Alckmin ‘fiador’ da candidatura de Lula? O que o mercado pode esperar da possível chapa

Escolha do ex-tucano como vice do petista daria amplitude à candidatura e seria bem recebida pelos agentes econômicos, afirmam cientistas políticos

Fábio Matos

Publicidade

Mais de 15 anos separam a disputa presidencial de 2006 envolvendo o petista Luiz Inácio Lula da Silva e o então tucano Geraldo Alckmin do jantar promovido pelo grupo de advogados Prerrogativas, em dezembro de 2021, em São Paulo, que abriu caminho para uma cada vez mais provável aliança eleitoral entre os dois velhos adversários.

Uma década e meia depois de derrotar Alckmin no segundo turno com mais de 60% dos votos válidos e se reeleger para o segundo mandato no Planalto, Lula ciceroneou o ex-rival no encontro que reuniu cerca de 500 convidados no restaurante A Figueira Rubaiyat, na capital paulista. Foi ali que começou a ser desenhada publicamente a possível chapa entre o ex-presidente da República e o homem que governou por mais tempo o estado de São Paulo — 12 anos durante quatro mandatos, de 2001 a 2006 e entre 2011 e 2018.

Leia também:

Oferta Exclusiva para Novos Clientes

Jaqueta XP NFL

Garanta em 3 passos a sua jaqueta e vista a emoção do futebol americano

Em meados de dezembro, Alckmin anunciou sua saída do PSDB depois de mais de três décadas no partido (do qual é um dos fundadores). Mesmo tendo aparecido na liderança de pesquisas de intenção de voto para o governo de São Paulo, o ex-tucano fomentou conversas entre seus aliados e emissários de Lula sobre uma eventual união em torno da candidatura do petista — uma espécie de “frente ampla” para enfrentar o presidente Jair Bolsonaro (PL) nas urnas.

A ideia teria partido do ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação Fernando Haddad (PT) e contou com o endosso do ex-governador Márcio França (PSB), vice de Alckmin no governo do estado entre 2015 e 2018, quando assumiu a cadeira do titular — que partiu para a disputa presidencial. Haddad e França são pré-candidatos a governador em 2022.

Desde então, tanto Lula quanto Alckmin vêm trocando afagos públicos e sinalizando intenção mútua de cristalizar a chapa para a eleição de outubro. “Tive extraordinária relação com Alckmin, que foi um governador responsável em São Paulo”, elogiou o petista em entrevista à Rádio Gaúcha no fim do ano passado.

Continua depois da publicidade

No último dia 15 de fevereiro, desta vez falando à Rádio Banda B, de Curitiba, Lula reiterou o discurso: “Se o Alckmin me ajudar a governar, não vejo nenhum problema dele ser meu vice. As divergências serão colocadas de lado, porque o desafio, mais do que ganhar, é consertar o Brasil”.

Movimento ao centro

Analistas e cientistas políticos consultados pelo InfoMoney afirmam que o convite a Alckmin é uma clara tentativa de Lula de ampliar o arco de apoio à sua candidatura para além da esquerda.

“É preciso que o Lula construa alguma ponte e uma interlocução com outro tipo de eleitor, que me parece ter uma concentração geográfica no Sudeste, em particular em São Paulo”, afirma Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria. “É um tipo de eleitor que tem dificuldade para escolher o PT. Esse potencial é o que o Alckmin pode trazer. Não é muito elevado em termos absolutos, mas pode ter uma contribuição fundamental.”

Carlos Melo, cientista político e professor do Insper, também entende que o peso simbólico da eventual presença de Alckmin na chapa de Lula é maior do que o eleitoral. “Dá um discurso de amplitude para Lula. Havia um temor de que ele pudesse ganhar a eleição e governar só com os seus, formando um governo estreito. A aproximação com o Alckmin mostra que há uma disposição em compartilhar, de fato, o governo.”

Apesar de Alckmin ter deixado o PSDB, a aproximação com Lula significa ainda um reencontro histórico entre representantes de forças que ditaram as pautas política, econômica e social do país por 20 anos, polarizando a disputa em seis eleições presidenciais entre 1994 e 2014.

“Em algum momento, havia uma espécie de utopia no imaginário político brasileiro de um relacionamento mais estreito entre PT e PSDB”, recorda Cortez. “A rivalidade nas eleições presidenciais afastou essa possibilidade, mas, embora rivais, esses partidos demonstraram algum pacto em questões fundamentais do jogo político”, completa.

“Desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff [em 2016], houve um afastamento entre essas duas legendas, e foi se perdendo a ideia de que acordo entre rivais é positivo. Entre outros movimentos, essa aliança pode resgatar uma visão sobre os benefícios da moderação entre rivais.”

