Além do ajuste fiscal: o outro grande motivo pelo qual a reforma da Previdência é tão necessária

Relatório elaborado pelo Santander ressalta a importância da reforma da Previdência para a redução da desigualdade no Brasil 

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Após um longo período adormecido com a turbulência política, a reforma da Previdência voltou a ganhar destaque no noticiário, a despeito de toda a dificuldade para que ela seja aprovada ainda este ano.  Segundo informou o jornal O Estado de S. Paulo na noite da última segunda-feira (9), lideranças governistas no Congresso lançaram uma nova ofensiva para apresentar à base aliada uma proposta mais enxuta da reforma da Previdência. 

Vice-líder do governo na Câmara, o deputado Beto Mansur (PRB-SP) diz que a emenda deve se concentrar em três mudanças: idade mínima de aposentadoria, tempo mínimo de contribuição e uma regra de transição para quem já contribui hoje com a Previdência. Mansur disse ainda ao jornal que a ideia é manter a proposta de idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, como já previsto no parecer do relator aprovado na comissão. Mas “ajustes” devem ser feitos no tempo mínimo de contribuição – de 25 anos, pelo texto da comissão – e na regra de transição. 

A notícia animou muito o mercado uma vez que, mesmo mais enxuta, essa reforma pode representar uma economia aos cofres públicos, diminuindo a trajetória perigosa de explosão da dívida pública brasileira: de acordo com cálculos da IFI (Instituição Fiscal Independente), a dívida bruta do governo geral pode superar em 2020 os 100% do PIB.

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Porém, para além do equilíbrio fiscal, a reforma da Previdência tem outros pontos positivos (e pouco explorados politicamente), de acordo com relatório elaborado pela equipe econômica do Santander, de acordo com relatório feito pelo banco em setembro. Conforme aponta a economista Adriana Dupita, a reforma traz uma significativa contribuição para a redução (ou, pelo menos, para evitar aumento adicional) da elevadíssima desigualdade de renda no Brasil, que mesmo com a redistribuição de renda dos últimos anos segue como um dos 15 países mais desiguais do mundo.

A economista aponta que, até o momento, a negociação da reforma já implicou no relaxamento de vários pontos dos inicialmente propostos na reforma, suavizando seu impacto redistributivo. Ainda assim, a manutenção de pontos críticos – como o fim da aposentadoria por tempo de contribuição e a imposição (mesmo que gradual) do teto sobre os benefícios também dos servidores públicos – parece ser suficiente para dizer que, tudo mais constante, a desigualdade tende a ser menor em um cenário com reforma que em um quadro de manutenção das regras atuais. 

Confira os principais pontos destacados sobre a Previdência e redução da desigualdade:

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Eliminação das distorções diretas

Os principais efeitos redistributivos diretos da reforma da previdência estão associados à correção de duas importantes distorções, aponta o banco. A primeira das distorções é a possibilidade existente nas regras atuais de ATC (aposentadoria por tempo de contribuição), sem o cumprimento de uma idade mínima.

Atualmente, a idade média de aposentadoria no Brasil é de apenas 58 anos, mas a média esconde uma importante distorção, ressalta a economista: em geral, apenas as camadas mais ricas da população se aposentam por este regime, com a maioria dos mais pobres recorrendo à aposentadoria por idade – regime no qual a idade mínima de aposentadoria já é 65 anos para homens e 60 para mulheres.

Conforme aponta pesquisa do IPEA, apenas 3% dos chamados aposentados precoces (considerados como mulheres entre 46 e 54 anos, e homens entre 50 e 59 anos) estão entre os 20% mais pobres. Ao mesmo tempo, 44% dos aposentados precoces estão entre os 20% mais ricos; e 82% estão na metade mais rica da população brasileira.

“Também é interessante notar que muitos dos aposentados precoces continuam trabalhando após a aposentadoria – dentre os que seguem no mercado de trabalho, cerca de dois terços estão entre os 20% mais ricos; quando considerados os que seguem trabalhando em empregos formais (e portanto aportando novas contribuições ao sistema), quase 80% estão entre os mais ricos”, afirma. Assim, as estatísticas ajudam a ilustrar que a aposentadoria por tempo de contribuição permite especialmente aos mais ricos usar a previdência não como seguro para incapacidade laboral – o objetivo original do sistema previdenciário -, e sim como complemento de renda – papel que poderia ser cumprido pela poupança do próprio indivíduo ao longo da vida, sem onerar a sociedade, pontua a economista. 

