A Operação Lava Jato ainda é um evento pró-mercado?

Se antes o mercado "comemorava" cada notícia da Operação Lava Jato contra Dilma, o cenário parece ter mudado agora, com Michel Temer no comando do governo

Lara Rizério

Publicidade

SÃO PAULO – O jogo virou? 

Desde que Michel Temer assumiu, a continuidade da Operação Lava Jato passou de um evento pró-mercado para mais um combustível para a volatilidade.  Isso principalmente após as gravações de Sérgio Machado envolvendo o PMDB terem vindo à tona e já terem derrubado dois ministros de Temer – e aumentado a fragilidade para o governo interino, que tem que enfrentar diversas votações para reduzir a trajetória da dívida e cortar os gastos. 

O período em que Temer assumiu o poder não se traduziu – pelo menos por enquanto – em alta para o Ibovespa. Desde o dia 12 de maio até o final do mês, o benchmark da bolsa brasileira amargou perdas de cerca de 8%, para só no mês seguinte ensaiar uma recuperação. Vale lembrar que os desdobramentos da Lava Jato fizeram o Ibovespa saltar de 41 mil para 55 mil pontos entre março e metade de maio.

Continua depois da publicidade

Já havia quem alertasse que o período Temer não seria um “mar de rosas” para a política e economia nacional – embora fosse consenso entre os investidores que a Bolsa teria mais um período de altas e o dólar se desvalorizaria. Mesmo que mais alinhado com as políticas pró-mercado, com a indicação de nomes técnicos e reconhecidamente competentes para presidir as estatais – que deve se traduzir em maior transparência e menor intervenção governamental – , a avaliação é de que os riscos políticos por conta da Operação Lava Jato podem comprometer a base de Temer no Congresso, o que pode justamente afetar o ajuste fiscal e, assim, a economia poderá ser afetada.

“A questão política não consegue ficar à margem dos anseios e programas de recuperação da economia do País. Componentes do governo ligados ao partido têm sinalizações fortes de probabilidade de turbulências políticas e jurídicas ou atos falhos no curto/médio prazos, a exemplo do ocorrido com o Ministro do Planejamento [Romero Jucá, também pego pelos gravações], o que beneficia e dá voz e até possível apoio à antiga dirigente em processo de impeachment, que será julgado nos próximos quase 180 dias”, afirmou o economista e diretor executivo da NGO, Sidnei Nehme, em relatório. Aliás, Nehme tem se mostrado bastante cético com uma mudança com a saída de Dilma e a entrada de Temer. 

Não mudou tanta coisa assim…
Entre os analistas e economistas, há divergências sobre se a crise política deflagrada pela Lava Jato e enfrentada nos primeiros dias do governo Temer geraram tanto efeito, como é o caso da LCA Consultores.

Segundo os economistas da consultoria, as dificuldades políticas enfrentadas pela nova coalizão governista não têm repercutido de maneira marcante nos mercados domésticos. “E o volume de más notícias para o governo Temer não tem sido pequeno”, afirma, destacando que, além da exoneração de dois ministros, há a homologação de delações premiadas de réus da Lava Jato (sobretudo de Sérgio Machado e Marcelo Odebrecht) que poderiam implicar outros políticos importantes da cúpula do novo governo; os protestos de movimentos sociais e trabalhadores, sobretudo ligados às áreas de cultura, educação e direitos humanos, além da repercussão adversa que as dificuldades políticas têm provocado na opinião internacional.

Em maio – exceto no último dia por conta do indiciamento do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco – a taxa de risco do Brasil continuou relativamente estável em relação à taxa média de risco das demais economias emergentes. Além disso, no mês, a cotação cambial registrou, em maio, desvalorização ante o dólar norteamericano inferior à desvalorização média das demais moedas emergentes. No entender da LCA Consultores, dois fatores ajudam a explicar o “descolamento” entre a persistente incerteza política e o humor dos mercados: (i) a confiança destes na equipe econômica; e (ii) o avanço, ainda que incipiente, de matérias fiscais no Congresso.