O professor, analista político e doutor em Comunicação Social Kleber Carrilho segue a mesma linha: “É uma reaproximação de forças que estavam distanciadas. Há uma tendência de que um novo governo Lula seja ainda mais de centro do que foi o primeiro”, diz. “Para o mundo político, uma chapa Lula-Alckmin diria o que a democracia liberal sempre diz: a tendência é o centro, é o equilíbrio. Não adianta radicalizar. É o que o Bolsonaro não conseguiu fazer.”

Aceno ao mercado

Além do gesto político, a união entre Lula e Alckmin transmitiria um recado claro ao mercado: o de que o PT que pretende retomar o poder em janeiro de 2023 não repetirá os erros do governo Dilma nem apostará na radicalização ou na revanche.

“Como o Lula foi preso e passou por todo aquele processo desencadeado pela Lava Jato, a preocupação inicial do mercado era a de que ele viesse com um perfil mais radical, mais raivoso. Não é o que parece”, afirma o economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Barros.

“Até o momento, o mercado tem lido essa aproximação com bons olhos. A conversa com o Alckmin é uma sinalização de que Lula tentará ser mais moderado.” Para os agentes econômicos, segundo Barros, Alckmin “seria uma espécie de fiador” da candidatura Lula. “É como se fosse um cordão de isolamento para evitar uma guinada muito à esquerda do governo.”

Carlos Melo, por sua vez, compara a eventual escolha de Alckmin como vice de Lula à indicação do então vice-presidente José Alencar (1931-2011) para integrar o primeiro governo petista (2003-2007). “Ele não falou do Alckmin só como um vice que fica no Palácio do Jaburu sem fazer nada. Ele falou do Alckmin como um vice muito participativo e que pode ser capaz de assumir um ministério”, diz Melo. “Lula fez isso com o José Alencar, que era vice-presidente da República e assumiu o Ministério da Defesa [em 2004].”

De acordo com o cientista político, também é possível comparar a escolha de Alckmin com dois outros episódios da primeira campanha de Lula à Presidência: a Carta ao Povo Brasileiro, divulgada em junho de 2002, na qual o candidato petista assumia o compromisso de cumprir os contratos e levar a cabo uma política econômica responsável; e, mais tarde, a indicação de Henrique Meirelles para assumir o comando do Banco Central.

“Vinte anos depois, Lula não é o enigma que era em 2002. As pessoas sabem quais são os defeitos e as qualidades do Lula. A eventual escolha do Alckmin é um sinal de que ele não governaria sozinho e faria uma frente tão ampla quanto possível”, afirma Melo.

A política do ganha-ganha

Se, para Lula, a presença de Alckmin na chapa presidencial teria um papel importante para diminuir resistências do mercado e de parcelas do eleitorado conservador, para o ex-governador de São Paulo o maior ganho seria o capital político.

“Alckmin deixaria para trás a imagem de candidato derrotado, com um mau desempenho na eleição de 2018, e assumiria uma posição institucional importante, de caráter nacional. O eventual posto de vice-presidente o alçaria a um papel importante na vida política do país”, afirma Cortez.

Melo pondera que, apesar do favoritismo apontado pelas pesquisas, Alckmin teria muitas dificuldades caso decidisse disputar novamente o governo de São Paulo – sem o apoio da máquina da administração estadual.

“A eleição de Geraldo Alckmin para governador é muito mais difícil do que parece”, avalia. “Quando ele disputou a eleição sem máquina, para a prefeitura de São Paulo [2000 e 2008] e para a Presidência da República [2006 e 2018], não teve uma boa performance”, lembra. “Por outro lado, ser vice do Lula o coloca no centro da política nacional e com uma probabilidade bastante razoável de ser eleito.”

Na noite de 11 de fevereiro, Lula e Geraldo Alckmin voltaram se encontrar para traçar a rota até o anúncio oficial da parceria, previsto para o início de março. O anfitrião do jantar foi Haddad, que recebeu os dois neoaliados em sua residência, em São Paulo.

Para o martelo ser batido, falta apenas Alckmin definir o partido ao qual se filiará. Até então cotado como destino mais provável, o PSB vem se desentendendo com o PT nas discussões sobre uma federação partidária entre as duas legendas. O palanque de Lula em São Paulo é outro problema, pois o PSB não dá sinais de que abrirá mão da candidatura de Márcio França – assim como o PT bate o pé para ter Haddad candidato. Nos últimos dias, diante do imbróglio, o PV ganhou terreno na disputa por Alckmin.

Independentemente de qual será seu novo partido, o ex-governador paulista parece confortável na posição de protagonista do jogo eleitoral de 2022. Enquadrado por Lula, o PT está pronto para receber o ex-tucano de braços abertos. As peças seguem se movimentando intensamente. O jogo está prestes a começar.

Newsletter

Infomorning

Receba no seu e-mail logo pela manhã as notícias que vão mexer com os mercados, com os seus investimentos e o seu bolso durante o dia

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Além do InfoMoney, teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”.