Ao suspender Renda Brasil, Bolsonaro reforça disputa sobre teto de gastos e assusta mercado

Ausência de alternativa clara para viabilizar novo programa de renda mínima gera novas preocupações sobre o futuro da âncora fiscal

Marcos Mortari

(Foto: Marcos Corrêa/PR) Jair Bolsonaro e Paulo Guedes

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SÃO PAULO – O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou, nesta quarta-feira (26), que as discussões sobre o programa Renda Brasil estão suspensas até que sejam feitos ajustes no texto preparado pela equipe do ministro Paulo Guedes (Economia). A notícia gerou novas preocupações no mercado, aprofundou a queda do Ibovespa e acentuou o movimento de alta do dólar.

“Ontem discutimos a possível proposta do Renda Brasil. E eu falei: ‘está suspenso. Vamos voltar a conversar’. A proposta que a equipe econômica apareceu para mim não será enviada ao parlamento. Não posso tirar de pobres para dar para paupérrimos. Não podemos fazer isso aí. Como por exemplo a questão do abono para quem ganha até 2 salários mínimos. Seria um 14º salário. Não podemos tirar isso de 12 milhões de pessoas para dar para um Bolsa Família ou um Renda Brasil, seja lá o que for o nome desse novo programa”, disse.

O discurso, proferido durante visita a uma usina em Ipatinga (MG), vem dois dias após o governo federal cancelar o chamado “Big Bang Day”, quando era esperado o anúncio do programa Pró-Brasil, que englobaria o Renda Mínima – que substituirá o Bolsa Família, ampliando os repasses e as famílias beneficiárias – e um programa de investimentos públicos.

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A equipe econômica vinha enfrentando dificuldades para encontrar fontes de financiamento ao novo programa, que sucederia o auxílio emergencial – benefício de R$ 600 pago à população de baixa renda e trabalhadores informais em função dos efeitos provocados pela pandemia do novo coronavírus. O presidente já informou que pretende prorrogar o auxílio até o fim do ano, mas em algum valor abaixo dos atuais R$ 600, mas acima de R$ 200.

Um dos caminhos em discussão para o novo programa seria a unificação de benefícios sociais considerados “menos eficientes”, que ajudariam a engordar o montante destinado ao Bolsa Família.

Seriam eles: 1) o abono salarial, pago anualmente para quem recebe até dois salários mínimos e tem carteira assinada; 2) o seguro-defeso, destinado aos pescadores no período de reprodução de espécies, em que a atividade é proibida; 3) o salário-família, pago a trabalhadores de baixa renda com filhos de até 14 anos ou com deficiência; e 4) o Farmácia Popular, que promove a distribuição de medicamentos de uso comum sem restrição de renda aos atendidos.

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Esta seria uma forma de viabilizar o novo programa sem gerar novas despesas ao orçamento público, em um contexto de crescentes restrições impostas pelo teto de gastos – que limita a evolução das despesas à inflação do ano anterior. A proposta, porém, enfrentaria forte resistência no Congresso Nacional, que durante o debate sobre a reforma da previdência, se recusou a acabar com o abono salarial.

Para acabar com o abono salarial, é necessária a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que exige apoio de três quintos da Câmara dos Deputados (o equivalente a pelo menos 308 dos 513 votos) e do Senado Federal (o equivalente a pelo menos 49 de 81 votos) com dois turnos de votação em cada casa.

Os demais benefícios dependem de aprovação de um projeto de lei, mas também enfrentariam dificuldades para aprovação, sobretudo às vésperas de eleições municipais e com um calendário legislativo apertado.

Nos bastidores, o governo chegou a discutir a possibilidade de utilizar recursos de um novo imposto sobre transações financeiras ou até mesmo de deduções de gastos com saúde e educação no Imposto de Renda Pessoa Física para financiar o Renda Brasil. A alternativa de elevação da carga tributária, porém, esbarraria nas restrições impostas pela âncora fiscal.

O discurso de Bolsonaro enterra os caminhos desenhados pelo time de Paulo Guedes para o novo programa social. Como consequência, ele também retoma a discussão sobre o risco de o teto de gastos ser rompido ou fragilizado em 2021, já que hoje não se vislumbra alternativa clara para financiar o Renda Brasil respeitando as restrições fiscais impostas.

“A questão é que há a demanda política por um novo programa social, mas o presidente rechaça a proposta de financiamento dele (abono e seguro defeso, principalmente) propostas por Paulo Guedes e equipe”, observa o time de análise política da XP Investimentos.

“O desafio agora será conseguir desenhar um programa social que agrade ao Planalto e não desrespeite o teto de gastos”, conclui.

Para o analista político Ricardo Ribeiro, MCM Consultores, o fato de a equipe econômica sinalizar há muito tempo o uso de programas já existentes para a construção do Renda Brasil dava a impressão de que havia um maior entendimento no governo sobre o assunto. “[A declaração de Bolsonaro] Claramente aumenta a confusão”, diz.

“O debate do teto nunca foi superado – às vezes esquenta, às vezes esfria, mas continua posto. Mesmo sem essa fala do presidente, era previsível que seria difícil acomodar Renda Brasil, mais investimentos em infraestrutura sem que aumentasse a pressão sobre o teto de gastos”, complementa.

Na visão do especialista, o governo tem dificuldades em estabelecer prioridades e corre o risco de nenhuma agenda avançar até o final do ano ou apenas proposições que impliquem em novas despesas e pressionem o teto de gastos no ano seguinte sejam aprovadas.

Já o analista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria Integrada, vê no discurso de Bolsonaro uma expressão da divisão interna do governo entre o núcleo político e a equipe econômica. Para ele, o time de Paulo Guedes perdeu a hegemonia que tinha no governo com a chegada da pandemia do novo coronavírus.

“O equilíbrio político atual não é mais de protagonismo da equipe econômica, que determinava os paradigmas da condução do governo até a pandemia”, diz. Para ele, antes o risco político estava muito mais associado a dificuldades de coordenação e articulação política do governo. Hoje, há uma disputa de paradigmas na administração.

“A pandemia trouxe para dentro do governo uma competição de paradigmas, porque criou um novo fato político, que foi o aumento da popularidade presidencial a partir de um programa de transferência de renda mesmo em um contexto de pandemia e recessão econômica”, observa.

Para Cortez, a pandemia e o recente ganho de popularidade de Bolsonaro alteraram profundamente o ambiente político e encurtaram a vida útil do teto de gastos antes que o instrumento exigisse um profundo controle nas despesas públicas ou fosse rediscutido, na medida em que a criação de um programa de renda mínima mais robusto que o Bolsa Família entrou como prioridade do governo.

O especialista entende que Paulo Guedes, apontado como o “posto Ipiranga” na campanha presidencial, perdeu o monopólio da agenda econômica com o advento da crise sanitária.

Ele também vê dificuldades do ministro em em estabelecer prioridades de agenda – o que já era observado antes da pandemia, com o plano Mais Brasil patinando no parlamento, e se aprofundou com o surgimento de novas demandas dentro e fora do governo.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.