“De fato, as dificuldades políticas não alcançaram a nova equipe econômica nem provocaram pressões significativas por mudanças na estratégia anunciada de política econômica. Mesmo que a imagem de Temer como apaziguador do clima de acirramento político tenha se enfraquecido, os mercados confiam que o ajuste em curso na política econômica não foi, ao menos por ora, colocado em risco. Também parece haver a sensação de que Temer não perdeu sustentação no Congresso – como indicam a aprovação da revisão da meta fiscal na semana passada (no dia seguinte à exoneração de Jucá) e avanços na tramitação do projeto de Desvinculação de Receitas da União (DRU). Ademais, algumas estatísticas e sondagens recentes, a sugerir que a recessão pode ter atingido um ponto de inflexão, respaldam esse comportamento resiliente dos mercados domésticos”, afirma a LCA Consultores. 

Também para a economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour, a Operação Lava Jato não mudou o sentido do mercado, destacando que agora, com Temer, as incertezas políticas são bem menores do que com a presidente afastada Dilma Rousseff. “Antes o próprio governo não era apoiado pelo partido da presidente nas pautas de ajuste. Hoje, a incerteza sobre a coalizão política para a realização de medidas necessárias é bem menor que no passado. Na verdade, as propostas da equipe econômica tem respaldo de parcela significativa do PMDB mostra que ainda há uma coalizão forte”, destaca a economista.

“A incerteza não pode ser comparada, mas o mercado não está reagindo positivamente porque está esperando por novas medidas e quer ver o que será aprovado no Congresso”, destaca Solange. Ou seja, como Temer transformará esse capital político que ele mostrou ter no Congresso em ações efetivas para reverter a economia. A economista não espera que reformas como da Previdência ou a Desvinculação das Receitas da União antes das eleições de outubro, uma vez que exigem um trâmite maior, encaminhamento e receptividade.

Porém, após outubro, a avaliação da economista é de que há uma grande chance das medidas importantes passarem, “porque a situação é realmente muito crítica. “Não vejo a mesma incerteza política, ela é menor, há uma colaboração forte da coalizão, mas o cenário ainda está sujeito a muitas tempestades,com novas delações acontecendo, que podem aumentar o risco político”. 

Já para o operador do banco Daycoval, Renan Alpiste, o momento em que todo mundo via a Lava Jato como uma espécie de “catalisador” para o impeachment passou, logo quando Dilma Rousseff foi afastada. Além disso, as delações que foram à tona, enfraqueceram o governo Temer, mas não são mais “trigger” tão forte para o mercado, destaca. Isso, se o imponderável não atuar mais uma vez, lembra ele. “Caso as acusações envolvam Temer diretamente, o cenário será mais instável. No ambiente atual, a investigação da Lava Jato não traz mais tanta volatilidade para o mercado”, ressalta o operador. 

Efeitos no curto e longo prazos
Mas quais os efeitos de curto e médio prazo na economia da operação? Para Solange Srour, no curto prazo, é natural que a Lava Jato acabe levando a uma paralisação da atividade com as grandes empreiteiras implicadas na Operação. No médio prazo, o impacto é positivo, por mostrar para o mundo o fato das instituições do Brasil funcionarem e serem independentes, levando a uma maior segurança jurídica e aumentando a atratividade no País.

“A corrupção no Brasil surpreende para cima. Várias vezes questionamos os juros altos, e uma das razões seria o risco constitucional. A parcela desse risco caiu de fato, está mais seguro. Estas operações levam à educação para a sociedade, mostrando que a sociedade deve vingar através da meritocracia, levando ao aumento do crescimento e da produtividade. Porém, até quando vai durar o curto prazo, a gente não sabe”, afirma a economista da ARX.

Renan Alpiste reforça que o cenário de curto prazo é difícil de se prever, podendo ir tanto de aprovações de medidas de ajuste pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles quanto pela volta de Dilma Rousseff. “2016 será um ano difícil, tudo indica que assim será. Porém, se as medidas passarem e elevar o cenário de confiança para o consumidor, o mercado acaba registrando melhora. Assim, até o final do ano, o Ibovespa deve ficar na região entre os 45 mil pontos e 55 mil pontos, mas o mercado pode ficar bem lateral, uma vez que o impacto das medidas econômicas não vem tão rápido”, afirma o operador.

Dilma foi afastada, Temer entrou no governo: porém, os riscos ainda parecem longe de acabar. Seja com a Operação Lava Jato ou com a Zelotes, mais emoções devem vir para o mercado. 

Newsletter

Infomorning

Receba no seu e-mail logo pela manhã as notícias que vão mexer com os mercados, com os seus investimentos e o seu bolso durante o dia

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.