vem minimizando a doença.

Outra possibilidade seria por edição de crédito extraordinário, mesmo sem o estado de calamidade. Mas há riscos de o movimento não atender os requisitos mínimos de imprevisibilidade e urgência, na avaliação do Supremo Tribunal Federal (STF) ou do Tribunal de Contas da União (TCU).

“A decisão ainda não está tomada e dependerá do agravamento ou não da ‘segunda onda’ de covid-19. Em meio a essa discussão, há quem defenda a prorrogação do auxílio emergencial por mais alguns meses. Sem que o estado de calamidade seja prorrogado e sem uma identificação de onde sairiam os recursos, essa é uma possibilidade remota”, argumentam os analistas da Arko Advice.

Câmara dos Deputados

O presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) tem feito um esforço para retomar o debate sobre a reforma tributária, que formalmente tramita na forma de PEC em comissão especial da casa, mas que também é discutida em comissão mista formada por deputados e senadores.

Há uma expectativa de que o relator do texto, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) apresente um substitutivo nos próximos dias, incorporando temas de interesse de parlamentares da esquerda. O movimento representa uma tentativa do grupo de Maia de destravar a pauta sem contar com os votos governistas e é mais um episódio na briga pela sucessão da presidência da casa legislativa.

O parecer de Aguinaldo Ribeiro deve incluir a tributação de lucros e dividendos (que encontra maior eco entre os legisladores) e a implementação de maior “progressividade” na tributação sobre herança e patrimônio. Com isso, Maia diz já contar com algo próximo a 320 votos a favor da matéria. Por se tratar de PEC, é necessário apoio de 308 deputados em dois turnos de votação.

O movimento, além de dar de volta a Maia o controle da pauta, confere protagonismo a Aguinaldo Ribeiro – relator da matéria e um dos candidatos à presidência da casa – e de Baleia Rossi (MDB-SP) – autor do texto e outro aliado de Maia cotado para assumir o comando da casa nos próximos dois anos –, e impõe um constrangimento ao governo federal caso decida não apoiar.

Além da reforma tributária, há em curso tentativas de avançar com temas como as novas regras para cabotagem, autonomia do Banco Central e o novo projeto de lei que trata da dívida dos estados e municípios. Os temas, contudo, devem sofrer contaminação pela disputa pela sucessão de Maia, como já se observa na pauta orçamentária.

Senado Federal

A corrida pela sucessão de Davi Alcolumbre (DEM-AP) também tem contaminado os trabalhos no Senado Federal. O atual presidente da casa legislativa tem feito campanha aberta pela reeleição, mas ainda depende do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto e eventuais ajustes regimentais para poder concorrer a mais dois anos no cargo.

De olho na campanha, Alcolumbre evitou pautas polêmicas e focou em proposições de autoria de senadores. Entre os temas destacados estão o projeto de lei que estende a atuação da Codevasf a todas as bacias hidrográficas de Minas Gerais e de Roraima, o projeto de lei que institui o Marco Legal do Reempreendedorismo e o projeto de lei que estabelece diretrizes para a distribuição de vacinas contra a covid-19 à população.

Embora tenham ficado de fora da lista, o marco regulatório das ferrovias e a lei do gás são apostas dos agentes econômicos para o fim do ano. De todo modo, vale acompanhar com atenção a dinâmica das eleições para a prefeitura de Macapá (AP), adiadas em função dos problemas no fornecimento de energia elétrica por 22 dias, que podem influenciar as ações do presidente da casa legislativa, cujo irmão, Josiel Alcolumbre (DEM-AP) é candidato.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.