“Acredita”: entenda o novo programa do governo para estimular o mercado de crédito

Lançado por medida provisória, programa se divide em 4 eixos, que vão desde o microcrédito para beneficiários de programas sociais até ações de proteção cambial para investimentos estrangeiros

Marcos Mortari

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assina medida provisória de Lançamento do Programa Acredita durante cerimônia no Palácio do Planalto (Foto: Ricardo Stuckert / PR)
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assina medida provisória de Lançamento do Programa Acredita durante cerimônia no Palácio do Planalto (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou, nesta segunda-feira (22), a medida provisória que institui o programa Acredita, com medidas de estímulo ao mercado de crédito. A iniciativa é lançada em um momento de queda de popularidade do petista e visa facilitar o acesso a distintas formas de financiamento para públicos diversos.

Algumas das iniciativas já haviam sido antecipadas por integrantes do Poder Executivo e vão desde o microcrédito para inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) até um programa de proteção cambial para atrair investimentos estrangeiros, passando por uma nova modalidade do Desenrola (desta vez voltado a pequenos negócios) e ações de impulso para o desenvolvimento de um mercado secundário para crédito imobiliário.

O Acredita foi desenhado com 4 eixos principais. O primeiro (“Acredita no Primeiro Passo”) é um programa de microcrédito para beneficiários de programas sociais. O segundo (“Acredita no seu negócio”) é voltado às empresas, por meio do Desenrola Pequenos Negócios e Procred 360. Há ainda uma frente que visa a criação do mercado secundário para crédito imobiliário. E o Eco Invest Brasil − Proteção Cambial para Investimentos Verdes (PTE), que tem como objetivo incentivar aportes externos em projetos sustentáveis no Brasil.

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Veja os detalhes de cada um deles:

Microcrédito para inscritos no CadÚnico

O texto institui o programa “Acredita no Primeiro Passo”, a ser executado pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, sob o comando de Wellington Dias (PT).

O objetivo da iniciativa é gerar oportunidades de inclusão produtiva, aumento da renda pelo trabalho, qualidade de vida e participação social para as famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Haverá priorização sobre mulheres, jovens, negros e membros de populações tradicionais e ribeirinhas que sejam beneficiários de programas sociais do governo, como o Bolsa Família e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

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Segundo levantamento do governo federal, existem hoje 41 milhões de famílias (aproximadamente 91 milhões de pessoas) registradas no Cadastro Único. Destes, na população economicamente ativa, 10% têm nível superior ou estão cursando, 14 milhões têm nível médio ou estão fazendo, 4,6 milhões de pessoas já são microempreendedores individuais e 14 milhões empreendem na informalidade.

Nesta primeira seção da medida provisória, a garantia de operações de crédito terá por finalidade garantir, direta ou indiretamente, o risco de operações contratadas junto a instituições financeiras no âmbito do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO). Tal garantia será operacionalizada por meio do Fundo Garantidor de Operações (FGO).

Pelo texto, a União fica autorizada a aumentar participação no fundo em R$ 1 bilhão, exclusivamente para cobrir operações do novo programa (a expectativa é que sejam aportados R$ 500 milhões neste ano). No “Acredita no Primeiro Passo”, o FGO somente responderá por suas obrigações até o limite do valor dos bens e direitos integrantes de seu patrimônio alocados para a finalidade no subprograma e não contará com qualquer tipo de garantia ou aval por parte do poder público. Também deverá haver previsão para a participação de outros cotistas, inclusive do setor privado.

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A norma permite que as instituições financeiras e entidades autorizadas operem com recursos próprios ou por elas administrados contem com garantia a prestada pelo FGO de até 100% do valor de cada operação, com cobertura pelo fundo da inadimplência limitada a 20% da carteira garantida de cada instituição. Mas somente poderão contar com a garantia as instituições que cumpram ao menos 50% de suas operações no programa contratadas por mulheres ou por empreendimentos individuais de mulheres.

Pronampe

A medida provisória também prevê medidas de aprimoramento do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), criado ainda durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Neste caso, a política passa oficialmente ao guarda-chuva do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, comandada por Márcio França (PSB).

Pelo texto agora, se houver inadimplemento do contratante, os créditos poderão ser cedidos ou leiloados pelas instituições financeiras participantes, no prazo de até 60 meses (na lei atual, são 18 meses e o leilão é uma exigência nessas situações). Há, ainda, determinação para que os agentes financeiros adotem estratégia de renegociação
semelhante à usualmente utilizada para créditos próprios, inclusive com a possibilidade de concessão de descontos.

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A MPV prevê, ainda, que os valores referentes à participação adicional da União no FGO para a cobertura das operações contratadas até 31 de dezembro de 2023, no âmbito do Pronampe, com beneficiários que tiveram perdas materiais decorrentes dos eventos
climáticos ocorridos em setembro do ano passado no Rio Grande do Sul, sejam destinados à garantia de novas operações no programa.

ProCred 360

O Acredita também cria o ProCred 360, iniciativa que estabelece condições especiais de taxas e garantias por meio do mesmo FGO para operações destinadas a Microempresários Individuais (MEIs) e microempresas com faturamento anual limitado a R$ 360 mil.

Neste caso, o governo fala em taxas de juros fixadas em Selic +5% ao ano (o equivalente à taxa máxima permitida no Pronampe) e a possibilidade de pagamento de juros no período de carência, contribuindo para uma melhor organização financeira dos tomadores de crédito.

