Analistas políticos veem baixa probabilidade de ruptura institucional, mas alertam para risco de violência política

Especialistas consultados pelo InfoMoney indicam possibilidade de choques institucionais mais frequentes nos próximos meses

Marcos Mortari

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As manifestações recorrentes do presidente Jair Bolsonaro (PL) criticando o sistema eleitoral, as urnas eletrônicas e ministros de cortes superiores além dos preparativos para uma nova manifestação convocada para o Dia da Independência (7 de Setembro) têm levado analistas políticos a avaliar cenários de risco de ruptura institucional às vésperas das eleições.

A probabilidade, contudo, é considerada baixa pela maioria dos especialistas consultados pelo InfoMoney, assim como por parcela majoritária dos operadores do mercado financeiro, que não incorporou os riscos associados à democracia aos preços dos ativos nas últimas semanas.

Para muitos especialistas do mercado, o desempenho de indicadores econômicos, a safra de balanços corporativos e o humor de investidores internacionais parecem ter impacto maior sobre as decisões de investimentos neste momento do que ameaças vindas do Palácio do Planalto.

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Apesar disso, cientistas políticos alertam para o elevado nível de polarização e o acirramento de discursos, observados a poucos dias do pontapé inicial do período de campanhas eleitorais, que aumentam a possibilidade de episódios de violência política e situações mais frequentes de choques entre instituições ao longo dos próximos meses.

“Há uma situação com possibilidade de crise, mas não consideramos que a ruptura é um elemento de alta probabilidade”, afirma o analista político Creomar de Souza, fundador e CEO da consultoria Dharma Political Risk & Strategy.

“Trabalhamos com a ideia de que há uma tendência de violência e tumulto na eleição. Isso necessariamente vai se desdobrar em um processo de ruptura institucional? Com os dados que temos hoje, aparentemente não. Os indicativos até o momento são de que as Forças Armadas não fariam nada nesse sentido. Mas a dubiedade também é importante e confunde os processos de análise”, pontua.

Em relatório distribuído a clientes três semanas atrás, os analistas da Eurasia Group, consultoria de risco político internacional, chamaram atenção para o risco de contestação dos resultados das eleições em caso de derrota de Bolsonaro na urnas.

Eles também mencionam possíveis situações de violência ao longo do processo eleitoral, mas atribuem baixa probabilidade de ruptura democrática. Os especialistas acreditam que o nível reduzido de centralização de poder político nas mãos do Poder Executivo, com muitos pontos de veto ao longo do processo decisório, e uma baixa propensão dos militares a assumirem posição que possa prejudicar a imagem da corporação jogam fortemente contra tal hipótese.

“O período de maior risco será depois do primeiro turno (2 de outubro) e o segundo turno (30 de outubro), com chances acima da média de protestos e/ou ataques a instalações governamentais – uma greve de caminhoneiros também está no radar. Porém, o risco de ruptura democrática continua baixo”, avaliam.

Para eles, é improvável que militares embarquem em movimento de contestação do resultado das eleições. Da mesma forma, em nível local, está fora do cenário base uma possível insubordinação direta de policiais. Mas o risco de oficiais “fecharem os olhos” para protestos é avaliado, o que poderia favorecer uma escalada de violência em alguns estados e desencadear episódios que provoquem instabilidade política no país.

Nas últimas semanas, Bolsonaro colecionou episódios de tensão institucional e colheu como fruto a resistência de quadros relevantes da política nacional e de setores de peso da sociedade civil em um movimento suprapartidário em defesa da democracia.

O caso mais emblemático da crise recente protagonizada pelo presidente foi a apresentação a cerca de 70 embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, na qual ele voltou a fazer ataques ao sistema eleitoral brasileiro e a magistrados.

Seis dias depois, Bolsonaro subiu novamente o tom contra os membros de cortes superiores. Na convenção nacional do PL, que oficializou sua candidatura à reeleição e a do ex-ministro Braga Netto a vice, ele chamou os magistrados de “surdos de capa preta” e, em tom ambíguo, convocou apoiadores (a quem se referiu como “nosso exército”) a irem às ruas “uma última vez” no 7 de Setembro.

Uma das resistências mais fortes às falas e posições assumidas por Bolsonaro nos últimos dias veio com a Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito!, articulada por professores e juristas ligados à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) que pede respeito ao processo eleitoral, à separação dos Poderes e ao Estado Democrático de Direito no Brasil.

O documento já recebeu mais de 890 mil assinaturas de pessoas entre ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), acadêmicos, banqueiros, empresários, artistas e diversas entidades da sociedade civil organizada. Também apoiaram a iniciativa candidatos ao Palácio do Planalto, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), a senadora Simone Tebet (MDB) e o cientista político Luiz Felipe D’Ávila (Novo).

“Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional”, diz o texto, que será lido, nesta quinta-feira (11), no pátio da Faculdade de Direito da USP do Largo de São Francisco, em São Paulo (SP).

Também está prevista para a mesma data a leitura de uma segunda carta em defesa da democracia, organizada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e assinada por centrais sindicais, pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), pela Fecomércio, pela União Nacional dos Estudantes (UNE), entre outras instituições.

A onda de manifestações da sociedade civil, porém, não motivou uma correção de rumos de Bolsonaro. Em evento com banqueiros na última segunda-feira (8), o presidente criticou a carta ligada a integrantes da Faculdade de Direito da USP e disse que quem é “democrata não precisa assinar cartinha”.

“O discurso [de Bolsonaro] confirma as expectativas de que o presidente deverá contestar os resultados das eleições caso seja derrotado”, pontuaram os analistas da Eurasia Group no relatório de três semanas atrás.

Os especialistas acreditam que a vantagem que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) hoje sustenta nas pesquisas contra Bolsonaro na disputa ao Palácio do Planalto deve diminuir ao longo da campanha.

