Ao negar coalizão, Bolsonaro montou sua própria armadilha, diz cientista política

Para Andréa Freitas, Bolsonaro optou pelo caminho mais difícil para governar, e ainda esbarra na falta de experiência e na ausência de coordenação política com parlamentares e lideranças partidárias

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Passados 133 dias de mandato, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) enfrenta dificuldades para fazer sua pauta avançar no Congresso Nacional, embora conte com agenda mais enxuta do que seus antecessores. Enquanto a reforma da Previdência tropeça nos prazos otimistas inicialmente estabelecidos, um conjunto de medidas provisórias corre o risco de perder a validade nas próximas semanas. É o caso da MP 870, que define a organização dos ministérios da nova gestão. Se o texto não for aprovado nos próximos 21 dias, a Esplanada volta à distribuição do governo Michel Temer (MDB).

Os resultados colhidos até aqui podem ser reflexo das escolhas feitas por Bolsonaro desde que assumiu o cargo. É o que avalia a cientista política Andréa Freitas, professora da Unicamp e coordenadora do Núcleo de Instituições Políticas e Eleições do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). A especialista, autora da obra “O presidencialismo da coalizão”, foi a convidada do programa InfoMoney/Um Brasil da última sexta-feira (10), que também contou com a participação do cientista político Humberto Dantas. Assista à íntegra da entrevista pelo vídeo acima.

Para Freitas, o presidente optou pelo caminho mais difícil para governar e ainda esbarra na falta de experiência e na ausência de uma coordenação política com parlamentares e lideranças partidárias. Ela acredita que, com a insistência dos ataques à chamada “velha política”, o presidente montou uma armadilha contra sua própria gestão. “Esse é um governo de novatos na gerência do Poder Executivo. E o próprio partido do presidente no Legislativo é composto basicamente por pessoas de primeiro mandato. Por esses fatores, ele já teria dificuldades, mas ainda está optando pelo caminho mais difícil”, observa.

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“Com uma agenda muito reduzida, Bolsonaro está tendo enormes dificuldades de passar o que é mais elementar. O fato de ter optado por não compartilhar poder com os partidos implica em alguma resistência e até em certa desconfiança”, diz a especialista. “O governo não tem coordenação. O primeiro aspecto que falta é uma boa comunicação com os partidos. E o fato de eles estarem ausentes dos ministérios dificulta enormemente a ponte entre os dois Poderes”.

A descoordenação, na avaliação de Freitas, mostra contornos ainda mais graves em episódios de conflitos internos entre alas do governo, como o mais recente, envolvendo o grupo mais ideológico, vinculada ao filósofo e escritor Olavo de Carvalho, e os militares.

Para a cientista política, a articulação entre governos e parlamentares via partidos é condição indispensável para o êxito de agendas propostas. “Forma-se uma coalizão não só atribuindo um cargo, mas dividindo responsabilidade sobre as políticas de governo. O que se faz quando se atribui ministérios a partidos específicos é construir uma agenda comum e determinar qual é o canal de coordenação entre os dois Poderes e como vai ser a coordenação no interior do Legislativo a partir dos partidos da coalizão. É isso que não temos visto no governo”, afirma.

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“Como você constrói a partir de um discurso que era a negação da política?”, questiona. Para Freitas, a reabilitação da política é caminho fundamental para a superação da crise na qual o Brasil se encontra e para a aprovação de medidas necessárias para as mais diversas áreas, como a própria economia.

“Em algum momento vamos ter que voltar a um estado natural de possibilidade de se fazer política. Se isso não acontecer e acontecer rápido, a gente não consegue passar medidas que são importantes para o país. Tenho a impressão que coalizões tendem a ser mal vistas em quase qualquer lugar do mundo. As pessoas tendem a pensar que, quando um partido faz concessões sobre sua agenda, ele está fazendo algo que não devia. Mas o que as pessoas não entendem é que não se faz política de outro jeito”, observa a especialista.

Para ela, contudo, o fenômeno da negação da política tem se mostrado mais forte no Brasil em comparação com outros países e foi fator decisivo sobre o processo eleitoral. Agora, como consequência, a insistência do atual governo em não compor com partidos o coloca em posição de vulnerabilidade política. “Se Bolsonaro tenta agora construir uma coalizão de governo, talvez ele ficasse muito mal visto. De certa forma, ele montou uma armadilha da qual é muito difícil escapar. Ele se sabotou”, conclui.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.