Apesar da forte alta este ano, perspectiva é de mais ganhos para a bolsa em 2010

Mesmo esperando volatilidade, otimistas colocam Ibovespa a 90 mil pontos; setores ligados ao mercado doméstico são preferidos

Julia Ramos M. Leite

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SÃO PAULO – A recuperação da bolsa brasileira em 2009 tem sido classificada por diversos analistas como surpreendente. Até o fechamento do dia 28 de dezembro, com apenas dois pregões pela frente no ano, o Ibovespa, principal índice da bolsa paulista, acumulava alta de 80,83%, seu melhor ano desde 2003, quando vinha de três anos seguidos de baixa.

Para se ter uma ideia da magnitude da alta do índice Bovespa, o Dow Jones (+20,18%) e o Nasdaq (+45,28%), dois dos principais índices acionários de Wall Street, acumulam ganhos bem mais modestos. Até o índice Shangai Composite (+76,4% no ano), da bolsa chinesa, perde para o Ibovespa.

A bolsa brasileira, assim, saiu da crise fortalecida e com novo papel no mercado internacional. Mas, ao mesmo tempo, o avanço poderia trazer perspectivas desanimadoras para o próximo ano, já que a valorização de 2009 já foi grande. Desta vez, não é o caso: as projeções mostram 2010 como um bom ano para a bolsa, apoiado em um tripé: consolidação de um positivo cenário macroeconômico local, retomada dos investimentos e commodities.

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De 55 mil pontos para…
A maioria das projeções para o Ibovespa em dezembro de 2010 está entre 80 mil e 85 mil pontos – uma considerável valorização dos 67.901 pontos do último fechamento (upside de 17,8% e 25,2%, respectivamente). A análise técnica, por sua vez, sugere que o Ibovespa pode alcançar a faixa entre 80.000 pontos e 96.150 pontos.

Considerando múltiplos e consenso de mercado sobre o avanço dos lucros por ação das empresas do índice, a equipe do Banco Safra oferece três estimativas – um cenário extremamente otimista (90 mil pontos), um extremamente pessimista (55 mil pontos), e um meio termo, a 80 mil pontos. A última – e mais provável – alternativa, contudo, é acompanhada de uma importante ressalva: para os analistas, o upside relativamente limitado sugere que os investidores devem esperar por uma correção em torno de 5% antes de aumentar sua exposição aos ativos brasileiros.

Projeções para o Ibovespa em 2010
  Instituição   Projeção (em pontos)
Ativa 82 mil
Fator 80 mil
Gradual acima de 81 mil
LCA 78.670 
Link 

77 mil (cenário 1), 85 mil (cenário 2),
91 mil (cenário 3)

Safra  55 mil (cenário 1), 80 mil (cenário 2),
90 mil (cenário 3)
Pine 85 mil
TOV 85 mil – 90 mil

A Link também projeta diferentes cenários para o Ibovespa – no melhor deles, com redução da alavancagem, redução do custo de captação e queda do risco Brasil, o Ibovespa atingiria 91 mil pontos. Para a corretora, a participação de estrangeiros, algotraders e high frequency deve aumentar, impulsionando o volume de ações e derivativos. Com isso, o volume médio diário projetado é de R$ 6,3 bilhões. Parcerias, como a com a Nasdaq OMX, também favorecem as perspectivas para a bolsa brasileira.

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As boas perspectivas para o âmbito corporativo também impulsionam as projeções. “Estimamos um crescimento de 15% nos lucros das empresas brasileiras em 2010 e de 21,7% em 2011”, afirmam os analistas da Link. Ademais, o Credit Suisse destaca que os ativos do País ainda apresentam desconto de 4% em relação aos papéis globais. “Com um cenário macroeconômico positivo, taxas de juros que ainda podem ser reduzidas, boas perspectivas de lucros corporativos, acreditamos que ainda há potencial”, aponta o banco suíço.

Brasil em alta
O aumento de investimentos é outro fator importante nas projeções para o Ibovespa em 2010. “A retomada dos investimentos no Brasil já está programada para 2010 e deverá ganhar velocidade nos próximos anos”, aponta a Ativa, que ressalta que a redução da aversão a risco, taxas de retorno atrativas, mercado líquido e com mobilidade de capital e ainda com forte exposição à China tornaram o Brasil um bom veículo de investimento.

Vale mencionar ainda que o País entra em 2010 como investment grade pelas três agências de classificação de risco – fator considerado pela Link e pelo Safra, que projetam alta de 20% nos investimentos. Já a Gradual afirma que a BM&F Bovespa deve multiplicar por 10 o número de investidores individuais até 2014.

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Entretanto, a principal base para o potencial de valorização do Ibovespa é o desempenho esperado da economia brasileira. “Temos uma visão bullish para as ações brasileiras porque o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil deve alcançar os 4,8% em 2010 e os 3,5% em 2011”, aponta o Morgan Stanley. 