Isso em tese pode aumentar a expectativa de vitória do atual presidente e favorecer possíveis contestações ao sistema eleitoral em caso de derrota nas urnas – quadro que pode se acentuar, dada a grande dispersão nos resultados dos levantamentos divulgados.

Sem olhar para trás

Para os analistas da consultoria Arko Advice, “Bolsonaro está isolado”, do ponto de vista institucional, em sua cruzada contra as urnas eletrônicas e a Justiça Eleitoral, mas não deverá mudar de postura ao longo da campanha.

“Embora o discurso de Bolsonaro [no lançamento de sua candidatura] tenha sido mais ameno (…), temos sinais de que a campanha da reeleição pretende reeditar parte da narrativa adotada na campanha vitoriosa de 2018”, avaliaram.

“O discurso antiestablishment, os ataques ao STF e o componente religioso, com mensagens do ‘bem contra o mal’ e buscando identificar como ‘o mal’ o candidato Lula, o PT e as esquerdas, devem continuar presentes ao longo da campanha”, pontuaram.

“Bolsonaro também deve apostar suas fichas nas manifestações de 7 de setembro. Se até lá ele ainda estiver em desvantagem com relação a Lula nas pesquisas de intenção de voto, tais manifestações poderão ser usadas como estratégia para mostrar volume e contestar os números apresentados pelos institutos”, concluíram.

“Americanização da política brasileira”

“Política é feita de percepção. Hoje há uma ideia de que não existe um ambiente de cooperação entre os adversários [na corrida presidencial]. Mesmo que seja no campo da percepção, isso configura um quadro de risco”, pontua o cientista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria Integrada.

O especialista tem usado o termo “americanização da política brasileira” para se referir à evolução dos acontecimentos no país, em comparação ao que se observou nos Estados Unidos ao longo do governo de Donald Trump e no pleito que elegeu Joe Biden, com episódios de violência e manifestações questionando o resultado do pleito e a legitimidade do escolhido.

O episódio mais emblemático deste processo ocorreu em 6 de janeiro, quando apoiadores de Trump invadiram o Capitólio, prédio do congresso norte-americano, protestando contra o resultado das eleições e alegando fraude no processo.

“Existe um risco grande de movimento muito próximo ao que vimos no 6 de janeiro. Uma tentativa de mobilização popular em que a ação específica de um apoiador ou de um grupo cria algum tipo de tumulto ou de imponderáveis que criem um abalo na lógica do processo eleitoral como um todo”, concorda Creomar de Souza.

Para ele, será importante monitorar a capacidade de Bolsonaro trabalhar com elementos simbólicos junto à sua base. “Há situações em que se pode acender o rastilho de pólvora”, diz. “Hoje, o 7 de setembro é o grande marcador de tumulto”.

A existência de episódio que provoque excepcionalidade – e que poderia justificar ações extraordinárias por parte do governo e de forças detentoras do monopólio do uso da força − é vista pelos analistas como marcador importante para um quadro de ruptura institucional, ainda que este seja um cenário de baixa probabilidade nas matrizes de risco de consultorias.

Desgastes contínuos

O analista da Dharma Political Risk & Strategy acredita que episódios de desgastes contínuos das instituições e do próprio processo democrático hoje representam riscos maiores do que um movimento claro de ruptura no Brasil. “É muito mais plausível para nós pensar na lógica de médio e longo prazo em que a qualidade das instituições é carcomida. É o que temos visto em vários países, como Estados Unidos, Hungria, Polônia, Reino Unido”, sustenta.

“Não é necessária uma interrupção abrupta do processo democrático e das lógicas de controle e transparência da democracia. Você pode ir carcomendo isso aos poucos”, observa.

O especialista destaca a aprovação da PEC dos Auxílios, driblando limitações da Constituição Federal e da própria Lei das Eleições para beneficiar uma candidatura à reeleição ao Palácio do Planalto, como exemplo de desgastes cotidianos ao sistema democrático que podem passar despercebidos por parte da sociedade mas provocar consequências relevantes no futuro.

Rubens Glezer, professor de direito constitucional da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), acredita que riscos de uma possível ruptura teriam mais chances de ocorrer à margem daquilo que poderia ser visto como “caminho institucional” – como a decretação de Estado de Defesa ou de Sítio, ou mesmo uma interpretação questionável do artigo 142 da Constituição Federal, que trata do papel das Forças Armadas.

Ele sustenta que tal possibilidade cresce em meio ao silêncio de atores relevantes na política, na economia e na vida social do país. “O que segura em pé uma constituição não são as regras e não é o tribunal em si, mas a somatória de forças e atores relevantes da sociedade que aceitam, endossam e protegem um conjunto de regras em torno das quais são realizadas as colaborações e competições. É preciso haver um pacto de proteção às regras do jogo”, argumenta.

Glezer, que também coordena grupo de pesquisa Supremo em Pauta, desenvolveu, em parceria com o professor Oscar Vilhena (FGV-SP) e a pesquisadora Ana Laura Barbosa (FGV-SP), um estudo que mostrou como o atual governo lança mão de estratégias que “burlam” o Legislativo e a institucionalidade para fazer avançar pautas de seu interesse em diversas áreas.

O trio batizou o método de “infralegalismo autoritário”, que consiste na implementação de medidas autoritárias ou contrárias a determinações constitucionais muitas vezes à margem do Poder Legislativo, mas utilizando a edição de decretos, portarias e de outros instrumentos administrativos.

Segundo eles, esta seria uma forma de “erosão da democracia e da institucionalidade” sem a necessidade de alterações significativas em leis e na Constituição – processo que pode provocar danos significativos a médio e longo prazos.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.