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O texto prevê que as instituições participantes operem com recursos próprios e possam contar com garantia do FGO de até 100% do valor de cada operação garantida. A cobertura pelo Fundo da inadimplência fica limitada ao valor máximo segregado pelo administrador do FGO para a garantia da carteira da instituição participante do Procred 360, vedado ultrapassar 60% da carteira à qual esteja vinculada.

Novo Desenrola

A MPV institui o Programa de Renegociação de Dívidas de Microempreendedores Individuais − MEIs, Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (batizado de “Desenrola Pequenos Negócios”, nome do programa que fez com que 14 milhões de brasileiros renegociassem débitos com credores privados).

O texto estabelece como objetivo incentivar a renegociação de dívidas de empresas com faturamento bruto anual igual ou inferior a R$ 4,8 milhões. A expectativa do governo é que os descontos girem a uma média de 40%.

Mercado imobiliário

O texto amplia as atribuições da Empresa Gestora de Ativos (EMGEA), que passa a ser autorizada a adquirir e gerir não apenas bens e direitos da União, entes subnacionais e en5dades da administração pública indireta, mas também de fundos públicos ou privados em que a União aporte recursos.

A EMGEA também ganha o poder de “fomentar o crescimento do mercado imobiliário nacional, provendo maior liquidez aos ativos com base em crédito imobiliário”. Pelo texto, ela poderá criar ou participar de estruturas organizacionais, na forma de fundos de investimentos, de sociedades de propósitos específicos ou de parcerias público privadas, desde que tenham como finalidade o desenvolvimento social de interesse público.

Para isso, ela poderá atuar de 3 maneiras:

1) adquirir créditos imobiliários concedidos por instituições financeiras, públicas ou privadas, para incorporação em carteira ou para posterior venda ao mercado;

2) adquirir, no mercado financeiro, títulos e valores mobiliários lastreados em crédito imobiliário; e

3) ofertar instrumentos financeiros que permitam a proteção de instituições financeiras, públicas ou privadas, a exposições de remuneração e prazos oriundos de concessão de crédito imobiliário.

Além disso, a EMGEA poderá atuar como securitizadora, securitizando os créditos imobiliários adquiridos em títulos e valores mobiliários, que poderão ter remuneração, prazos e montantes diferentes dos créditos imobiliários originais.

A ideia é que, com isso, seja possível fomentar um mercado secundário de crédito imobiliário, aumento o dinamismo das operações e permitindo taxas mais baratas de financiamento ao consumidor.

Investimentos estrangeiros

A medida provisória institui, ainda, o Programa de Mobilização de Capital Privado Externo e Proteção Cambial – Programa Eco Invest Brasil. A iniciativa se dá no âmbito do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC) e tem 4 objetivos:

1) Fomentar e incentivar investimentos em projetos que promovam a transformação ecológica, sobretudo nos eixos da transição para práticas e tecnologias sustentáveis, do adensamento tecnológico, da bioeconomia, da economia circular, da transição energética e da infraestrutura e adaptação à mudança do clima, entre outros;

2) Atrair investimentos externos ao País;

3) Viabilizar operações no mercado de capitais com vistas à captação de recursos no exterior por empresas, investidores e instituições financeiras sediados no País, para fins de financiamento de projetos voltados à transformação ecológica; e

4) Apoiar o desenvolvimento, a liquidez e a eficiência do mercado de proteção (hedge) de longo prazo em moeda estrangeira no País.

Conforme o texto, serão oferecidas 4 linhas de crédito neste programa, dependendo da finalidade (financiamento parcial; liquidez; oferta de deriva5vos cambiais ou outros a5vos financeiros; e estruturação de projetos).

A MPV autoriza o FNMC a celebrar acordos de cooperação e operações de crédito com organismos multilaterais. A ideia do dispositivo, gestado em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e outras instituições durante encontro do G-20 no início do ano, é viabilizar captação de recursos sob condições mais favoráveis a empresas e investidores − desde que as iniciativas sejam voltadas à transição ecológica.

Durante o anúncio do programa, em fevereiro, o presidente do BID, Ilan Goldfajn, disse que o banco de fomento participaria com US$ 5,4 bilhões (o equivalente a R$ 27 bilhões). Os recursos, segundo ele, seriam divididos em duas frentes: US$ 3,4 bilhões para ajudar na questão dos derivativos e das opções usados para as operações de hedge. E outros US$ 2 bilhões na linha de crédito para dar a liquidez que as empresas precisam.

O modelo se ancorará na capacidade diferenciada de o BID, por ter avaliação de crédito triplo ‘A’ entre as agências de classificação de risco, captar no mercado a preços mais baixos, e repassar a condições especiais às instituições brasileiras (o que poderá reduzir sensivelmente o custo de crédito para empreendimentos verdes no Brasil).

Incentivos aos agentes financeiros

Pela redação da MPV, as instituições que renegociarem, até o fim deste ano, dívidas de empresas com faturamento igual ou inferior a R$ 4,8 milhões, poderão ter direito à apuração de crédito presumido, em montante total limitado ao saldo contábil bruto das operações de crédito para renegociação de dívidas ou ao saldo contábil dos créditos decorrentes de diferenças temporárias (o que for menor).

Tramitação

Esta é a 8ª Medida Provisória editada por Lula em 2024. Este tipo de proposição legislativa tem sido objeto de divergências entre parlamentares e, muitas vezes, tido dificuldades para avançar no Congresso Nacional.

O instrumento costuma ser utilizado pelo Poder Executivo pela agilidade que proporciona (muitas vezes, com produção de efeitos imediatos, antes mesmo da deliberação pelo parlamento). Para que não percam validade (ou “caduquem”, conforme o jargão político), elas precisam ser aprovadas pelo Legislativo em até 120 dias.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.