Os aposentados por tempo de contribuição (5,9 milhões de pessoas) representam 17% dos beneficiários do RGPS, mas recebem 28% do valor total de benefícios pagos. De acordo com a economista, embora se possa argumentar que o recebimento de benefícios médios mais elevados seja justificável, em função das contribuições também terem sido mais altas que a média, o argumento utilizado também embute uma falácia: afinal, a principal vantagem deste grupo é que receberá um valor elevado, por um período mais longo de tempo que os que se aposentam por idade.

Baseando-se num estudo do Banco Mundial em que calcula o VPL (valor presente líquido) do fluxo de contribuições pagas e benefícios recebidos, o Santander ressalta que as regras atuais da Previdência fazem com que o VPL seja fortemente positivo para aas camadas mais ricas da população – o que equivale a dizer que, sob as regras atuais, a previdência transfere riqueza da sociedade para seus membros mais ricos. 

Assim, avalia o Santander, a reforma da previdência proposta  busca eliminar esta distorção, ao eliminar a possibilidade de aposentadoria por tempo de contribuição e mudar a forma de cálculo dos benefícios. O exercício do Banco Mundial – que considera a versão original da proposta – mostra que a transferência líquida para o grupo mais rico seria virtualmente eliminada, enquanto os demais grupos receberiam transferências menores, mas ainda positivas e superiores a do grupo mencionado anteriormente. “Isto demonstra que as regras propostas vão justamente em linha com o objetivo de tornar a previdência mais equitativa e melhorar a distribuição de renda do país”, avalia.

A segunda grande distorção das regras atuais, aponta Dupati, vem das enormes diferenças entre as aposentadorias do setor privado e as do setor público (ou o chamado Regime Próprio de Previdência Social – RPPS).

Para ilustrar essa disparidade, a economista lembra que, em 2016, o RPPS pagou R$ 105 bilhões a pouco menos de um milhão de beneficiários da União, representando um benefício médio de R$ 8,2 mil por mês por pessoa. No mesmo ano, o RGPS pagou R$ 485 bilhões em benefícios a mais de 33 milhões de pessoas, indicando um benefício médio de pouco mais de R$ 1.100 por mês aos beneficiários do setor privado, sete vezes menor do que a do funcionário público na média.

A distorção se evidencia ainda mais quando se observa a distribuição das aposentadorias por faixa de valor, uma vez que quase dois terços dos beneficiários do RGPS recebem até um salário mínimo, e praticamente a totalidade recebe até o teto do RGPS (pouco menos de 6 salários mínimos, em valores atuais). Já no RPPS, mais da metade de seus beneficiários recebem acima do teto do RGPS.

“A reforma tenta minorar esta distorção ao impor o teto do RGPS como limite para os benefícios também do funcionalismo público, embora as diversas possibilidades de regras diferenciadas para os atuais servidores sugira que, na prática, o teto deva ser válido apenas para os novos ingressantes na carreira pública, e portanto tais distorções só sejam eliminadas ao final de algumas décadas”, avalia.

De qualquer forma, um exercício simples contribui para pensar no potencial da medida, segundo o Santander: numa hipótese extrema, se todos os inativos e pensionistas da União recebessem hoje o teto do RGPS, a redução estimada no valor dos benefícios pagos seria de quase R$ 40 bilhões por ano (pouco menos de 40% das despesas atuais). 

Efeitos indiretos: três fontes de redução da desigualdade

O primeiro efeito indireto importante – e normalmente negligenciado – é sobre a expansão da força de trabalho do Brasil. Isso porque, lembra o banco, o potencial de crescimento da economia é dado pela combinação de três principais fatores: o estoque de capital, o estoque de mão de obra e a produtividade destes fatores de produção.

De acordo com a instituição, a reforma da previdência ajuda a diminuir o efeito da dinâmica populacional nas próximas décadas sobre o estoque de mão de obra. Ao eliminar a possibilidade de aposentadoria por tempo de contribuição, a reforma tende a elevar a taxa de participação no mercado de trabalho daqueles que hoje reúnem condições para a aposentadoria precoce. 

Para entender a contribuição deste fator no potencial de crescimento da economia, o Santander simulou a evolução da população economicamente ativa em dois cenários: no cenário sem reforma, assumindo estabilidade na taxa de participação média para todas as faixas etárias nos atuais 61,7%, enquanto que no cenário com reforma, assume que a taxa de participação para a faixa etária da aposentadoria precoce convergiria do patamar apresentado pelos aposentados (excluindo invalidez) para o nível dos não aposentados, com o resultado sendo apresentado na figura abaixo, com uma PEA significativamente maior: 

De acordo com as estimativas do banco, assumindo como constantes o estoque de capital e produtividade, a diferença no estoque de mão de obra entre os cenários com e sem reforma implicaria uma diferença de 0,2 ponto percentual no crescimento potencial da economia. Porém, há alguma dose de incerteza no exercício, pondera o banco: de um lado, não é garantido que o crescimento adicional se traduza em empregos melhor remunerados e de outro, justamente porque o incremento de mão de obra tende a se concentrar num grupo com mais qualificação, a permanência no mercado de trabalho pode contribuir para aumentar a produtividade da economia (assumida como constante no exercício).