A resiliência da demanda doméstica, pilar de sustentação do País durante a crise – deve se manter em 2010, ajudando a sustentar as projeções otimistas. “A alta do crédito bancário doméstico e as condições favoráveis do mercado de trabalho aumentarão o crescimento do consumo das famílias. A demanda doméstica também acelerará em função da expressiva expansão dos investimentos”, afirma André Mello, da TOV.

Economia doméstica em foco
Assim, na hora de avaliar quais os setores com as melhores perspectivas para o ano, os analistas são quase unânimes ao indicar aqueles ligados ao mercado doméstico. Lika Takahashi, da Fator, elege bancos, bebidas e alimentos, telecom, educação, saúde, entretenimento, comércio e shopping centers como setores preferidos. Grande parte desta recomendação se baseia nas boas perspectivas para o emprego, crescimento da massa salarial e crédito, todos ligados ao desempenho da economia brasileira.

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A Gradual, por sua vez, destaca que o crescimento de crédito deve alavancar mercado interno de bens duráveis e imóveis, enquanto a expansão da renda e do emprego potencializa o consumo doméstico de produtos de massa.

Para Lika, a política industrial pode trazer distorções e vencedores e vencidos com efeitos de longo prazo, mas o investidor quer saber como se ganha dinheiro com isso. “Aqui cabe o desafio de julgar quem serão os vencedores nacionais que terão acesso a financiamentos a taxas interessantes para consolidar o mercado e capacidade de mostrar projetos ou empreitadas que apeteçam o financiador”, aponta.

Commodities
As boas perspectivas para as commodities em 2010 também alavancam as projeções para o Ibovespa – que tem grande exposição ao setor. Para o Bank of America Merrill Lynch, os drivers de crescimento dos países emergentes podem mudar em 2010, com a recuperação das economias do G-10 impulsionando as exportações dos emergentes. “O Brasil é um dos países que deve consolidar a sua recuperação, ajudado – entre outros fatores – pelo avanço no preço das commodities”, afirma o banco norte-americano.

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A Link, contudo, ressalta que a grande exposição do índice às commodities traz volatilidade às projeções. “Podemos perceber um excessivo desconto no valor dos múltiplos das empresas não cíclicas do Ibovespa, o que pode levar a uma valorização do índice no futuro”, apontam os analistas.

Eleições, China, EUA e volatilidade
Quando até mesmo o Dr. Doom – apelido do economista Nouriel Roubini, famoso por seu pessimismo – se mostra positivo quanto à economia brasileira, a tendência é subestimar os riscos e partir para o investimento de maneira agressiva. Entretanto, é preciso considerar alguns fatores que podem prejudicar o desempenho do mercado de renda variável nacional – como as eleições de 2010.

Nem José Serra nem Dilma Rousseff – os mais prováveis candidatos à presidência – são vistos pelo mercado com grande preocupação. Enquanto o PSDB tem a simpatia do mercado, a ministra da Casa Civil deve manter as políticas de seu antecessor. Contudo, apesar de não trazer tantos riscos quanto a eleição de 2002, que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva, o processo eleitoral do próximo ano ainda deve trazer volatilidade no curto prazo para os ativos brasileiros. Para os analistas do Safra, o mercado de câmbio é o que deve sofrer mais com a disputa pela presidência.

Além disso, o cenário externo segue trazendo dúvidas. Para o BofA Merrill Lynch, uma recusa da China em ajustar a sua moeda, uma nova recaída dos EUA – em um momento em que as políticas fiscais e monetárias estão próximas de seus limites – e novos problemas no setor financeiro global estão entre os maiores riscos ao cenário positivo para o Brasil e os mercados emergentes.

A retirada dos estímulos – tanto aqui quanto lá fora – também é um dos principais pontos ressaltados pelos analistas entre os riscos para 2010. “Se os efeitos no curto prazo têm sido positivos, não se conserta o que está quebrado quebrando-o de novo. O PIB norte-americano do terceiro trimestre mostrou que o crescimento daquela economia foi basicamente gerado pelos estímulos fiscais”, afirma Lika. Para ela, a China continua sendo o grande enigma, “e pode se tornar a maior fonte de surpresa negativa se frustrar todas as (melhores) expectativas que o mundo lhe deposita”.

Lika também lembra que a valorização cambial ainda preocupa, em especial seus efeitos negativos na rentabilidade de empresas que exportam muito, vendem produtos cujos preços domésticos são atrelados aos internacionais e estão sujeitas à maior competição de produtos similares, especialmente chineses.

“Analistas e investidores de ações ainda necessitam alinhar suas expectativas para as incertezas que enfrentarão no próximo ano. Ou os fundamentos devem alcançar os preços ou os preços devem alcançar os fundamentos”, destaca Lika, que conclui sua análise das perspectivas para a bolsa brasileira com uma citação do Dr. House, um personagem de TV conhecido por seu ceticismo: “os pacientes sempre querem provas; nós não fabricamos carros aqui, não oferecemos garantias”.