O segundo aspecto redistributivo indireto associado à reforma relaciona-se ao financiamento do sistema. O déficit da previdência é financiado por recursos recolhidos por meio de outros impostos e contribuições, não relacionados à previdência. “Se tais impostos e contribuições tivessem um caráter progressivo – isto é, incidissem com uma carga proporcionalmente maior sobre os contribuintes de renda mais elevada –, o financiamento do déficit poderia até contribuir, na margem, para a redução da desigualdade. Não é, contudo, o caso do Brasil: a estrutura tributária do país tem aspectos regressivos (ou seja, que resultam em que pessoas mais pobres paguem mais impostos que as mais ricas como proporção de sua renda)”, avalia a economista.

Um importante aspecto regressivo da nossa estrutura tributária é o excessivo peso dos impostos indiretos – por exemplo, os impostos sobre consumo. No Brasil, quase metade da arrecadação é baseada neste tipo de impostos; nos países da OCDE, o peso médio é de apenas um terço. 

Já a tributação direta (sobre renda, lucro e ganho de capital), que tende a ser mais progressiva representa uma fatia relativamente pequena da arrecadação brasileira: cerca de 20%, contra média de um terço dos países da OCDE. Além disso, o Imposto de Renda, um dos principais impostos diretos, tem perdido a sua progressividade nos últimos anos: citando dados de 2015, o Santander aponta que contribuintes de renda mais elevada tendem a apresentar proporção mais alta de rendimentos isentos o que, somado às deduções permitidas no IRPF (saúde, educação e previdência privadas, pouco usadas por contribuintes de renda mais baixa), acaba resultando em uma incidência muito assimétrica do IRPF entre as diversas faixas de renda, com peso decrescente para contribuintes com rendas superiores a 40 salários mínimos anuais. 

“Combinados, a alta participação dos regressivos impostos indiretos e a baixa progressividade de um dos principais impostos diretos no financiamento do déficit da previdência significa que a camada de renda mais baixa está fazendo um sacrifício desproporcionalmente maior que os mais ricos para bancar as transferências líquidas da previdência. Minorar este déficit equivale, portanto, a evitar uma piora adicional na distribuição de renda”, aponta Dupita. 

Outros pontos são destacados pelo banco: apesar de propor alteração na fórmula de cálculo dos benefícios, a reforma preserva o salário mínimo como piso das aposentadorias (como dois terços dos aposentados do RGPS recebem o salário mínimo como benefício, eles não seriam afetados pela reforma).

Além disso, a economista ressalta que outro ponto frequentemente esquecido é a própria capacidade de aumento do salário mínimo: sem alteração nas regras atuais de acesso, a despesa com benefícios previdenciários tende a crescer em termos reais, acompanhando a dinâmica populacional e representando uma fatia crescente do teto dos gastos, incluído na constituição ao final de 2016.

Sem a reforma, o governo teria dificuldades de cumprir o teto de gastos já no início da próxima década. Além dos potenciais impactos negativos de tal incapacidade – piora na dinâmica da dívida pública, pressão sobre a taxa de juros praticada na economia, redução do crescimento –, é importante notar que o não cumprimento do teto também implica proibição de concessão de ganhos reais ao salário mínimo. 

“Em outras palavras, a reforma da previdência é essencial para dar condições ao governo de cumprir o teto de gastos e assim manter sua capacidade de seguir com uma política de valorização do salário mínimo, ainda que a um ritmo menor que nos últimos anos – o que, dada a importância desta variável para a fatia de beneficiários pobres, poderia implicar mais um potencial efeito distributivo indireto da reforma”, avalia a economista.

Em conclusão, a economista do Santander reforça que a manutenção de pontos críticos – como o fim da aposentadoria por tempo de contribuição e a imposição (mesmo que gradual) do teto sobre os benefícios também dos servidores públicos faça com que a desigualdade tenda a ser menor em um cenário com reforma que em um quadro de manutenção das regras atuais. “Os efeitos distributivos são de interesse de uma maioria difusa e são parte de uma agenda mais ampla de uma sociedade que deseja se aproximar de países mais ricos e menos desiguais”, conclui Dupita. 

 

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.